sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Limitar a venda de armas nos EUA pode ser a última grande guerra de Obama

À entrada para o último ano na Casa Branca, o Presidente norte-americano prepara-se para alterar a lei através de uma ordem executiva. Críticos dizem que isso não vai travar massacres em escolas ou cinemas.
A reforma tem como objectivo tapar alguns buracos na lei actual JIM WATSON/AFP
Depois de várias derrotas em braços-de-ferro com o Congresso para mudar as leis de compra e posse de armas, o Presidente dos EUA, Barack Obama, começou o seu último ano na Casa Branca decidido a fazer alterações com a força da caneta presidencial. Na primeira mensagem de 2016, divulgada nesta sexta-feira, Obama indicou que vai usar o seu poder executivo para tornar mais difícil a venda de armas sem uma verificação dos antecedentes criminais e do perfil psicológico dos compradores.
Os advogados da Casa Branca estão a preparar há meses um decreto presidencial que não seja facilmente posto em causa nos tribunais devido à falta de consenso no Congresso – sem a aprovação dos legisladores da Câmara dos Representantes e do Senado, o Presidente não tem poderes suficientes para fazer reformas profundas que se apliquem a todos os estados, e por isso tem de acautelar que as suas ordens executivas sejam sólidas.
Esta exigência do sistema norte-americano é ainda mais sensível no caso do direito a ter armas – um dos assuntos que despertam mais paixões nos EUA, devido à interpretação da Segunda Emenda da Constituição, que protege o direito à posse de armas, e aos constantes tiroteios nas ruas e massacres em escolas e cinemas, que matam milhares de pessoas todos os anos.
Foi na sequência de um desses massacres, na escola de Sandy Hook, em Dezembro de 2012, quando o atirador Adam Lanza matou 20 crianças de seis e sete anos de idade e seis professores e outros funcionários, que se abriu um caminho de esperança para que o Congresso aprovasse algumas alterações às leis.
Mas, apenas cinco meses depois do choque inicial, os 55 representantes que então davam a maioria ao Partido Democrata no Senado não foram suficientes para fazerem passar uma proposta para reforçar as verificações de antecedentes de quem quer comprar uma arma, que exigia pelo menos 60 votos. Pior do que isso, quatro dos 55 senadores democratas votaram ao lado do Partido Republicano e deixaram o Presidente Obama ainda mais indignado, afirmando na altura que tinha sido "um dia vergonhoso para Washington" e que os senadores tinham "cedido à pressão" do lobby das armas e, em particular, da influente National Rifle Association (NRA).
Desde esse dia, a Casa Branca começou a pensar em formas de introduzir alterações à lei sem necessitar da aprovação do Congresso. Num primeiro momento, o vice-presidente, Joe Biden, foi posto a liderar essa iniciativa, mas os meses foram passando com propostas a menos e tiroteios a mais – seis mortos perto da Universidade da Califórnia; nove numa igreja em Charleston, na Carolina do Sul; cinco em bases militares em Chattanooga, no Tennessee; nove na universidade comunitária Umpqua, em Roseburg, Oregon; três numa clínica de saúde reprodutiva em Colorado Springs, no Colorado.
Tapar os "buraco legais"
À imagem da proposta que não passou no Senado em 2013, a ordem executiva que o Presidente Barack Obama se prepara para anunciar (o que deverá acontecer na próxima semana, depois de uma conversa final com a procuradora-geral dos EUA, Loretta Lynch, marcada para segunda-feira) pode ser considerada modesta vista a partir da Europa, mas qualquer vislumbre de mudança ateia nos EUA uma fogueira de paixões.
"Há três anos, uma proposta sensata e bipartidária exigia uma verificação de antecedentes para quase toda a gente que compra uma arma. Recordem-se que esta medida era apoiada por quase 90% do povo americano. Era apoiada pela maioria das famílias com sócios da NRA. Mas o lobby das armas mobilizou-se contra ela. E o Senado bloqueou-a", disse Obama na declaração desta sexta-feira.
Sem avançar pormenores sobre o que está em cima da mesa, as palavras do Presidente dos EUA indicam que o decreto vai centrar-se naquilo a que os americanos chamam o "buraco legal das exposições de armas".
Segundo a lei actual, apenas as empresas que estão "envolvidas no negócio" da venda de armas são obrigadas a certificar-se de que um comprador preenche todos os requisitos exigidos – como, por exemplo, não ter sido condenado a penas de prisão superiores a um ano; não estar a ser procurado pela polícia; ou não ter sido internado numa instituição de saúde mental. O que a Casa Branca pretende é alargar estas exigências a quase todas as transacções de armas, e que actualmente não se aplicam a quem vende armas numa exposição, a um familiar ou vizinho, ou em muitas outras situações que foram aparecendo para contornar a lei.
De acordo com as propostas discutidas na Casa Branca, a exigência de verificação de antecedentes poderá passar a ser aplicada a indivíduos ou empresas que vendam, por exemplo, mais do que 50 armas por ano, independentemente do sítio em que o fazem, da finalidade do seu negócio, ou das pessoas a quem as vendem.
"As pessoas certas"
Se o reforço das verificações de antecedentes é defendido por cerca de 90% dos americanos, segundo várias sondagens, essa parece ser a única reforma bem vista nos EUA – as mesmas sondagens indicam que há até cada vez mais cidadãos a defenderem que a venda de armas a pessoas que passem esse controlo é uma boa solução para diminuir a frequência dos tiroteios em escolas ou cinemas.
E é essa ideia de que armas nas mãos de "pessoas certas" podem travar ataques lançados por "pessoas erradas" que os defensores do direito à posse de arma aproveitam para criticarem qualquer tentativa de mudança nas leis federais (que se aplicam a todo o país).
Jacob Sullum, jornalista premiado e editor da revista libertária Reason,argumenta, por exemplo, que o reforço da verificação de antecedentes "não faz sentido como resposta aos tiroteios mais graves", porque "os autores destes crimes, incluindo o autor do massacre no Oregon, passaram os testes ou poderiam ter passado porque não tinham antecedentes criminais nem atestados psiquiátricos que os desqualificassem".
Um dos exemplos mais usados nas críticas ao alargamento da exigência das verificações de antecedentes é o de uma viúva que queira vender a colecção de armas do seu marido para recuperar alguma estabilidade financeira. Se a ordem executiva de Barack Obama fizer depender essa exigência do número de armas vendidas, pessoas com poucas possibilidades poderão ser obrigadas a iniciar um processo que é moroso e caro.
Na declaração desta sexta-feira, Barack Obama respondeu a esses argumentos, lançando um ataque ao Congresso: "Dizem-nos sempre que reformas sensatas como as verificações de antecedentes poderiam não ter impedido o último massacre, ou o massacre antes desse, e por isso não deveríamos fazer nada. Nós sabemos que não conseguimos impedir todos os actos de violência. Mas e se tentássemos impedir pelo menos um? E se o Congresso fizesse alguma coisa – qualquer coisa – para proteger as nossas crianças da violência com armas?"

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