terça-feira, 1 de março de 2016

Entrevista de Emmanuel Cortês a Joseph Hanlon sobre a instabilidade político-militar em Moçambique

A instabilidade politico-militar entre o Governo moçambicano e a RENAMO tem atingido contornos alarmantes, até mesmo fora do quadrante do territórito moçambicano. Numa entrevista concedida através da plataforma e-mail, em língua inglesa, o analista de longa data da política moçambicana, Joseph Hanlon, respondeu às questões efectuadas por Emmanuel Cortês, estudante moçambicano actualmente a frequentar o curso de Mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação, na vertente Media e Jornalismo, no ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa. Foram feitas no total dez questões ao académico que lecciona na Open University. Por questões de tempo, o jornalista e estudioso de Desenvolvimento só podia responder a oito. No entanto, muito esclarecedoras foram as respostas dadas por Hanlon sobre a situação vigente no campo político moçambicano.
Emmanuel Cortês: Antes de mais quero agradecer a disponibilidade do Dr. Joseph Hanlon em responder estas questões relativas à recente tensão político-militar entre o Governo e a RENAMO. Mas na sua opinião o que está por detrás deste conflito armado em Moçambique?
Joseph Hanlon: Os acordos de paz de Roma foram assinados quando ninguém sabia que Moçambique tinha recursos minerais. Dhlakama e seus generais querem uma fatia. Além disso, Dhlakama sempre quis algum poder político – em particular o poder de nomear governadores ou outras figuras. O primeiro destes é possível, talvez, a um custo de $ 300 milhões. O segundo não é, por duas razões. Em primeiro lugar, nenhum país permite que os líderes da oposição façam grandes indicações. Segundo, porque Dhlakama tem medo de qualquer adversário possível de ganhar destaque (Raul Domingo, Daviz Simango, etc), e sendo assim, ele só queria nomear pessoas fracas que ele poderia controlar; não há evidências de que iria nomear pessoas de uma qualidade que eles poderiam ser um governador.

EC: Numa newsletter publicada a 23 de Outubro de 2013, Dr. Joseph Hanlon afirma que Afonso Dhlakama fracassou em converter a RENAMO num partido político efectivo. Mas também afirma que dando dinheiro a Dhlakama, o mesmo poderia cessar suas ameaças belicistas. Isto seria uma solução?
JH: Essa questão já foi respondida acima.

Antes das eleições presidenciais de 2014, Dhlakama afirmou que reconheceria os resultados, quaisquer que fossem. Mas após o apuramentode votos, ele recuou e não reconheceu, exigindo a criação de “regiões autónomas”, onde a havia recebido mais votos. Mas em 1999, Joaquim Chissano, tal como Hanlon escreveu em alguns materiais documentados, deu a oportunidade de Dhlakama de nomear governadores provenientes da RENAMO. Porquê dessa mudança por parte de Dhlakama, na sua opinião?
JH: Relacione com as respostas acima. Em 1999 a proposta era mais complicada. Em 3 províncias Dhlakama iria oferecer três indicações e Chissano pegar 1, e em 3 o oposto. Dhlakama exigiu o direito de nomear os governadores de todos os 6. Se ele aceitou a proposta complexa, que teria mudado a política moçambicana, porque não teria sido 3 governadores da Renamo. Mas ele não iria negociar – disse que queria nomear todos 6 ou não houve acordo – e ele não tem nada – não há governadores da Renamo. Foi um ponto de viragem, porque depois que a Renamo estava sempre do lado de fora. Esta mesma exigência não será aceite desta vez. É importante referir outro ponto aqui, que tem importância mais geral. Para as eleições de 2014 Dhlakama foi dado todas as mudanças que ele pediu, mas ele era totalmente incapaz de implementá-las. As pessoas que ele nomeou para comissões eleitorais e Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) só queriam o dinheiro e não fez nada para proteger os interesses da Renamo. Ele ganhou tudo o que ele pediu em administração de eleição, mas ainda afirma que a eleição foi roubada. Sabemos que houve alguma má conduta, que ocorreu enquanto a Renamo foi supostamente assistindo.

O Professor Catedrático, Gilles Cistac, afirmava na comunicação social que a proposta da RENAMO era válida, bastando para tal que houvesse uma mudança constitucional. No entanto, ele viria a ser assasinado, num crime que nunca foi desvendado. Acha que este assassinato foi politicamente motivado pelo regime moçambicano?
JH: Não faço ideia.

Em Dezembro de 2015, Carlos Jeque, um ex-apoiante da FRELIMO que se juntou depois a RENAMO, foi baleado nas pernas, sendo que no mês de Janeiro do presente ano, o secretário-geral da RENAMO, Manuel Bissopo, sofreu um atentado,no qual seu guarda-costas faleceu. O que tem a dizer sore estes atentados a que vitimaram estes elementos da RENAMO?
JH: Não faço ideia se estão vinculados.

O cientista político norte-americano, Kenneth Greene, escreveu num dos seus livros intitulado “Why Dominant Parties Lose: Mexico Democratization in Comparative Perspective” que o radicalismo das elites da oposição aumenta com a assimetria de recursos destes com o partido dominante, bem como quando a oposição sofre repressão. Acha que esse foi o motivo pelo qual a RENAMO reiniciou o conflito armado?
JH: O partido Frelimo tem feito um trabalho melhor do que o Partido Revolucionário Institucional do México (PRI) de manter as elites da oposição de lado. A demanda da Renamo é para que alguns dos seus militantes se tornem parte da nova elite.

Numa entrevista publicada na revista VISÃO, o arcebispo emérito da Beira, Dom Jaime Gonçalves, acusou a FRELIMO de tentar executar o líder da RENAMO, chegando mesmo a dizer que o estadista moçambicano, Filipe Nyusi, foi à Angola para aprender como o regime de José Eduardo dos Santos executou o líder da UNITA, Jonas Savimbi. Acredita que isto constitua verdade?
JH: Não faço ideia.

O Movimento Democrático de Mocambique (MDM) propõe que os governadores provinciais sejam eleitos por sufrágio. Acredita que esta solução seja viável?
JH: Sim, mas Dhlakama não vai aceitar isso. Ele insiste no direito de nomear 6 governadores, e não está aceitando que deve ser eleito (pelo menos no curto prazo -. Veja os detalhes da proposta de Dhlakama). Mas agora não tenho mais tempo para responder as suas questões.

Quem é Joseph Hanlon?
Joseph Hanlon nasceu em 1941, e é um cientista social e professor titular de Política de Desenvolvimento e Prática na Universidade Aberta, Milton Keynes, Reino Unido. Nascido nos Estados Unidos da América, ele se mudou para a Grã-Bretanha em 1971. Suas áreas de interesse são Moçambique; ajuda e desenvolvimento internacional; e o curso e resolução de guerras civis. Ele residiu em Moçambique por períodos consideráveis e é uma das pessoas mais experientes no mundo de língua Inglesa sobre os assuntos correntes em Moçambique e história do país ao longo das últimas décadas. Hanlon tem um grau de bacharel de Massachusetts Institute of Technology, e um Ph.D. em física de alta energia da Universidade Tufts.
Antes de passar para Moçambique e especializar-se nos problemas dos países em desenvolvimento, ele era um editor do Computerworld e tecnologia editor de política de New Scientist. Hanlon tem escrito sobre Moçambique desde 1978, tornando-se no cientista social mais citado nos trabalhos académicos feitos sobre o país. Ele tem sido o editor do Boletim do Processo Político Moçambique desde 1992, e publica regularmente um Boletim Informativo “Newsletter” sobre questões vigentes na vida política e social de Moçambique (para tal, bastando apenas submeter o pedido em http://www3.open.ac.uk/forms/subscribe-Mozambique-English/).
Entre alguns livros proeminentes da autoria deste acádemico, constam “Paz sem Benefício: Como o FMI Bloqueia a Reconstrução de Moçambique”, “Há mais bicicletas – mas há desenvolvimento?” e “Galinhas e cerveja: Uma receita para Moçambique”

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