- Quando a «nossa televisão» deixa de sê-lo!
A TVM está a perder o sentido de pertença?
Fundada em Fevereiro de 1981, a Televisão de Moçambique, ou simplesmente TVM, é uma rede de televisão pública moçambicana, sediada na cidade Maputo, na província do mesmo nome.
Segundo dados oficiais, a mesma televisão, começou a funcionar com o nome de Televisão Experimental de Moçambique, com transmissões que ocorriam apenas aos Domingos.
E, consta que, ao longo da sua história de evolução, a então antiga Televisão Experimental de Moçambique, passou a ser designada por Televisão de Moçambique, isso a partir do ano de 1991.
Hoje, 2016, passados 35 anos de sua existência, a Televisão de Moçambique conta com um número considerável de delegações provinciais, e o seu sinal é visto em todo o país tanto quanto na diáspora.
Aliás, para além das emissões que evoluíram de semanais para diárias com a expansão da sua grelha programática, a TVM, – a «nossa televisão», conta desde Março de 2012 com mais um canal aberto, a TVM 2, cuja abertura, abriu muitas espectativas no seio do “povo patrão”.
Entretanto, nos últimos tempos, a Televisão de Moçambique, parece estar a celebrar, a título forçoso, um significativo divórcio com os seus telespectadores espalhados pelo território nacional e não só.
1. Do papel da TVM enquanto televisão Pública:
Talvez esteja aqui o âmago/essência da questão que nos leva a escrever este humilde artigo. Nos dias que correm, em nós, pairam alguns equívocos sobre o verdadeiro papel da TVM enquanto televisão pública.
A TVM enquanto uma empresa pública, como qualquer outra pessoa colectiva pública, é criada através de uma lei, que por seu turno, a confere as suas respectivas ATRIBUIÇÕES, isto é, «finalidades específicas».
Neste âmbito, à partida, conforme consagra o Decreto nº 19/94 do Conselho de Ministros, datado de 16 de Junho, a TVM tem por objectivo «contribuir na consolidação da unidade nacional, na educação dos moçambicanos, (…) apresentando uma programação mais identificada com os interesses e valores culturais dos moçambicanos (…)».
E mais, na sua página oficial (vide link 2 em anexo), no tópico referente a “Missão e Visão”, a TVM se considera comprometida a trabalhar para, dentre vários aspectos: (i) a audiência; (ii) ser aberto e crítico; (iii) respeitar as diferenças; (iv) assentar na democracia; (v) ser um órgão sério, fiável.
A nossa televisão, TVM, vai muito mais longe com a sua ambição apontando estar comprometida em: “trabalhar para ser a MAIS IMPORTANTE fonte de informação em Moçambique, e tornar-se, por excelência em canal público dos moçambicanos”.
Mais objectivos podiam ser elencados, entretanto, os até aqui dispostos são sobejamente suficientes para permitir a análise que pretendemos realizar à volta dos modus operandi da Televisão de Moçambique, que, por ser pública, é de todos nós, conforme consagra a doutrina em sede do Direito Administrativo.
2. TVM: Da dissonância entre a Missão e Facticidade
Nesta parte, entenda-se por (i) Missão como o conjunto de objectivos/metas conferidas a TVM (o que equivale as atribuições em Direito Administrativo); e (ii) Facticidade, fazendo um empréstimo a acepção do filósofo Martin Heidegger, aos modos próprios de actuação da TVM – aquilo que acontece de facto.
Portanto, aqui a ideia é relacionar o que vem literalmente estabelecido como missão ou objectivos da TVM com aquilo que todos nós, na qualidade de telespectadores da TVM, no plano real, concreto e/ou factual, conseguimos notar, algo que nos fez redigir o texto em leitura.
E, sucede que, à partida, há uma flagrante dissonância entre o literalmente plasmado com os modus operandi. Nos últimos tempos, notamos que a TVM deixou de servir fielmente os seus telespectadores e tornou-se em um celeiro de promoção de actos vergonhosos e lesivos à identidade e unidade nacional.
A TVM em ambos canais, nos programas que leva ao ar todos os dias, não cumpre com mestria e seriedade com a sua missão, a não fosse as Análises Políticas órfãs de imparcialidade, Reportagens distantes do povo, Programas de Entretenimento promotores de promiscuidade, rodagem de publicidades algo enganosas, etc.
2.1. Dos Programas de Entretenimento
É com bastante tristeza que temos vindo a acompanhar o “show” de promiscuidade promovido pela nossa TVM em ambos canais, particularmente nos programas de entretimento. Músicos, artesãos, cantores, dançarinos de invejável gabarito perdem seus espaços a favor de pseudoartistas mentalmente desajustados.
Numa altura em que uma das nossas principais aspirações é divulgar a arte, identidade e cultura moçambicanas além-fronteiras, sendo a televisão um instrumento deveras poderoso para o efeito, temos uma TVM que exibe e promove promiscuidade, levando gente que teatraliza e ridiculariza a nossa cultura.
Se a missão da TVM é de promover a moçambicanidade, a unidade nacional, os valores, a cultura e prover uma educação aceitável ao povo moçambicano, na qualidade de televisão pública, deve prestar o seu devido exemplo, evitando levar ao ar apresentações que só nos ridicularizam como povo, quando os artistas de qualidade andam perdidos no anonimato.
2.2. Dos Programas de Análise Política:
Na há dúvidas sobre a parcialidade dos debates políticos levados ao ar por esta estação televisiva pública. As análises políticas passadas na nossa televisão, a considerar pelo perfil dos painelistas convidados, desvinculam da veracidade dos factos, favorecendo ala do partido no poder e subjugando as demais.
Uma televisão que se considera democrata e que, por se tratar de uma empresa pública vinculada pelas disposições do Decreto 30/2001 de 15 de Outubro que disserta sobre as Normas de Funcionamento dos Serviços Administração Pública, deve pautar pela imparcialidade como afigura o artigo 6º deste.
Dito doutra forma, não é razoável que para os debates políticos providos neste canal, não sejam convidados representantes doutros partidos políticos ou, daqueles académicos que realizem um discurso que constitua uma missiva aos interesses do partido no poder, algumas vezes nefastos ao povo.
Nos últimos anos em que assistimos a uma crise ou tensão político-militar, tivemos uma TVM que, através dos (pseudo) analistas que leva ao debate e em horário nobre, apenas agudiza sobremaneira as hostilidades. As inverdades proferidas pelos painelistas só criavam rancores e mais ódio entre as partes beligerantes.
O tristonho é saber que a lei constitucional (CRM), em seu artigo 49º fala do Direito de antena, de resposta e de réplica política. Diz o nº 2 do referido artigo que: os partidos políticos com representação na AR têm direito a tempos de antena na rádio e televisão para efeitos de resposta e ou ainda réplica política.
2.3. Dos Programas Desportivos
Há tempos que a televisão de todos nós deixou de ser amante e promotora do desporto, quer de prisma nacional, quer ainda internacional. Se, por um lado, constitui verdade que a transmissão de eventos desportivos exige custos elevados, por outro, é notória a falta de vontade da Administração deste canal.
A TVM, sendo um canal de televisão com cobertura nacional, constitui em um veículo privilegiado para que as elites empresariais nacionais e de capitais estrangeiros, divulguem os seus serviços e desta feita gerar receitas para esta empresa que, fundamentalmente, não deve visar a obtenção de lucros, mas, informar ao cidadão.
Das receitas que a TVM gera e que, a ser feita uma boa gestão/administração pode gerar, é possível a transmissão de eventos desportivos nacionais com certa regularidade e prontidão, a destacar os jogos dos campeonatos nacionais de futsal, futebol, basquetebol, boxe, natação, etc., em seus dois canais.
Aliás, como dissemos, a abertura do segundo canal da TVM criou enormes expectativas no seio dos moçambicanos que, mais tarde, vieram a ser defraudadas, visto que ambos canais vieram a ser tornar em dois celeiros de exibição de telenovelas mexicanas e brasileiras em números algo exagerados.
É enfadonho, que a TVM não consiga transmitir para os moçambicanos os jogos das equipas da selecção nacional nas diferentes modalidades que participa, quer seja a nível doméstico e principalmente na diáspora, e a desculpa sendo sempre a mesma: altos custos dos direitos de transmissão.
Uma empresa como a TVM quando bem administrada pode gerar receitas algo gigantescas; pode oferecer serviços de qualidade aos seus telespectadores; pode sustentar a si mesma e, se calhar, a outros segmentos da Administração Pública, ao invés de olhar-se como mais uma boca a mamar do Orçamento do Estado.
3. Considerações finais:
O sentimento aqui descrito é, decerto compartilhado por muitos outros moçambicanos, que a cada dia perdem confiança na nossa televisão a tendo não mais como prioridade, mas, como alternativa, sendo que outros chegam mesmo a divorciar com ela.
É preciso que o Presidente do Conselho de Administração desta empresa pública reúna-se, a título de urgência, com os seus colaboradores, directores, etc., no sentido de estudar formas de resgatar a boa imagem da nossa televisão, afinal, tudo o que nela passa, é o espelho de nós como moçambicanos.
É preciso aprender das outras estações de televisão públicas espalhadas pelo mundo, beber da sua experiência e saber buscar alguns aspectos positivos que façam crescer a nossa TVM. Aliás, a contínua formação e capacidade de quadros desta empresa, constitui num elemento central para que esta brilhe.
Finalmente, é deveras preocupante que, até aos dias que correm, a TVM não tenha dado passos notáveis no processo de migração do sinal analógico para o digital: o razoável seria que a televisão-mãe desse exemplos as demais que vão nascendo em nosso solo-pátrio.
Bem-haja Moçambique, nossa pátria de heróis!
Maputo, 27 de Junho de 2016.
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