RELAÇÕES HUMANAS
Porque é que quando admiramos alguma coisa ou alguém, quase toda a gente perde a paciência connosco? Donde vem a incapacidade de admirar?
“Não te espantes com nada,” aconselhou um poeta romano. E outro seu contemporâneo mais velho, quando informado da morte do filho, observou secamente que estava ao corrente de que tinha gerado um mortal. A atitude, que ambos consideravam condição necessária para a felicidade, era ainda muito minoritária. Muitos gregos tinham sugerido antes que o conhecimento e a felicidade dependem precisamente da capacidade de se ficar espantado, e durante muito tempo a ideia parecera boa à maioria. As coisas mudaram; hoje só uma minoria se dá ao trabalho de ficar espantada.
As pessoas podem ficar espantadas com duas coisas: com coisas que acontecem e com coisas que se fazem. No primeiro caso, o espanto dirige-se sobretudo à natureza. Traduz-se numa admiração reiterada por cabriolas de zebras, ou fenómenos meteorológicos raros. No segundo caso, o espanto é movido por aqueles que realizam certas acções; e a este espanto chama-se também admiração: por aquilo que se fez, e por quem o fez.
No entanto, há uma diferença importante entre espanto e admiração. ‘Espantar-se’ é equivalente a ‘admirar-se’; mas ‘admirar’ é diferente de ‘admirar-se.’ Posso espantar-me ou admirar-me de que certas pessoas façam certas coisas; mas não é por isso que as admiro. Quando me admiro ou espanto posso ser acusado de ignorância; pelo contrário, quando admiro o que alguém fez, ou alguém que fez alguma coisa, sou sobretudo acusado de simplicidade de espírito ou de exagero. A diferença é a seguinte: quando alguém se admira com alguma coisa, os outros recomendam ciência; mas quando alguém admira alguma coisa ou alguém os outros perdem a paciência.
O fim da admiração consiste no desaparecimento da admiração da galeria das nossas emoções frequentes; afecta a maneira como nos interessamos pelas outras pessoas e como falamos daquilo que fazem. Quando admiramos alguém por aquilo que faz, de facto, não queremos saber de nada; não nos preocupam as causas das suas acções, ou até os seus motivos. Uma investigação das causas parece sempre diminuir aquilo que admiramos. Aqueles que são imunes à admiração gostam por isso de misturar causas nas suas descrições. É a desculpa perfeita: dizem que admiram a generosidade de uma pessoa, mas logo a seguir explicam que a causa dessa generosidade foi ele estar em posição de ser generoso; e também celebram o génio de Einstein não obstante censurarem o facto de fumar cachimbo.
É raro encontrarmos hoje quem fale dos outros sem restrições. E há uma relação entre isso e, como os romanos, gostar de lembrar constantemente a terceiros que são mortais comuns. Deixamos de sentir admiração quando concluímos que, porque somos todos mortais, nada do que fizermos é merecedor do menor espanto, e aliás da menor condenação. Todos mortais, todos iguais.
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