DIRECTOR:
Serôdio Towo | Segunda-Feira, 20 de Janeiro de 2014 | Edição nº: 63
| Ano: 02 | Tiragem: 7500 exemplares PREÇO 30,00 MT Dossiers Factos SAI ÀS
SEGUNDAS TIDO
COMO TRAIDOR DA PÁTRIA Edson
Macuácua e Alice Mabota em guerra Aniversário
de Guebuza em turbulência Pág. 09 Chissano pede perdão para Uria Simango2
SEGUNDA-FEIRA, 20 DE JANEIRO DE 2014
EDITORIAL
Crescimento exige mudanças e dinamismo!
Estamos no início das actividades do ano 2014 época
que traçamos como sendo de consolidação do nosso, vosso jornal Dossiers &
Factos.
A consolidação do jornal deve ou precisa de um
acompanhamento que passa necessariamente por um trabalho cada vez mais e melhor
visando fazer chegar ao nosso público leitor informação credível, de e com
qualidade necessária.
É dentro deste contexto que passado aproximadamente
um ano e três meses de existência, decidimos dar uma viragem naquilo que é a
imagem do jornal, procurando melhorar a qualidade gráfica.
Assim, procurámos uma nova empresa para as impressões
semanais do jornal para que o nosso produto final seja de uma qualidade
competitiva e dê prazer aos seus fazedores, assim como aos destinatários
últimos, no caso, os leitores.
Desde o lançamento do Dossiers & Factos em Setembro
de 2012, as nossas atenções estiveram viradas para a introdução do produto no
mercado nacional de comunicação social, consolidar a marca e conquistar espaço
devido no panorama dos mídia. Esta missão incluía claro, mostrar e habituar os
nossos leitores a linha editorial do nosso semanário.
Reconhecemos e sentimos com muita preocupação que os
nossos leitores em algum momento viram-se obrigados a forçar a vista para
enxergar as letras de alguns artigos nossos, assim como a fazer um exercício
mental para perceber algumas passagens, devido a má qualidade de impressão
gráfica.
Esta situação que aliás, veio a repetir-se na nossa
edição passada, para além de ferir os nossos estimados leitores, colaboradores
e clientes, também criava dissabores à própria equipa de trabalho.
Depois de despenderem as suas energias com vista a assegurar a produção
de um jornal de qualidade, os repórteres e a restante equipa deste jornal foram
brindados por uma impressão muito má.
Contudo, é da nossa responsabilidade endereçar aos estimados leitores,
colaboradores e clientes, um sincero pedido de desculpas pelo constrangimento.
A melhoria da qualidade de impressão do Dossiers & Factos para nós
revela-se como um dos desafios que nos propusemos a seguir, assim como
enfrentar ao longo do caminho que decidimos trilhar. Nesta empreitada não
damos lugar à ilusão, pois estamos bem cientes das dificuldades que nos esperam
derivadas, na sua maioria, da própria natureza do mercado.
Humildemente como sempre, continuamos a contar com a vossa contribuição.
Estamos abertos a críticas, análises e observações tal como o fizeram desde
princípio.
Porque não só precisamos de mudar a imagem do jornal através da
qualidade de impressão, este semanário conheceu também, certas alterações em
termos de paginação e distribuição da informação.
Num futuro próximo, novos temas serão incorporados neste jornal tudo
na perspetiva de oferecer ao estimado leitor mais informação e com cada vez
mais qualidade.
Esperamos que com o nosso trabalho melhorado estaremos a levar ao
público um jornal de qualidade e desta forma contribuir para a dura missão de
informar, formar e educar a sociedade. Esperamos que através deste nosso
esforço, contribuamos para o desenvolvimento são e harmonioso desta bela
Nação. A melhoria da qualidade gráfica do Dossiers & Factos significa um
verdadeiro crescimento, factor que exige de nós, mudanças e dinamismo.
FICHA TÉCNICA
PROPRIEDADE DA
S.T. PROJECTOS E
COMUNICAÇÃO, LDA
DIRECÇÃO: Serôdio Towo (Director-Geral)
Teófilo Américo (Departamento Comercial)
Registo N° 19/GABINFO-DEC/2012
REDACÇÃO, MAQUETIZAÇÃO E
ADMINISTRAÇÃO:
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(mudumela@yahoo.com.br) | Celular: 82 4753360 | REDACÇÃO: Serôdio Towo,
Bernardo Mbembele, Guilherme de Sá, Gabriel Muchanga e Cláudio Manhiça | FOTOGRAFIA:
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SEGUNDA-FEIRA, 20 DE
JANEIRO DE 2014
DESTAQUE
CHISSANO EM
ENTREVISTA AFIRMA:
“Não era só a Mondlane que
queriam matar”
Mas, ciente de que os homens, filhos
de Deus, cometem pecados muito graves, peço a Deus
que o perdoe e que a sua alma descanse em paz
Tal como o fizemos na nossa edição da semana passada, no âmbito da
publicação de dossiers que retratam acontecimentos que marcaram a história do
País, na presente edição trazemos depoimentos de Joaquim Alberto Chissano,
outra figura emblemática e incontornável desta odisseia que levou o país à
independência nacional do jugo colonial português. Chissano, é uma das pessoas
que trabalhou com Eduardo Mondlane, fundador da FRELIMO, até à sua morte a 3 de
Fevereiro de 1969. Foi secretário do então Presidente da FRELIMO e responsável
pela segurança, na altura da Luta de Libertação Nacional. Esta entrevista foi
extraída do livro “Memórias da Revolução 1962-1974”, uma colectânea de
entrevistas com diversas personalidades. De referir que, até finais do mês de
Fevereiro próximo, mês dos heróis moçambicanos, o Dossiers & Factos,
dedicará páginas de entrevistas a alguns heróis da pátria.
Nachingwea (N): Senhor Presidente, bem-vindo ao espaço
de memórias do jornal Nachingwea. Em primeiro lugar, gostaríamos de saber como
foi a sua infância.
Joaquim Chissano (JC): Nasci em Maleice, a 17 km da sede do
distrito de Chibuto, província de Gaza, onde o meu pai era professor na Missão
Católica local. Mais tarde ele foi à procura de melhores condições de trabalho
na vila de João Belo, actual cidade de Xai-Xai. Quando chegou a altura de eu ir
a escola, ele levou-me para lá. Fiz a escola primária numa escola oficial.
Quando ainda estava na primeira classe, ele foi transferido para o Posto
Administrativo de Chongoene, situado a 17 km de Xai-Xai, como intérprete. Deixou-nos
a mim e o meu irmão mais velho, ao cuidado de uma família amiga, que eram seus
compadres. Nessa época, eu passava as férias em Xai-Xai, Chongoene ou Maleice.
Numa dessas férias, em Chongoene, quando andava na 4ª classe, em 1950, o meu
pai mostrou-me um jornal onde se falava de um português de cor (negra) que
tinha ido a Portugal para fazer estudos superiores e que antes tinha sido
expulso da África do Sul, e que já estava nos EUA.
O meu pai deu-me o jornal para ler e
interpretar, e ficou comigo até a madrugada para que eu percebesse o valor
daquele homem negro.
N: Quem era esse homem que lhe tinha
impressionado bastante?
JC: Esse homem era não
mais, nem menos que Eduardo Mondlane. Portanto, comecei a ouvir o nome de
Eduardo Mondlane nessa idade dos 11 anos. Depois de terminar a escola primária,
vim para cá, ex-Lourenço Marques, para fazer o liceu.
Durante o tempo em que estive no
liceu, eu era o único negro e tive contacto com os outros estudantes negros que
andavam nos colégios privados e na Escola Técnica (comercial e industrial) e
alguns deles eram da Igreja Presbiteriana, que chamávamos Missão Suíça. Foi
nesse contexto que me integrei no Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos
de Moçambique (NESAM), de que tive conhecimento através de um tal Caifaz
Muzima, estudante do Colégio Pedro Nunes. No Núcleo, fiquei a saber que o seu
fundador tinha sido o tal homem negro, Eduardo Mondlane.
N: Em que momento começa a ouvir a
falar de Mondlane no processo de libertação?
JC: Enquanto eu estava
em Portugal a estudar, desencadeia-se a luta de libertação de Angola, a 4 de Fevereiro
de 1961. Nessa mesma altura, Eduardo Mondlane, então funcionário da ONU,
prepara-se para vir a Moçambique de visita.
Depois dessa visita, retornou aos
EUA e, a partir de lá, estabeleceu contacto indirecto connosco, através de
organizações religiosas da Suíça e da Franca, o que culminou com a sua
participação na organização da fuga dos estudantes das colónias portuguesas
para a França. Ele foi determinante para a saída de todos nós. Disseram-me que
inicialmente, aquela organização pretendia tirar apenas os estudantes do
grupo protestante. Mas Mondlane, claro do que pretendia, disse “não, está
errado, todos devem sair”. Foi assim que sai, não sendo protestante, consegui
sair com eles.
bSEGUNDA-FEIRA, 20 DE JANEIRO DE
2014 4
DESTAQUE
Mondlane foi desconfiado como
funcionário da CIA
N: Em Paris, o que é que ele vos
transmitiu? Falou-vos da preparação da luta armada?
JC: Em Paris, Mondlane
queria falar connosco todos, portanto, incluindo os de outras nacionalidades.
Mas houve os que não queriam ser contactados por ele, julgando que por ter uma
mulher branca americana, podia estar ao serviço da CIA, com o fim de espiar e
desviá-los do seu objectivo de aderir a luta. Portanto, quando ele chegou, uma
grande parte dos estudantes das outras colónias abandonou o lar onde nós estávamos.
Uma grande parte dos angolanos, por exemplo, excepto os protestantes, foram
para o Gana para se encontrarem com o MPLA. Contudo, nós os moçambicanos, não
saímos, porque queríamos estabelecer contacto com o nosso Movimento de
Libertação. Queríamos saber o que deveríamos fazer para participar na libertação
do nosso País. Já tínhamos conseguido o contacto com Marcelino dos Santos que
em resposta ao nosso pedido, veio a Paris donde partiu para Dar-es-salaam.
Embora a luta armada fosse uma possibilidade, Mondlane ainda pensava em
insistir nas outras formas de luta. Não foi por acaso que não quis que de
entre os Departamentos da FRELIMO, houvesse um Departamento de guerra ou um
Departamento que se chamasse militar. Ele quis, pelo contrário, que tivéssemos
um Departamento de Defesa e Segurança, pois não só iríamos a luta armada se
guerra nos fosse imposta pelo colonialismo, como aconteceu.
N: Que argumentos concretos trazia
Eduardo Mondlane?
JC: Trazia bolsas de
estudo para quem quisesse continuar a estudar, porque ele acreditava que tínhamos
que estar preparados para fazer uma luta eficaz e tomarmos a direcção do País
quando alcançássemos a independência. É assim que ele expõe a questão de
fundo, a necessidade da Unidade Nacional. Já havia alguns movimentos de
libertação, a UDENAMO, UNAMI, e a MANU. Foi daí que tomámos a decisão de que
nós, estudantes moçambicanos, no exterior, não devíamos aderir a um ou ao
outro movimento, mas antes devíamos tudo fazer para unificá-los. Tínhamos
tirado lições da divisão das forças libertadoras em Angola (MPLA e UPA), uma
divisão que se reflectia na divisão entre os estudantes que estavam connosco.
Eduardo Mondlane trazia o mesmo sentimento e encorajou-nos a seguir esse
caminho juntamente com ele. Decidimos que só haveríamos de aderir a uma frente
unida.
N: Como é que pensavam conseguir a
unidade?
JC: Na sequência desta
constatação, eu fui enviado pelos meus colegas a Dar-es-salaam para persuadir
os dois movimentos a unirem-se. Fui para lá nas férias da Páscoa de 1962.
Depois dessa missão em Dar-es-Salaam, fui encontrar-me com Mondlane nos EUA.
Mais tarde ele passou de novo por Paris, já a caminho de Dar-es-salaam. Foi
nessa ocasião que se criou a FRELIMO de uma maneira oficial, a 25 de Junho de
1962, já que tinha havido um anúncio prematuro da sua criação por parte dos
dirigentes da UDENAMO e da MANU, apenas para poderem ser admitidos numa
conferência Pan-Africana que ia realizar-se no Gana.
N: Depois da missão em Dar-es-salaam,
foi avistar-se com Mondlane nos EUA…
JC: Pois, fui ter com ele
nos EUA e retornei à França, de onde fui chamado a Dar-es-salaam, em meados de
Setembro de 1963, onde me encontrei com Eduardo Mondlane de novo. Ele recebeu-me
com uma reunião do Comité Central. Na sequência dessa reunião, ele incumbiu-me
a ser assistente na condução do Departamento de Educação de que ele era
Secretário e foi no exercício daquela função que entendi melhor a sua grande
preocupação em utilizar a Educação com uma das armas mais importantes na luta
pela independência nacional. Ele tinha em conta que tínhamos de participar na
luta diplomática e política, e que mesmo na luta armada, era preciso termos pessoas
com certa formação académica. E não foi por acaso que ele e sua esposa fizeram
contactos nos EUA para angariar fundos para a construção da primeira escola
secundária da FRELIMO.
N: Por quê o processo de união levou
muito tempo para se consolidar?
JC: Os Moçambicanos não
se conheciam, conheciam muito mal o seu próprio País, mas tinham um denominador
comum: o sentimento que tinham de serem oprimidos pelo mesmo colonialista.
Portanto, quando se falava de colonialista sabia-se quem era. Portanto, a
noção de Moçambique foi sendo introduzida a muitos moçambicanos pelo próprio
processo da luta de libertação. O processo de libertação não foi só com armas,
mas foi criar alguma lucidez nas pessoas, para começarem a ver claro…
Nós somos um caso ”suis generis”. Há
muitos países africanos que fizeram grandes esforços de unificação, alguns dos
quais trilharam caminhos semelhantes ao nosso, mas que não conseguiram a
unidade. Tais são os casos do Congo, Nigéria, e Quénia, Guiné- Bissau e Angola
onde houve guerras de grupos posicionados segundo motivações tribais.
N: Eduardo Mondlane morreu numa
altura em que havia acção das forças hostis no seio do movimento. De que
resultavam esses desentendimentos?
JC: Na verdade havia
infiltração, agitação e actividades psicológicas no seio do movimento,
desencadeadas por organizações portuguesas, muitas vezes não identificáveis.
Até pseudo- desertores apareciam lá com o objectivo de assassinar este ou
aquele dirigente, incluindo Samora Machel. Mas a sua pergunta, se entendi,
refere-se a uma altura em que estavam à procura de eliminar o Presidente
Mondlane. Ora, nessa altura, um grupo de moçambicanos reunia-se regularmente
em Mtwara discutindo as formas de eliminar Mondlane, incluindo a busca de
curandeiros numa ilha chamada Mafia, no Sul da Tanzânia, que pudessem arranjar
feitiços para o matar. Mas também criaram aquilo que eles designaram em
Swahili de “Kamati ya mabarabara” isto é, ” Comité das Ruas” para o vigiar a
fim de o assassinar. Isso levou-me, na qualidade de responsável pela segurança,
a tomar medidas para impedir que Mondlane andasse sozinho. Mas ele não temia
nada, e por isso, nem sempre cumpriu o meu conselho. É assim que no dia 3 de
Fevereiro, ele foi sozinho para o escritório, de onde partiu sozinho para o
local onde a bomba explodiu. Portanto, acreditei sempre que havia pessoas no
seio da FRELIMO que estavam a conspirar com a PIDE, porque esta queria que
Eduardo Mondlane fosse eliminado no seio do Partido. Não era só a eliminação do
Presidente que lhes interessava, mas sim a implosão dentro do Partido. Aquela
bomba alcançou Eduardo Mondlane, mas a ideia era alcançar todo o movimento.
Então terão feito de tudo para que a desgraça fosse deflagrada por moçambicanos,
entre os moçambicanos.
N: Como é que se dá o assassinato de
Eduardo Mondlane?
JC: Em 1969, numa Sexta-feira,
eu estive com Eduardo Mondlane num encontro com um cidadão polaco, numa praia
na Tanzânia. Esse polaco era mergulhador que apanhava conchas marinhas.
Queríamos que ele treinasse os nossos homens como mergulhadores para sabotarem
os navios que traziam armamento e munições de Portugal ou de Lourenço Marques,
ou ainda realizar acções na base militar lacustre de Metangula. Mas, na mesma
sexta-feira, tínhamos tido um encontro com o vice-presidente da Tanzânia,
Rashidi Kawawa, no qual decidimos que segunda-Feira, eu iria ter com ele antes
de ir encontrar-me com o Presidente Mondlane, lá onde acabaria por encontrar a
morte. Portanto, nessa segunda-feira, não passei pelo escritório, fui
directamente para onde ele se encontrava, para lhe entregar o correio que tinha
chegado. Acredite que, se estivesse ido ao escritório, teria sido eu a abrir o
correio. O que não sei é se o livro que continha a bomba mortífera me teria
sido entregue ou não. Portanto, entregaram-lhe o correio que estava na minha
mesa e esse livro armadilhado não estava ali. Segundo apuramento das investigações,
este livro bomba foi lhe entregue quando ele já estava no seu carro,
Volkswagen, prestes a arrancar para a casa da praia.
Depois da morte de Mondlane,
Chissano, ficou sob custódia policial
N: Como é que soube da morte.
Consta-nos que foi a primeira pessoa a saber do acontecimento?
JC: Quando cheguei ao escritório
da FRELIMO, recebi o telefonema da Bety King, uma americana que era funcionária
no Instituto Moçambicano, a perguntar-me onde estava o Eduardo. Respondi que
não sabia. Então ela perguntou, “ele teria estado na minha casa?”, e eu
respondi que sim. Disse-lhe inclusive que estava a preparar-me para ir para lá,
e que me tinham dito que já tinha passado pelo escritório e lhe tinham entregue
o correio que eu vinha buscar. É quando ela diz: ” estou a telefonar-te porque
alguém disse que ouviu uma grande explosão na minha casa, depois de terem visto
o carro daquele Doutor negro a ir para lá…”
Como estávamos sob alerta, por causa
daquela história dos “ Comités de Rua”, suspeitei que
bSEGUNDA-FEIRA, 20 DE JANEIRO DE
2014 5
tinha sido uma granada, que atiraram contra ele. Comecei a
avisar os outros enquanto seguia para lá para ver o que se tinha passado. Lá
encontrei o coronel Ali Mahfoud. Espreitámos por fora da casa com os vidros
estilhaçados. Vimos o corpo do Presidente dilacerado, dividido ao meio. Era
horrível e á primeira, não tive coragem de olhar para mais detalhes.
Depois de nós, chegou a polícia e,
mais tarde chegou Uria Simango. Foi nessa altura que, enquanto a Policia
percorria todos cantos, vi os detalhes que não quero descrever. Posso apenas
falar de pedaços de papel torcidos que a polícia foi apanhando de uma maneira
selectiva.
N: Que procedimentos foram tomados
de imediato, no quadro da investigação?
JC: A polícia recolheu o
corpo e todos os detalhes, e eu fui posto sob custódia com o fundamento de
que eu tinha sido o primeiro moçambicano a chegar ao local do crime. Mas, logo
depois, o responsável da polícia descobriu que eu era o elemento mais
importante para ajudar na investigação, porque era responsável da segurança da
FRELIMO. Aliás, eu devia integrar a equipa de investigação, concluíram eles.
N: Quais foram as primeiras pistas
que acharam?
JC: Fomos aos armazéns militares
da FRELIMO, em Dar-es-Salaam, que se encontravam no quartel tanzaniano, no
“Colito Baracks” na estrada de Morongo, ver se havia detonadores iguais àquele,
cujo invólucro rasgado pela explosão ainda mostrava inscrições bem visíveis.
Fomos ver nos armazéns da tropa tanzaniana e dos outros movimentos de libertação,
mas não achamos nada parecido. Fomos para Nachingwea, não encontramos nada
semelhante. Porém, no fim da investigação concluiu-se que era um detonador
comum na NATO e lançou-se o caso à Interpol que descobriu que a bateria
eléctrica tinha sido fabricada no Japão e pertencia a um lote de baterias importadas
para a cidade da Beira. Descobriu-se, igualmente, que a bomba tinha sido
fabricada na Beira, mas tudo tinha sido feito para parecer que ela vinha pelos
correios, razão pela qual o papel de embrulho ostentava um carimbo parecido
com os carimbos dos correios russos, com inscrições em língua russa. Chamei
atenção ao inspector da polícia sobre os detalhes das letras que me pareciam
imperfeitas, já que eu conheço o alfabeto russo e começaram a investigar este
aspecto. Confirmou-se na Embaixada Soviética que aquele carimbo era falso.
Não recordo se era papel de embrulho ou o fio usado para amarrar que não era
autêntico. Essa foi mais uma das minhas contribuições para a investigação,
para além dos itinerários percorridos, incluindo a região de Mtwara.
N: Com estes elementos, o que se pôde
concluir?
JC: Uma vez detectado isso, foi preciso
ver como é que uma bomba daquelas poderia ser construída. Aí, Ali Mahfoud foi
ter com aquele polaco, que também trabalhava com explosivos por baixo da água.
Depois de observar atentamente os pequenos pedaços distorcidos do livro de
Plekanov recolhidos pela polícia e depois de observar os outros livros iguais
enviados sem explosivos, desta feita pelos correios, creio que, para despistar,
ele disse que era fácil preparar uma bomba daquelas. Ele reconstituiu o livro,
que bastava abrir um pouco para acontecer a explosão. A partir das informações
de que o livro não estava junto com outro correio, que estava na mesa do
Gabinete do Presidente, que tinha chegado pelos CTT, foi descoberto que teria
vindo dum ponto perto do Lago Niassa até Mbeya, Tanzânia, e teria sido entregue
a alguém, que, por sua vez, o trouxe a Dar-es-salaam. Daí, terá sido entregue
a uma outra pessoa que o terá feito chegar ao Presidente.
Depois soubemos que o livro não fora
entregue a Mondlane dentro do escritório, mas sim, no carro. A polícia deduziu
que assim procederam, porque se tivesse sido entregue no escritório haveria o
risco de ele ser aberto na presença de outras pessoas, incluindo aquela pessoa
que fez a entrega, e morreriam todos.
DESTAQUE
b
Chissano pede perdão para Uria
Simango
N: Confirma-se que Simango esteve
envolvido no assassinato?
JC: Sabíamos que Uria Simango,
Silvério Nungo, Lázaro Kavandane e Gwenjere seriam partes deste ”complôt” para
assassinar Mondlane. Porém, não posso determinar ou saber o seu grau de
envolvimento neste assassinato em si. Tudo se baseia no itinerário do livro e
no grupo “Comités de Rua” ligado a Kavandane, que depois foge para Moçambique
para colaborar com a PIDE. Estas são as pessoas que a polícia tanzaniana não
conseguiu excluir. Muitas das passagens desta investigação, o senhor Sawaya,
Inspector-Geral da Policia de Investigação Criminal da Tanzânia, viria a
repeti-las em Moçambique sempre que eu me encontrasse com ele, durante o tempo
em que ele trabalhou cá para a Federação Luterana. O seu adjunto, o senhor
Manikam também me repetiu algumas passagens e as suas análises, quando o
encontrei em algumas ocasiões na Tanzânia.
N: Há informações que indicam que
houve uma reunião do Comité Central na qual Simango confessou o seu
envolvimento nesse crime…
JC: O que me recordo é
que numa reunião do Comité Central, em Nachingwea, Uria Simango confessou que
estava magoado pelo tratamento que Mondlane lhe dava. Admitiu que tinha ambição
de ser Presidente e justificou que ter ambição era normal para qualquer
pessoa. Revelou ainda que ele se sentia ameaçado nas vésperas do II Congresso
da FRELIMO, que foi boicotado pelo grupo de Kavandane e que se realizou na Província
do Niassa, em 1968. Não me lembro de o ter ouvido a confessar o seu
envolvimento directo no assassinato. Porém, depois desta reunião do Comité
Central, ele nunca mais aceitou participar nas reuniões do triunvirato (o
Conselho de Presidência de que Simango, Samora Machel e Marcelino dos Santos
faziam parte), do Bureau Politico ou do Comité Executivo.
N: Soube que a partir de Lourenço
Marques, Simango terá pedido aos sul-africanos para invadirem Moçambique, por
contestar os acordos de Lusaka?
JC: O que posso confirmar
é que tive informação de várias fontes sobre a presença de Uria Simango nas
reuniões daquele grupo que tomou a Rádio Moçambique, no dia 7 de Setembro de
1974, após a assinatura dos Acordos de Lusaka. Recentemente, chegou-me a chocante
informação de que Uria Simango e Paulo Gumane teriam participado na delegação
dos portugueses e moçambicanos que foram pedir a intervenção sul-africana para
impedir que a FRELIMO tomasse o poder. Com tal informação, ficou-me reforçada a
imagem de Uria Simango como um grande traidor. Até aqui, eu tinha-o como
traidor, primeiro porque, como vice-presidente da FRELIMO e, mais tarde,
coordenador do Triunvirato, empenhou-se na destruição da sua própria organização,
escrevendo nos jornais grandes artigos contra ela, ao mesmo tempo que rejeitava
o diálogo com os seus colegas da Direcção. Segundo, porque veio juntar-se aos
portugueses que combatiam a sua própria organização antes da assinatura dos
Acordos de Paz a ponto de caminhar com eles até à tomada da Rádio Moçambique,
numa tentativa de obstruir a proclamação da independência. Mas, ciente de que
os homens, filhos de Deus, cometem erros, digamos pecados muito graves, peço a
Deus que o perdoe e que a sua alma descanse em paz, porque creio que não há
pecado que não possa ser perdoado por Deus, quando o homem se arrepende, mesmo
quando os outros viventes não conheçam esse arrependimento perante o
Altíssimo.
Parte da Bibliografia de Joaquim
Chissano
Joaquim Chissano nasceu em Maleice,
distrito de Chibuto, na Província de Gaza, a 22 de Outubro de 1939, onde fez
parte dos estudos primários. Chissano foi primeiro negro a matricular-se no
Liceu Salazar (actual Escola Secundaria Josina Machel, em Maputo), em 1951,
onde fez os seus estudos secundários. Foi em Lourenço que integrou o Núcleo dos
Estudantes Secundários Africanos de Moçambique, do qual teve conhecimento
através de Caifaz Muzima, estudante do Colégio Pedro Nunes.
Em 1960, partiu para Portugal para
cursar medicina, mas abandonou este País, em 1961, devido à perseguição da
PIDE, tendo-se juntado à FRELIMO, em 1963. Enquanto estava em Portugal a
estudar, desencadeou-se a Luta de Libertação de Angola, acontecimento que
aumentou a sua consciência nacionalista. Na sequência da perseguição da PIDE,
Chissano refugia-se na França. Nas férias da Páscoa de 1962, recebe mandato de
jovens nacionalistas moçambicanos em Portugal para ir a Dar-es-salaam, para
persuadir os movimentos nacionalistas a unirem-se.
Saiu definitivamente da França para
Tanzânia, em meados de Setembro de 1963, onde se tornou assistente de Mondlane
na condução do Departamento de Educação de que ele era Secretário. Ele foi
Secretário de Eduardo Mondlane e responsável pelo Departamento de Segurança
da FRELIMO. Em 1974, com apenas 35 anos de idade, Joaquim Chissano tornou-se
Primeiro-Ministro do Governo de transição, depois da proclamação da
independência, foi nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros. Com a morte do
Presidente Samora Machel, em 1986, foi nomeado Presidente de Moçambique. Em
1994, na sequencia da vitória nas primeiras eleições gerais no País, Chissano
é investido ao cargo de Presidente da Republica, renovando o mandato em 1999,
depois de ter vencido as segundas eleições multipartidárias.
Joaquim Alberto Chissano deixou, a
seu pedido, a Presidência da Frelimo e do Estado moçambicano em 2004 e 2006,
respectivamente, invocando o facto de ter permanecido muito tempo na Direcção
destes. Com efeito, o Comité Central aceitou o pedido, designando-o, porém,
Presidente Honorário da FRELIMO. Desde que deixou a Presidência da República,
Joaquim Chissano tem se dedicado a actividades internacionais de gestão e
resolução de conflitos, em missões de paz da ONU, União Africana e SADC para o
restabelecimento da paz em zonas de conflitos.
Dedica-se também a diversas actividades ligadas ao desenvolvimento
social do País, através da Fundação Joaquim Chissano. Em 2006 recebeu o prémio
“ Mo Ibrahim”, pela sua excelente governação durante o tempo em que dirigiu a
Nação Moçambicana.
Isto aqui não é pedido de perdão.
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