O ex-Presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, senta-se no banco dos réus do Tribunal Penal Internacional a partir desta quinta-feira. É acusado de homicídio e violação. O julgamento é aguardado com expetativa.
Se se perguntar a alguém nas ruas de Abidjan, se está interessado no início do processo contra o ex-Presidente Laurent Gbagbo no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, a resposta será provavelmente semelhante: Sim, o processo é aguardado com muita expetativa em todo o país. É, por exemplo, o que responde Etienne Moro, um agricultor, de 40 anos, que está na capital económica costa-marfinense para visitar o tio.
"Vejo debates televisivos com frequência e fala-se muito disso", diz.
É mais do que mera curiosidade. O julgamento traz à memória os dias sangrentos após as eleições presidenciais de novembro de 2010. "Víamos morte em todo o lado - havia cadáveres nas ruas. As pessoas não sabiam por que eram detidas. O país inteiro estava em chamas. Ninguém podia dizer nada. Se alguém falasse, seria apanhado e morto." Ao terminar a frase, Etienne Moro respira fundo, tentando acalmar-se.
Um processo de imperialistas?
A crise estalou após a controversa segunda volta das presidenciais, que deu a vitória ao então líder da oposição Alassane Ouattara. Laurent Gbagbo recusou-se a reconhecer a derrota. Enquanto a comunidade internacional reconhecia Ouattara como chefe de Estado, o Conselho Constitucional proclamava Gbagbo como vencedor. De seguida, apoiantes das duas fações entraram em confrontos sangrentos. Até à detenção de Gbagbo , a 11 abril de 2011, morreram mais de 3.000 pessoas. O julgamento no TPI, que começa esta quinta-feira (28.01), poderia ser um passo importante para processar o que aconteceu na altura e reconciliar o país. Pelo menos, na perspetiva de apoiantes de Ouattara e de organizações internacionais.
Mas Boubakar Koné abana a cabeça. "Este é um processo de imperialistas", diz o porta-voz da Frente Popular Marfinense e confidente do ex-chefe de Estado. "O Presidente Gbagbo ganhou as eleições democraticamente. Depois, foi forçado a entregar o poder e detiveram-no injustamente."
Homicídio e violação
Gbagbo é acusado de quatro crimes contra a Humanidade, incluindo homicídio e violação.
Com ele, no banco dos réus senta-se também Charles Bé Goudé, ex-ministro da Juventude e outro confidente de Gbagbo. A acusação diz ter 5.300 elementos de prova contra os dois réus, incluindo 300 vídeos. Mais de 100 pessoas estão preparadas para ir a tribunal testemunhar, embora nem todas devam ser chamadas.
Ainda assim, Boubakar Koné não acredita na condenação: "As acusações são infundadas", diz. "Acreditamos que a lei prevalecerá e que o Presidente Gbagbo regressará a casa. Esperamos esse resultado impacientemente."
Só apoiantes de Gbagbo no banco dos réus
Um ponto que tem gerado controvérsia é o facto de, até agora, só terem sido investigados crimes apontados a apoiantes de Gbagbo - apesar de testemunhas independentes afirmarem que tropas de Ouattara também foram responsáveis por assassinatos. Porém, questiona-se igualmente até que ponto seria possível levantar um processo contra um Presidente em exercício, até porque é necessário o acesso a documentos e arquivos nacionais. A procuradoria do TPI informou, antes do início do processo de Gbagbo, que uma parte "significativa" das provas foi disponibilizada pelo Governo de Ouattara.
Esse é um dos motivos que leva o agricultor Etienne Moro a duvidar da capacidade de o país se reconciliar com este julgamento. Na verdade, há uma comissão oficial com esse intuito e muitos políticos fazem questão de sublinhar quão unido o país é. Mas Moro duvida: "A reconciliação começa na família. Mas, mesmo aí, há divisões."
Ex-Presidente africano no TPI
Esta será a primeira vez que um ex-chefe de Estado é julgado no TPI. O tribunal é criticado há vários anos por alegadamente ser um "instrumento político" que tem como alvo África e os africanos.
Esta semana, em entrevista ao programa "Conflict Zone" , da DW, a procuradora do Tribunal Penal Internacional, Fatou Bensouda, minimizou as críticas, garantido que continua a ter apoio em África. E não se mostrou contra a criação de um tribunal africano.
"Criar um tribunal para julgar crimes atrozes não é contra os princípios do TPI", afirmou a a gambiana. "Na verdade, o TPI é um tribunal de última instância. Seremos encorajados por jurisdições nacionais que assumam a sua responsabilidade de investigar e julgar estes crimes."
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