O censo aéreo sobre a população de elefantes levado a cabo em 2014, e que só agora nos chegou às mãos, indica que a população de elefantes no país reduziu de cerca de 20 mil para escassos 10.438 em apenas cinco anos.
Bandos de criminosos bastante organizados são apontados como os causadores desta tragédia ambiental, mas o Estado moçambicano também é visto, a nível internacional, como quem pouco faz para combater a caça furtiva no país.
A Administração Nacional de Áreas de Conservação (ANAC), do Ministério da Cultura e Turismo, o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e a Fundação Joaquim Chissano (FJC) decidiram se unir para dirigir as celebrações do Dia Internacional da Fauna Bravia que se assinala na próxima quinta-feira, 03 de Março, sob o lema “o futuro dos elefantes e rinocerontes está em nossas mãos”.
Participam nas cerimónias comemorativas as comunidades locais, organizações da sociedade civil, sector privado, alunos de diferentes escolas, estudantes universitários, representações diplomáticas, diversas organizações públicas e não-governamentais.
Em Maputo, as cerimónias centrais de comemoração do Dia Mundial da Fauna Bravia terão lugar na Escola Primária 12 de Outubro, bairro Nkobe-Machava, Município da Matola, sendo que nas províncias, as representações da ANAC em parceria com o WWF e outros actores, também irão organizar actividades para a celebração do Dia Internacional da Fauna Bravia
Trata-se de uma celebração que vai decorrer numa altura em que o país não goza de um bom nome na arena internacional por ser tido como epicentro da caça furtiva e importante ponto de trânsito de marfim e cornos de rinoceronte com destino ao mercado.
O Ministério da Cultura e Turismo emitiu um comunicado onde afirma que como forma de reverter este cenário, as forças, nomeadamente a fiscalização da ANAC e a Polícia de Protecção dos Recursos Naturais e Meio Ambiente tem feito operações de sucesso, estando a fazer operações para a neutralização de vários caçadores furtivos em diversas áreas de conservação.
Mais adiante sublinha que “o nosso compromisso com a conservação da biodiversidade é sério, pelo que o governo de Moçambique com os seus parceiros de cooperação, continuará a actuar no sentido de desencorajar a caça furtiva, e punir aqueles que insistirem em destruir a nossa riqueza”.
Entretanto, este empenho abnegado parece não ecoar além-fronteiras pois, na última Conferência da sobre a protecção de Espécies em vias de extinção (CITES COP16) realizada recentemente, o nosso país foi colocado na lista dos países que menos intervém no combate a crise da caça furtiva de elefante e rinoceronte.
Aliás, a nossa reportagem apurou que o país não alcançou os objectivos de alto nível estabelecidos na estratégia e no Plano de Acção de Conservação e Gestão do Elefante em Moçambique para o período 2010-2015.
É que, Moçambique, que possuía populações de rinocerontes pretos e brancos até aos anos 70 em quase todo o território nacional, já não possui nenhum, com algumas excepções pontuais ao longo da fronteira com o Parque Nacional do Kruger na África do Sul.
“Pode-se, hoje, afirmar que a caça furtiva levou as populações de rinoceronte branco e rinoceronte preto em Moçambique à extinção”, refere um relatório disponível no Ministério da Cultura e Turismo, a que a nossa Reportagem teve acesso.
Para se ter uma ideia aproximada da gravidade da situação, várias entidades internacionais referem que a forma como as operações de caça furtiva do rinoceronte ocorrem, leva a crer a existência de sindicatos bem organizados e estruturados, envolvendo valores monetários bastante elevados, facilitando a corrupção e aliciando os jovens desempregados das regiões próximas das áreas de conservação a se envolverem em práticas e redes criminosas.
Também se aponta que o número de armas apreendidas pelo Parque Nacional do Limpopo em caça furtiva tem estado a aumentar, e o facto de muitas destas armas terem ligações com instituições de segurança e protecção realça a gravidade da situação.
A título de exemplo, uma das armas da Polícia da República de Moçambique, em Massingir, e, Gaza, foi apanhada três vezes consecutivas em actividades de caça furtiva no Parque Nacional do Limpopo, apurou a nossa Reportagem junto de fontes desta área de protecção total de flora e fauna.
Outra evidência da complexidade da situação pode ser observada em artigos noticiosos publicados em vários órgãos de informação nacionais e estrangeiros que revelaram que no início de 2014 toda a Unidade Policial de Massingir foi mudada como resultado do seu envolvimento em actividades de caça furtiva. A conivência na caça furtiva contamina também o próprio pessoal do Parque Nacional do Limpopo, e recentemente foram despedidos alguns fiscais e oficiais séniores por envolvimento neste tipo de actividades ilícitas.
EXTERMÍNIO DE ELEFANTES
O censo aéreo de 2014 sobre a situação e tendência da população de elefantes em Moçambique dá um violento soco na boca do estômago de todos os amantes da natureza, porque aponta com clareza que dos 20 mil elefantes que o país possuía há cinco anos, só restam 10438. A este ritmo, em mais alguns anos não sobrará nenhum para amostra, caso a atitude perante o caça furtiva prevaleça o mesmo.
O censo em alusão refere que na zona sul do país, sobra alguma concentração de elefantes na Reserva Especial de Maputo, onde esta população tende até a crescer, ao contrário do resto do país, e em profundo contraponto com a Reserva Nacional do Niassa, Parque Nacional das Quirimbas e redonzedas, onde houve perdas bastante acentuadas.
Aliás, o declínio registado na Reserva do Niassa e nas Quirimbas é de menos 9327 elefantes, equivalentes a 60 por cento das perdas da população de elefantes registadas nos últimos quatro anos. “Isto traduz um nível de perda anual de cerca de 3.109 animais, ou seja, 8 a10 elefantes ilegalmente abatidos todos os dias desde 2011”, refere o censo.
A situação do elefante no nosso país se tornou tão grave que estudos recentes demonstram que 95 por cento de todas as perdas em Moçambique ocorreram no norte do país e que só 10 por cento da população deste animal pode, neste momento, ser considerada segura, estável e em crescimento.
Segundo as mesmas fontes, os elefantes felizardos em termos de segurança encontra-se na Reserva Especial de Maputo, na Reserva de Gilé, na Reserva Especial de Marromeu e no Parque Nacional de Gorongosa mas, destes quatro locais, três têm demonstrado uma estabilidade notável nas populações ao longo dos últimos 10 anos ou mais. Trata-se da Reserva de Gilé, Reserva Especial de Maputo e Reserva Especial de Marromeu.
Também se torna perturbador perceber que aquando da realização do censo aéreo de 2014 não foram observados elefantes vivos nas áreas a norte de Cahora Bassa, na província de Tete, quando esta zona, em 2003, possuía elefantes.
Mesmo assim, os biólogos e especialistas em conservação de fauna afirmam que apesar das perdas enormes no norte de Moçambique, a área ainda contém 60 por cento de toda a população de elefantes de Moçambique estimada em 6.128 animais, o que justifica a importância subjacente destas manadas em termos de protecção nacional da espécie.
Entretanto, ressalva-se que 90 por cento da população actual de elefantes que resta no país encontra-se exposta a taxas de mortalidade acima do normal e com fortes indicações de rápido declínio ao longo dos últimos 5 anos. “Das observações efectuadas no Parque Nacional das Quirimbas e na Reserva Nacional de Niassa cerca de 40 por cento eram carcaças”.
AMEAÇA Á SEGURANÇA NACIONAL
É forte a convicção de que a caça furtiva que incide sobre elefantes e rinocerontes está a ser desencadeada por grupos extremamente organizados, com meios humanos e materiais vistosos que colocam a Reserva do Niassa e do Limpopo numa situação de emergência, pois os malfeitores actuam por ali de forma livre, tendo em conta a extensão da área.
“A ameaça, a partir do estabelecimento e operacionalização de tais redes criminosas, chega a alcançar outras esferas, tornando-se assim uma ameaça à segurança nacional e regional bastante séria. A preocupação é agravada pelo facto de Niassa e Limpopo, onde há problemas de segurança, integrar também elementos transfronteiriços”, refere fonte a que tivemos acesso.
As soluções passam, por exemplo, pela necessidade de estabelecimento de redes de inteligência, operações de neutralização, reforço da legislação, do sistema judiciário para crimes contra a flora e fauna, assim como do fortalecimento da segurança transfronteiriça nas zonas onde há recursos naturais estratégicos. “As consequências nas pessoas envolvidas no abate ilegal e no comércio de marfim têm que ser severas e reforçadas”, apuramos.
Aliás, aponta-se ainda que as redes criminosas estão baseadas na cidade de Dar-es-Salaam, na Tanzânia, pelo que se impõe uma maior colaboração entre as autoridades da Lei e Ordem de ambos os países, partilha de inteligência e eliminação do problema pela raiz. Para o caso do Parque Nacional do Limpopo, as redes criminosas tem as suas bases nas cidade de Maputo e Xai-Xai, pelo que o empenho deve ser interno.
Ainda em relação à província de Niassa, que é depositária de 60 por cento da população nacional de elefantes que vive sob permanente ameaça, apuramos que tem sido recomendada uma intervenção de emergência e uma gestão substancialmente incrementada e reforçada. “Parar com as matanças dos elefantes na Reserva Nacional do Niassa tem de continuar a ser a maior prioridade de todas as medidas”.
Também se defendem medidas urgentes e uma formação direccionada para os agentes da Lei e Ordem que controlam as fronteiras de modo a aumentar a sua eficácia, reforçando assim a capacidade de reunir dados de inteligência e de lidar com o marfim ilegalmente transaccionado.
“Será essencial o recurso a uma campanha nacional de disseminação de informação e de formação em relação à protecção de elefantes e rinocerontes e à sensibilização sobre o comércio ilegal de marfim, de modo a estancar a sua compra e venda local”, referem as nossas fontes.
Jorge Rungo
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