23Quarta-feiraMar 2016
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As atenções, digamos, voluptuosas que os machos dedicam às fêmeas costumam ser onmipresentes no reino animal, mas podem se tornar nocivas em certas ocasiões, como quando a fêmea tenta cuidar da sua prole. Será impossível que o pai se concentre nos seus deveres? De forma alguma. A fêmea do besouro-carniceiro da espécie Nicrophorus vespilloides encontrou uma solução contundente: emite um feromônio antilibido, que abaixa o facho do macho e o deixa mais interessado em ser bom pai do que em copular. Nada semelhante ocorre em outras espécies, certo?
O Nicrophorus vespilloides, um besouro-carniceiro, ou necróforo (transportador de mortos, literalmente), chamou a atenção dos entomólogos por ser uma das raras espécies que exibem um cuidado biparental à prole: o macho ajuda a fêmea a alimentar os filhotes recém-nascidos, em lugar de aproveitar a feliz ocasião para encher a cara de carniça e voltar tarde da noite para a alcova conjugal, fedendo a presunto.
Sandra Steiger e seus colegas da Universidade de Ulm (a cidade alemã onde Einstein nasceu) recolheram 400 espécimes de Nicrophorus vespilloides – osobrenome da espécie alude à coloração semelhante à das vespas – e analisaram os seus padrões de acasalamento, seus perfis hormonais e sua produção de ovos.
Observaram então que, no período em que as crias precisam de cuidados, as fêmeas passam por uma fase infértil, induzida pelo chamado hormônio juvenil III, e que outro hormônio muito semelhante, o metil-geranato, informa ao pai das criaturas que durante esse período qualquer tentativa de copular será em vão. O metil-geranato funciona como um autêntico feromônio antiafrodisíaco, porque o macho não faz praticamente nenhuma tentativa durante esse período. “Afinal de contas, para quê?”, dirá ele com máscula resignação. Steiger e seus colegas apresentam os resultados na revista Nature Communications.
“A infertilidade feminina e a abstinência sexual masculina possibilitam que os recursos parentais sejam investidos de comum acordo na prole em desenvolvimento”, explica Steiger. “Nosso trabalho contribui para um entendimento mais profundo dos mecanismos subjacentes às decisões parentais adaptativas.” Decisões parentais adaptativas?, perguntará o necróforo empapado de feromônios antilibido. Mas é esse tipo de prosa forense que os estudiosos do comportamento animal empregam: um eufemismo atrás do outro, e nada de carne.
Por Javier Sampedro, El Pais
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