22.03.2016
ANTÓNIO JOSÉ GOUVEIA
O ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho veio este fim de semana exigir um "esclarecimento tão transparente quanto possível" sobre a alegada interferência direta do primeiro-ministro nos negócios entre a empresária angolana Isabel dos Santos e o setor bancário, esquecendo-se rapidamente que, na sua legislatura, a interferência do Governo em vários bancos, através da recapitalização de alguns deles, permitiu a sua sobrevivência (e bem) porque estava em causa o sistema financeiro nacional.
E interferência por interferência, desde que os propósitos sejam defender o que é melhor para os portugueses, a diferença entre Passos e António Costa é assim tão significativa?
No seu Governo, Passos Coelho exigiu como troca da recapitalização dos bancos, sempre em tom de ameaça, a reanimação do crédito às empresas e às famílias. Nada mais louvável, perante a situação que o país vivia, mas que não deixa de ser uma interferência.
Em maio de 2013, o líder do PSD afirmava: "O Estado, que, de resto, suportou a recapitalização de alguns bancos privados, não deixará de ativamente, junto dessas instituições, garantir que tudo o que elas podem fazer para reanimar o crédito à economia seja feito".
A acusação de Passos Coelho a António Costa e, indiretamente, ao recém-presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tem tons de intensidade. Como quando, no futebol, um árbitro julga a "intensidade" de um empurrão de um jogador a outro na grande área e marca penálti ou não.
Para o líder do PSD, o perigo de a maioria da Banca nacional ser dominada por acionistas oriundos de um único país, seja Espanha ou outro, não fere a economia nacional e não é motivo de preocupação.
Em termos de interferência do Governo na Banca, o que será mais legítimo ou "intenso"? A ajuda estatal aos bancos protagonizada por si ou as conversações de António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa com os acionistas privados dos bancos? O primeiro evitou o colapso dos bancos em Portugal e os segundos tentam equilibrar os poderes do sistema financeiro na economia.
Os convites de Passos Coelho aos empresários internacionais para investirem em Portugal foram uma constante da sua legislatura. Na altura, não interessava a nacionalidade do capital, fosse chinês, angolano ou espanhol. Não é isso que António Costa está a fazer?
Um país não pode funcionar sem um sistema financeiro sólido. Esta é uma verdade assumida pelos partidos do chamado "centrão".
É verdade que Passos Coelho sempre colocou o ónus político da recapitalização e a da resolução do antigo Banco Espírito Santo no supervisor financeiro liderado por Carlos Costa. E o resultado está à vista. Mas se o seu Governo foi assim tão independente dos negócios privados, foi também aquele que mais negociou com eles. Uns empurrados pela troika e outros para além da troika, numa fúria liberalizadora.
*EDITOR-EXECUTIVO
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