Carta aberta ao camarada Alberto Joaquim Chipande
Camadara Chipande, com todo o respeito!
Não passa muito tempo que eu te elegi como a figura política mais serena e comedida de Moçambique. A tua longevidade nos órgãos colegiais de direcção da Frelimo faz de ti o homem com mais experiência na política doméstica moçambicana. Todas as decisões mais importantes sobre a vida dos moçambicanos foram tomadas com a contribuição do teu voto no sentido que se julgou mais apropriado. Eu até considero-te Presidente da Frelimo e da República de Moçambique por procuração, desde a morte de Samora Machel.
Todavia, camarada Chipande, nos últimos tempos tens feito pronunciamentos pouco recomendáveis numa sociedade que se quer defensora do Estado de Direito Democrático. Eu sei que esses pronunciamentos são só da tua cabeça, isto é, expressam o teu pensamento sobre o mundo que te rodeia. Mas devido ao facto de seres uma figura histórica incontornável da Frelimo e de Moçambique, as pessoas encaram esses teus pronunciamentos polémicos como se reflectissem a forma de pensar de todos os militantes e simpatizantes da Frelimo. Isso não é correcto. És citado a dizer, por exemplo, que «as riquezas de Moçambique são para aqueles que lutaram para libertar este país». Pode até ser que não tenhas dito exactamente assim, mas é assim que certas pessoas interpretam as tuas palavras.
Camarada Chipande, escrevo-te esta carta aberta para te dizer que eu distancio-me do teu pensamento no que às riquezas de Moçambique respeita. As riquezas de Moçambique são de todos os moçambicanos, sem qualquer tipo de discriminação. Os moçambicanos que estiveram envolvidos na luta de libertação nacional fizeram-no voluntariamente ou de consciência. Os libertadores desta terra não devem cobrar nada a ninguém, camarada Chipande. Tampouco se devem apoderar das riquezas desta terra só para si. Pensar e fazer isso, é contra senso; dizê-lo, é muito pior.
E o mais pior desses teus pronunciamentos, camarada Chipande, é que penalizam a Frelimo. A nossa juventude, sobretudo, fica muito enfurecida com a Frelimo quando uma figura da tua estatura, ligada a Frelimo, faz pronunciamentos como os que têm sido atribuídos a ti. As pessoas não conseguem distinguir entre a tua pessoa e a Frelimo. Para o povo moçambicano, quando tu falas é como se fosse a Frelimo a falar. Por isso, camarada Chipande, tens que apurar a tua forma de pensar, do que resultar que o teu discurso vai também ficar apurado. Sim, porque é difícil dizer o que não nos vai na alma. Dizemos ou fazemos coisas más, quando a nossa alma não está pura. Purifica a tua alma, camarada Chipande, mudando a tua forma de pensar sobre o teu papel como libertador. Lutaste por Moçambique, sim, mas não para te apoderares sozinho das riquezas desta terra, e sim para que todos os moçambicanos fossem homens e mulheres livres.
Estamos livres por isso, camarada Chipande; estamos livres porque tu lutaste pela nossa e tua liberdade. E te estamos eternamente gratos. Mas então deixa que sejamos nós, o povo, a reservar-te respeito especial e a fazer-te honras e oferendas, em reconhecimento do teu papel como combatente pela nossa e tua liberdade. Não é tu dizeres ao povo que, por teres lutado pela liberdade, tens o direito de comer primeiro até te fartares, e só depois o povo. Isso é tratar o povo como o leão trata as hienas e os abutres lá na selva. Quem faz isso não pode ser considerado combatente pela liberdade de um povo; quem faz isso combateu para substituir o colonialismo.
Só que o povo sabe que a luta da Frelimo não foi para substituir um colonialismo por outro colonialismo; o povo sabe que a luta da Frelimo foi para libertar a terra e os homens e mulheres desta mesma terra; o povo sabe que a luta da Frelimo foi para que todos nós, os moçambicanos de todas as etnias, de todas as tribos, de todas as cores de pele e partidárias, de todas as crenças religiosas, de toda condição social e física, de toda a orientação sexual, de todas as profissões, pudéssemos, enfim, ter oportunidade para usufruir das riquezas da nossa terra, cada um mediante o seu esforço, mas todos solidários uns com os outros, reciprocamente.
Enfim, camarada Chipande, por tudo o que eu disse nesta carta, quero pedir-te para que continues a ser aquele homem que, de consciência, voluntariamente, abraçou a causa da liberdade e justiça. Não insulta a inteligência do povo por que tiveste a iniciativa de lutar para que fosse livre da opressão. Peço-te, camarada Chipande, para que penses bem no motivo que te levou a participares na luta armada de libertação, quando estiveres a falar para nós, o povo de que fazes parte. Não te distancies de nós, porque não tens como ser nada sozinho, sem nós. Não sejas megalómano, camarada Chipande, para não destruíres a tua obra, para não destruíres a obra e a boa reputação da Frelimo!
Abraço.
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