OPINIÃO
Os socialistas continuam a agir como se se considerassem donos naturais do regime.
Em Março de 2001, o bastonário da Ordem dos Advogados, António Pires de Lima (pai do ex-ministro da Economia), criticou de forma violenta o governo socialista e a sua política de justiça, então sob o comando do ministro António Costa. Dias depois, num encontro de militantes e autarcas socialistas, um possante Jorge Coelho cunhava uma expressão que ficou para a História da política portuguesa: “Quem se meter com o PS leva!”
Se recordarmos que naquela época também José Sócrates era ministro do governo de António Guterres, temos de concluir que toda uma geração de políticos socialistas levou muito a sério as palavras de Coelho, num exercício progressivamente trauliteiro que atingiu o seu apogeu no reinado do “animal feroz”. Augusto Santos Silva resumi-lo-ia de modo exemplar em 2009: “eu cá gosto é de malhar na direita”. Claro está que depois da tragédia de 2011 uma pessoa ponderada acharia que os socialistas iriam repensar o estilo e cortar na arrogância. Erro nosso. Não por acaso, António Costa sempre se recusou a seguir os passos de António José Seguro na tentativa de se afastar do legado do seu antecessor. Costa também gosta de malhar.
E assim, os tiques arrogantes perpetuam-se e os socialistas continuam a agir como se se considerassem donos naturais do regime, assumindo o desejo de tomar o Estado de assalto com espantoso despudor. Os resultados das últimas eleições colocaram o PS numa posição de fragilidade política, mas nem isso levou o governo de António Costa a ser mais prudente na sua acção. O governo passou a regoverno com um entusiasmo extraordinário, demoliu o esforço de ajustamento de quatro anos, e agora começa a atirar-se impiedosamente a todos aqueles que não prestam vassalagem ao novo poder socialista. Isto não vos faz lembrar nada?
Vejo, por isso, com surpresa todos aqueles que – como Nicolau Santos, Raul Vaz ou, neste mesmo jornal, Pedro Sousa Carvalho – defenderam que António Costa tem toda a razão nas críticas que fez a Carlos Costa e que a este só lhe resta demitir-se. A lista de críticas que podem ser feitas a Carlos Costa desde que subiu à liderança do Banco de Portugal em 2010 (nomeado por um governo PS, convém recordar) é com certeza maior do que a minha lista mensal de supermercado. Só que não é isso que está em causa. O que está em causa é a preservação da independência do Banco de Portugal em relação ao poder político, um valor que é muito superior ao nível de competência do seu actual governador. António Costa não pode dizer o que disse em público. Os governadores passam mas as instituições ficam – e é por isso que nunca se viu, a não ser em países sob o domínio de extremas-esquerdas ou de extremas-direitas, estes ataques descabelados a um banco central.
Pior: isto não é um acaso, mas um estilo. Há dias João Soares teve uma atitude semelhante em relação ao presidente do CCB, aconselhando António Lamas a tirar “as devidas consequências” após o anúncio da extinção do plano Belém-Ajuda. Esta forma de pôr os patins em público a quem discorda do PS é um estilo que vem de longe – é, a bem dizer, uma variação do “ó sr. guarda, desapareça!”, popularizado pelo papá Soares em 1993. Que ele volte a ser praticado à frente do nosso nariz após seis anos de socratismo, e que já haja tanta gente a encolher os ombros como se fosse coisa normal, mostra bem as dificuldades que temos em aprender com o passado, e a razão por que estamos condenados a repetir sempre os mesmos erros no presente.
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