29.02.2016 às 11h08
JOHN MOORE
Media norte-americanos estão a desenterrar cada vez mais factos desagradáveis sobre o passado do candidato à nomeação republicana. Mas até isso pode não servir de nada face à composição e abrangência do eleitorado que o apoia na corrida à Casa Branca
Na semana passada, o "Huffington Post" publicou um artigo sobre os "falhanços do Partido Republicano" em desenterrar "podres" de Donald Trump antes do início oficial da corrida à nomeação do partido. Nesse artigo, o jornal americano referia que "não sendo um segredo que as campanhas dos rivais foram apanhadas de surpresa pela subida meteórica de Donald Trump na corrida republicana", é "alarmante" que continuem a ver-se à nora para impedir que seja ele o nomeado do partido para disputar as presidenciais de novembro.
O trabalho que o partido conservador não fez encabeça agora a lista de conteúdos dos media norte-americanos, perante a cada vez mais real possibilidade de ser Trump o vencedor da corrida republicana. Este fim de semana, em vésperas da importante Superterça-feira que, segundo as mais recentes sondagens, irá cimentar a liderança do incendiário magnata, não faltaram notícias potencialmente embaraçosas sobre o passado do candidato e da sua família.
Primeiro, o pré-candidato republicano foi levado ao engano pelo Gawker, que o pôs a citar Benito Mussolini no Twitter. Isso não melindrou Trump, que veio a público defender a ação. "Eu sei quem disse aquilo. Mas que diferença faz se foi Mussolini ou outra pessoa? É uma citação interessante. Provavelmente, por isso é que eu tenho no Facebook e no Twitter 14 milhões de pessoas a seguir-me. É uma citação interessante e as pessoas podem falar dela."
UM AVÔ DENTRO DE UM CAVALO DE TRÓIA
Recentemente, Donald Trump voltou a criticar a política de "portas abertas" da chanceler alemã Angela Merkel, dizendo que não quer "imigrantes da Síria", que parecem que "pertencem a equipas de wrestling", a entrar nos EUA da mesma forma que estão a entrar na União Europeia. Na sua visão, estes refugiados servem de "cavalo de Tróia", infiltrando-se nos países ocidentais para levarem a cabo a jihad islâmica.
O interessante dessas declarações, avançou o "Raw Story" na passada sexta-feira, é que foi exatamente a expressão "cavalo de Tróia" que foi usada por muitos conservadores durante a I Guerra Mundial para classificar os alegados planos de imigrantes alemães chegados aos Estados Unidos anos antes. O avô do atual candidato republicano, Friedrich Trump, foi um de entre os 1,8 milhões de alemães que atravessaram o Atlântico entre os anos 1880 e 1890.
Quando regressou à Alemanha com a pequena fortuna acumulada nos EUA, foi acusado de "emigração ilegal", de fuga aos impostos e de não cumprir o serviço militar obrigatório. Friedrich Trump acabaria por voltar para os Estados Unidos, onde foi acusado de proxenetismo — numa altura em que era forte a propaganda contra imigrantes alemães, considerados inimigos e o tal "cavalo de Tróia" da Alemanha para conquistar o país.
TAL PAI, TAL FILHO
Este domingo, três pessoas foram esfaqueadas na Califórnia durante uma marcha do revigorado Ku Klux Klan (KKK). Cinco membros do grupo de extrema-direita foram detidos e outras sete pessoas continuam igualmente sob detenção por espancarem membros da milícia, avançou o sargento Daron Wyatt à Associated Press.
O caso ganha importância redobrada considerando que, na manhã de domingo, horas antes de o grupo que apoia declaradamente a candidatura de Trump ter atuado, o pré-candidato republicano recusou por três vezes condenar esse grupo em entrevista à CNN.
"Eu não sei nada sobre esse David Duke, ok? Eu nem sequer sei nada sobre isso de que fala, da supremacia branca", declarou quando confrontado pelo jornalista do canal sobre as suas ligações ao antigo líder do KKK, que na passada quarta-feira pediu aos ouvintes do seu programa de rádio que se mobilizem em torno do candidato republicano. "Ele que faça o que ele acha que é necessário para se tornar Presidente dos EUA", respondeu Duke, citado pelo "The Daily Beast".
Entre as críticas e o horror expressado pelos rivais de Trump, pela barricada democrata e por milhares de utilizadores das redes sociais, os media desenterraram uma notícia de setembro do ano passado, em que o site "Boing Boing" apresenta documentos que provam que também o pai do líder da corrida republicana manteve ligações ao famigerado KKK.
De acordo com esse artigo, em 1927 Fred Trump integrou um grupo de mil pessoas que entraram numa batalha campal com 100 agentes da polícia, em Queens, Nova Iorque, durante uma manifestação racista do grupo. Refere o site "Death and Taxes"que, embora haja a possibilidade de o Fred Trump citado na lista de sete pessoas detidas nesse evento seja outra pessoa, outros documentos parecem comprovar que se tratou mesmo do pai de Donald Trump. Da mesma forma que a possibilidade de Fred Trump ter apenas estado no sítio errado à hora errada perde força considerando que foi representado em tribunal pelo mesmo advogado de defesa dos membros do Ku Klux Klan.
MAIS ESCÂNDALO, MENOS ESCÂNDALO
Em circunstâncias normais, o acumular de escândalos em torno de Donald Trump seria suficiente para acabar com as suas possibilidades de garantir a nomeação republicana e disputar as presidenciais com o rival democrata. Mas se algo já ficou provado neste ano de eleições norte-americanas, é que nada é como costumava ser.
Ao contrário do que tem acontecido, foi e continua a ser difícil prever quantos eleitores optam por votar em Trump nas primárias e caucus republicanos que começaram no estado do Iowa a 1 de fevereiro e que vão continuar em marcha até à Convenção Nacional Republicana em julho — de onde sairá o candidato final às eleições. Em grande parte, isto acontece porque o único fator de peso que une os apoaintes do candidato não tem a ver com idade, nem género, nem raça, nem estrato social, nem afiliação partidária. Tem, sim, a ver com autoritarismo e a fuga de milhões de pessoas descontentes em direção ao candidato que está disposto a tudo, para alegadamente defender os interesses dos americanos e "tornar a América grande outra vez".
A julgar pelas três vitórias consecutivas de Trump nos estados que já foram a votos nas primárias republicanas, e sobretudo perante as mais recentes sondagens para a Superterça-feira, disputada amanhã, o estilo racista e autoritarista continua a valer-lhe mais e mais apoios. E se mais provas eram precisas de que a possibilidade de Trump conseguir a nomeação está a tornar-se numa probabilidade, eis uma anedota sem piada da vida real: a 20 de fevereiro, o governador republicano do estado do Maine, Paul LePage, fez um discurso arrebatador a defender que todos os republicanos têm de se unir contra Donald Trump. A 26 de fevereiro, LePage engrossou a lista de membros do partido que deram o seu apoio formal ao magnata.
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