Temer, entre o silêncio dos EUA e o embate com a esquerda da região
Impeachment de Dilma Rousseff gera críticas e silêncio entre países do continente
José Serra, novo chanceler e com intenções eleitorais, dá guinada drástica de tom
Washington / Buenos Aires / São Paulo
Ninguém esperava que um Governo interino fruto de um impeachment, cuja fase final ainda está por vir, fosse recebido calorosamente, mas em poucas horas Michel Temer(PMDB) teve dimensão do desafio diplomático que o espera no continente americano. Apenas a Argentina, o mais importante sócio do Cone Sul, expressou o seu “respeito”para com o substituto de Dilma Rousseff (PT), ainda que a Chancelaria argentina tenha falado abertamente sobre o desconforto com os questionamentos à "legitimidade" do processo. Os Governos da Venezuela, Cuba, Equador, Bolívia, Nicarágua e El Salvador, à esquerda e aliados de primeira hora da gestão alijada do Planalto, deram a resposta esperada: qualificaram a situação brasileira de um golpe de Estado, reproduzindo o discurso reiterado por Rousseff desde o começo do processo de destituição. Aos olhos jogo diplomático, porém, a reação mais importante até agora foi o silêncio de EUA, Colômbia, Chile e Uruguai.
O Ministério das Relações Exteriores de Temer assumiu como missão rebater a todas as críticas e já deixou claro que a guinada de rumos do novo Governo também abarca a política externa. O novo chanceler, José Serra (PSDB), havia alertado que “elevaria o tom” se necessário e já estreou rebatendo duramente a coalizão esquerdista que não reconhece a gestão interina. À Unasul (União das Nações Sul-Americanas), ele reprovou seus “argumentos equivocados” e os “juízos de valor infundados e preconceitos” de seu secretário-geral. A pasta também acusou os Governos da Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador, Nicarágua e El Salvador de propagarem “falsidades”, destacando que o processo é legítimo e está sendo encaminhado com “absoluto respeito às instituições democráticas e à Constituição”.
Os termos de Serra foram fortes e pouco usuais para o histórico do Itamaraty, mesmo antes da era do PT. Para analistas, se por um lado é preciso atuar para impor o Governo interino na região, por outro, refletem o desejo de protagonismo de Serra, um ex-candidato presidencial da oposição que não esconde suas pretensões de voltar a concorrer. Seria impossível qualquer acomodação diplomática com aliados carnais de Rousseff de retórica exaltada, mas o panorama é ainda mais agudo porque esses países já foram criticados pelo líder da oposição - Serra certa vez culpou a Bolívia pelo narcotráfico em território brasileiro. Ainda assim, a dureza da resposta do Itamaraty a El Salvador, por exemplo, em que se menciona até a ajuda recebida pelo país caribenho em cooperação internacional, é mais um elemento para escalar os ânimos a apenas meses de o Brasil receber o evento mais importante da história da América do Sul, as Olimpíadas do Rio.
Obama, observador à distância
O Governo de Barack Obama optou pelo distanciamento em relação a Temer. Partindo do princípio de que se trata de uma questão interna, argumento que sempre utiliza quando não quer se posicionar, Washington se limitou, na semana passada, a reiterar sua “confiança” na “capacidade da democracia brasileira” de superar esses momentos “turbulentos”. Até o momento, nem a Casa Branca nem o Departamento de Estado deram nenhum telefonema para falar com o Governo interino.
Obama “continua acreditando na capacidade das instituições democráticas brasileiras de resistir às turbulências políticas”, disse seu porta-voz, Josh Earnest. Seu colega do Departamento de Estado, John Kirby, sustentou essa mesma linha vaga e até foi instado a criticar a falta de diversidade no Governo Temer. Seu chefe, John Kerry também não fez nenhum contato com o novo Executivo de Brasília.
Até o momento, nem a Casa Branca nem o Departamento de Estado dos EUA deram nenhum telefonema para falar com o Governo interino
De acordo com Kirby, os EUA estão “observando e acompanhando da forma mais próxima possível” esse período de “desafios significativos” por que passa o gigante sul-americano. “Acreditamos que o Brasil tem uma democracia suficientemente forte para superar isso, e estamos convencidos de que continuaremos a manter uma relação bilateral forte”, acrescentou. Não disse, porém, com quem ele preferiria manter essa relação.
O mesmo silêncio, desde o afastamento temporário de Dilma, vem sendo mantido pelo secretário da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro. O ex-chanceler uruguaio apoiou a presidenta afastada inequivocamente nas últimas semanas, tendo até mesmo viajado a Brasília para prestar solidariedade à mandatária. Na capital do Brasil, Almagro anunciou a sua intenção de fazer uma consulta à Corte Interamericana de Direitos Humanos a respeito de um processo de impeachment que, segundo afirmou, “gera dúvidas e incertezas jurídicas”. No entanto, depois da votação que afastou Dilma, Almagro silenciou em relação à situação de um membro fundamental da organização que ele dirige.
O secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, se expressou de forma bem mais firme. No mesmo dia em que oSenado aprovou a suspensão temporária da petista, ele expôs publicamente a sua preocupação com a existência de “poderes impositivos” que “comprometem a governabilidade democrática da região”. “As acusações de caráter administrativo que têm sido formuladas contra a presidenta Rousseff não justificam, ao nosso ver, um processo de destituição”, afirmou Samper. “Se admitirmos essa tese, nenhum presidente estaria isento de, no dia de amanhã, por causa de uma ação meramente administrativa que se julga equivocada, poderia ser denunciado no Congresso de seu país e destituído”. Não houve, por outro lado, nenhum posicionamento em bloco da organização sul-americana, apesar da pressão exercida pela equipe de Dilma nesse sentido. Um posicionamento formal foi evitado devido às divergências internas, ao medo de se prejudicar a imagem do Brasil e à resistência do chanceler brasileiro, Mauro Vieira.
Argentina e Venezuela
A Argentina se tornou o principal ponto de apoio regional de Temer, cercado de Governos que questionam a sua legitimidade e falam abertamente em “golpe”. O Governo de Mauricio Macri foi o primeiro a reconhecer o presidente interino, embora continue à espera do desenrolar dos acontecimentos. Macri, com efeito, ainda não telefonou para Temer, ao contrário do que o brasileiro esperava. A chanceler Susana Malcorra expôs em entrevista ao jornal Clarín o motivo de a Argentina manter essa posição enquanto os demais países da região se empenharam em defender Rousseff abertamente: “Do ponto de vista formal, não se pode dizer que o processo tenha desrespeitado a legalidade”, afirmou a ministra. “Pode-se questionar se há legitimidade, que é o que gera esse desconforto para muita gente”, pondera. “Depois que o Senado se posicionou, pareceu-nos que não havia outra saída a não ser o reconhecimento. O Brasil é o nosso principal parceiro. Precisamos de um Brasil forte, com instituições fortes. Se o Brasil emperra, é algo desesperador para nós. Desse modo, continuaremos a acompanhar de perto os acontecimentos”, conclui Malcorra. Quando questionada sobre a acusação de “golpe” feita por Rousseff, a chanceler se esquiva: “Por isso é que faço a distinção entre legalidade e legitimidade. Creio que ela se referia à legitimidade. Do ponto de vista formal, as instituições seguiram todas as formalidades”, explica.
O presidente interino do Brasil pode contar com o apoio da Argentina, embora Macri e Malcorra ainda mantenham alguma cautela diante da virulência crítica dos demais países da região. Macri não quer correr o risco de ficar isolado, embora compartilhe o receituário do novo Governo brasileiro na área econômica. Na Argentina, acredita-se que o tempo acabará por consolidar Temer, ainda que se considere que essa saída não seja necessariamente a ideal.
Seja como for, Brasil e Argentina tem motivos para se preocupar, lado a lado, com outra crise: a da Venezuela. A ruína econômica e a declaração de Estado de sítio feita no fim de semana por Nicolas Maduro dão dimensão da deterioração do clima no país, sócio de Buenos Aires e de Brasília no Mercosul. As autoridades eleitorais acirram ainda mais os ânimos ao rejeitar a possibilidade de convocar um referendo contra o sucessor de Hugo Chávez. Se o presidente venezuelano já era indiferente às críticas e chamados por moderação feitas pelo Brasil de Rousseff - mais nos bastidores do que públicos - agora nem esse constrangimento ele tem mais.
José Serra, novo chanceler brasileiro e com intenções eleitorais, dá guinada drástica de tom na política externa.
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