domingo, 24 de janeiro de 2016

10º Capítulo, Parte 1: Do Champanhe em Lusaka às Lágrima em Lourenço Marques


domingo, 3 de agosto de 2014

LIVRO"O FIM DO IMPÉRIO E O NASCIMENTO DA NAÇÃO" MOÇAMBIQUE 1974

  É deste livro que o Blog vai extrair várias crónicas. Dada a excelência da leitura do livro, creio bem que os visitantes e amigos deste Blog, vão ter mais informação sobre o que se passou em Moçambique. 

               
                         





                                1º Capítulo
O horizonte do fim da guerra

No último dia do ano de 1973, o ministro da Defesa de Portugal, Silva Cunha, ao proferir a mensagem de fim de ano, teve a percepção da gravidade da situação política com que o seu governo se debatia ao enfrentar a guerra nas colónias africanas, especialmente na Guiné-Bissau e em Moçambique. Previa que "no ano que se inicia, a vida, não vai ser fácil. O horizonte aparece carregado de nuvens".
Este mesmo sentimento era partilhado pelo então gov ernador-geral de Moçambique, Engº Pimentel dos Santos, que afirmava num dos seus últimos discursos: "não se poderá esconder ou ignorar que 1974 se apresenta como um ano de crise". Expressão da agonia do regime colonial.
Em Moçambique, no alvor de 1974, a  luta armada estendia-se pelas províncias de Cabo Delgado, Niassa e Tete e alargava-se rapidamente a Manica e Sofala, rumo ao sul do país. Acresce que nunca a guerra se havia aproximado de um centro urbano da importância da Beira. Para a FRELIMO, com a aproximação da luta a um >>centro estratégico de desdobramento das tropas coloniais, o inimigo tinha sido ferido num dos pontos mais sensíveis e dolorosos<<.
O governador-geral também reconhecia esta realidade: >>de todas as zonas afectadas, é prioritária a de Manica e Sofala.
A Beira era a segunda cidade do país, com sonhos incontidos e confessos de se tornar a capital do futuro, a par de um sentimento de ser preterida em favor da centralidade e do cosmopolitismo da capital. Era como que um corpo estranho num país em formação.
As particularidades desta urbe eram assim relatadas pelo então jornal da terra , o Diário de Moçambique. >>A vida na Beira tem-se processado sempre em moldes um tanto diferentes daqueles que são normais em terras de Moçambique (..). Criou-se uma certa maneira de ser, determinou-se uma personalidade<<.
Uma cidade de características não tardaria a reagir à aproximação da luta armada nas suas imediações. Já não se tratava de relatos verbais de combates num longínquo Norte, ou na mesma  longínqua província de Tete, era ali mesmo às suas portas, afectando o quotidiano da vida da população, sobretudo e das minorias raciais, mais esclarecidas e convictas da imutabilidade e da invencibilidade do sistema. Para a maioria grassava o sentimento de que a independência já não seria uma quimera. Batia apressadamente à porta.

As famigeradas eleições

A construção do mito da "especialidade beirense" aconteceu no ano de 1958, durante a realização das últimas últimas eleições presidenciais do Estado Novo. nelas confrontavam-se o almirante Américo Tomás, proposto pelo partido de Salazar, a União Nacional, e o general Humberto Delgado, candidato-surpresa e arrebatador, apresentado pela oposição democrática. Contra a corrente e por não se terem viciado os resultados da eleição, na Beira venceu o candidato da oposição. Igual resultado só na cidade angolana de Benguela.
Explicar este resultado eleitoral, contraditório aos princípios ideológicos e sociais do núcleo populacional votante, como resultado do sentimento intrínseco de as cidade ser do contra, não basta. Outras razões haverá.
De acordo com o último censo populacional de 1950-1955, a população da Beira era de 47406 indivíduos, dos quais 9983 de raça branca, 206 de <<negros civilizados>> e 31 667 de <<negros não civilizados>>. Na província de Manica e Sofala foram recenseados  5189 eleitores. Votaram 4042 pessoas. 
No domínio das explicações haverá de ter em conta, o descontentamento dos funcionários públicos que viram os seus salários reduzidos. Ciente do descontentamento o Engº Jorge Pereira Jardim, na época presidente da Associação Comercial da Beira, resolveu ir  a Lourenço Marques, demover os governantes dessa dessa  decisão referente aos salários.A  delegação, foi recebida a 16-01-1958 pelo governador-geral Gabriel Teixeira, mas não teve qualquer êxito. O preço foi pago na boca das urnas.

Deus, Pátria e Família e o São Jorge

Uma segunda explicação é a de que a vitória do general Delgado, houve muito empenho do núcleo da oposição democrática, liderada pelo seu mandatário, o jovem advogado António Almeida Santos, ou nas palavras do comandante da polícia da Beira, capitão de Cavalaria, António Dias Machado.
Quem toma a primeira iniciativa da campanha eleitoral é a oposição democrática, realizando uma concorrida sessão de propaganda realizada a 23-5-58, no extinto cineteatro São Jorge, na Beira. Galvanizados pela oratória e pelo espírito do bota-abaixo, a multidão dedicou-se a um sapateado tal que se pensou que naquela noite a casa ia mesmo desabar.
A União Nacional teria de responder. No dia seguinte, no exíguo cinema Palácio reúnem-se 200 apoiantes numa sessão que, nas palavras do comandante da polícia, <<foi fraquíssima de assistência e entusiasmo>>. O núcleo da oposição não perde tempo. distribui panfletos e coloca na vitrina de uma tabacaria um anúncio em que se dizia << Santo António há-de sair>> numa clara alusão a Salazar. O Delegado da União Nacional pede a prisão do dom o governador geralno da tabacaria. O capitão de Cavalaria recusa.
Os receios eram tão sérios que obrigaram o governador-geral a viajar para a Beira, para dirigir uma nova sessão no final da tarde de 1-7-1958.
A defesa da << família>> foi feita por Alda Almeida, directora e professora do colégio Luís de Camões, frequentado por << filhos difíceis>> da classe média e por estudantes provenientes dos distritos da zona centro do país.
A defesa da << pátria e da autoridade>> coube ao Engº Jorge Jardim. Em oratória inflamada, contextualizou o momento, buscando o exemplo da França, que se debatia na crise provocada pela guerra da independência da Argélia.
No seu discurso, Jardim não perde a oportunidade para agitar o fantasma da descolonização: << em África vivemos e sabemos que a unidade e autoridade firme são a única possibilidade de mantermos a nossa presença civilizadora. Que o digam, se o pudessem escolher, os franceses da Indochina.
A defesa da fé, coube ao bispo Soares de Resende. Não a faz no cineteatro Palácio, mas reserva-a para as páginas do Diário de Moçambique. Escreve-se: << não está Portugal diante de nenhum sábio, nem de nenhum santo. Mas o que se pode sem hesitação alguma é dizer que pelo menos um dos dois homens é prudente. A vaidade de um foi contrabalançada pela modéstia de outro e (...) um deles mais do que o outro deu mostras claras e públicas do lugar que lhe merecem as coisas sagradas>> E que coisas separavam os dois candidatos?
O almirante Tomás havia-se deslocado ao santuário de Fátima para orar. O general delgado realizou uma manifestação política em Braga, num dia de tradicional procissão religiosa. Pecado sem perdão.
A propósito da campanha, nesta matéria cite-se um artigo de Almeida Santos, publicado no jornal Notícias : <<saberemos sobreviver à maré viva das tendências anticolonialistas, aos fantasmas das federações económicas, esconjurar as tentativas confessas de ingerência nos nossos assuntos internos, na arrumação da nossa querida casa lusitana>>.

A vingança da PIDE

Para os fieis da União Nacional terá sido difícil digerir a sua inesperada derrota na Beira. Jardim, em nota enviada a Salazar, solicita-lhe uma audiência para analisar << o caso da cidade e do distrito da Beira, no valor absoluto dos resultados (...) pois carece de ser ponderado e referido na sua inteira verdades>>. E os resultados da ponderação não se fizeram esperar.
O encarregado de negócios do Governo de Manica e Sofala, inspector Encarnação Vieira, pagou caro a sua honestidade na contagem dos votos. Obviamente foi exonerado.O governador-geral em relatório final escreve para Lisboa que: << A Beira sente-se desinfeliz.
O alvo principal não podia deixar de ser António de Almeida Santos. A PIDE congemina estratégia legais para o expulsar de Moçambique. A ele juntam-se os advogados Alberto Moreira e William Pott, Carlos Adrião Rodrigues e Henrique Soares de Melo e o empresário Francisco Saraiva Barreto. Todos eles haviam sido participantes activos na campanha eleitoral de Delgado. Intento nunca esquecido mas não conseguido.
O resultado dessas conturbadas eleições presidenciais, num núcleo populacional de pequenas dimensões, conferiram aos beirenses uma aura política que se propagou nos tempos: terem um posicionamento próprio.

A PIDE vai ao cinema

Outra situação peculiar que marcou a Beira colonial e que muito contribuiu para o mito da diferença, foi a revolta dos cinemas. A razão da revolta deveu-se ao simples facto de o único proprietário dos cinemas da cidade ter decidido aumentar o preço dos bilhetes. O cinema era uma das poucas diversões da época, já que a televisão só chegaria depois da independência.
No interior da sala de espectáculos estavam apenas sentados sete espectadores, previamente escolhidos. O mesmo cenário repetia-se em todas as outras sessões os diferentes cinemas.
Ao contrário do vazio das salas, na rua, em frente das mesmas, centenas de pessoas aglomeravam-se para darem início a uma memorável contestação que se prolongou por vários dias, boicotando todas as sessões de cinema. Nessas manifestações estariam segundo a PIDE, envolvidas cerca de quatro mil pessoas, um número considerável se tivermos em conta a população branca da Beira na altura, e que a população negra manteve-se à parte dos acontecimentos. Pela simples razão de que lhe era vedado o direito de ir ao cinema. Não por decisão legal mas por mera imposição social.

Populares contra os cinzentinhos

Não poderia o fim da revolta dos cinemas ter outro desfecho senão uma batalha campal entre as forças da ordem e os manifestantes, defronte do cinema Nacional, tendo a fachada do edifício sido destruída com ferros e pedras, como nos relata o Diário de Moçambique de 2 e 3 de Setembro de 1966.
Desde esse momento, surgiu um profundo e duradoiro rancor, contra os polícias da metrópole, alcunhados de cinzentos devido à cor dos seus uniformes.
Intervenção policial frente ao cinema Nacional
O inspector-salvador e a luta de classes.

Nem só a polícia do cassetete foi obrigada a actuar para dominar os ânimos exaltados por " motivos tão fúteis", como notava, com manifesta admiração, o ministro do Ultramar ao governador-geral, face aos telegramas recebidos, dando conta destes acontecimentos verdadeiramente irreais.
Num relatório de 13 de Setembro desse ano o inspector da PIDE dá conta de que o caso dos cinemas da Beira deixou de ser um problema social e económica para se transformar num caso de natureza política, habilmente explorado por um grupinho, que se aproveitou da situação para se lançarem numa campanha de subversão política, utilizando o processo de lançar a opinião pública contra o Governo da Nação, em detrimento dos pobres, do proletariado, das classes menos protegidas.
Uma das consequências da intervenção da PIDE, no caso dos cinemas, foi a demissão do governador da província de Sofala, Francisco Branco Galvão. Pretendia-se desta forma, transmitir um aviso sério à população. Contudo, este funcionou exactamente em sentido inverso, atendendo às "especificidades beirenses"
O inspector Campos alertava que se estava a esboçar um movimento para efectuar uma grandiosa manifestação à esposa do governador quando esta se for juntar ao marido. A senhora, que no entender do inspector era antipática e vaidosa, passou a desfrutar de popularidade. A manifestação foi mesmo realizada, com um extenso cortejo de carros num ruidoso buzinão.

Suecos, a PIDE e as moscas

Quando, em 1958, a população branca de Manica e Sofala se opõe por votos, a Salazar, com o desencadeamento da luta armada, directamente confrontada com o seu futuro, demarca-se da votação do passado. Torna-se, de forma geral, acérrima defensora da política colonial. Há mesmo quem pretenda ir mais longe. Estamos nos finais de 1965 e discute-se apaixonadamente, nos cafés Capri e Scala, uma UDI à moçambicana, sempre com a capital na Beira. Não será por acaso, que nesse ano, a declaração unilateral de independência da Rodésia do Sul (declarada a 11 de Novembro de 1965). Não falta quem suspire por um novo Ian Smith, falando português, desde que habitasse nas redondezas da cidade. Em surdina menciona-se o candidato).
É neste contexto de patriotismo e de nacionalismo branco que, em Novembro de 1969, nova agitação ocorre na cidade. desta vez a causa próxima foi o apoio da Suécia à Frelimo, cuja prova material chega nesta altura ao porto da Beira. No convés do navio norueguês, Drammensfjord, estavam dois camiões, exibindo em letras garrafais o seu destino e o respectivo consignatário: dar-Es-Salan-Frelimo. Acresce que os camiões não eram de nenhuma marca dos países comunistas . Eram suecos da Scania!
O sector provavelmente mais retrógrado da sociedade colonial, composta pelos capatazes da estiva, organiza um boicote aos navios de pavilhão escandinavo que escalassem os portos moçambicanos. Promove, com a aquiescência da PIDE, manifestações de protesto contra os "suecos", envolvendo centenas de estivadores negros eventuais, pagos à hora, pois era como de trabalho se tratasse.


Estivadores "contratados" em Manifestação em Lourenço Marques
 O movimento alastra aos estivadores do porto de Lourenço Marques. Esta "revolta", extravasou para as frustrações do quotidiano, na incerteza do futuro, contra o aumento dos preços e os magros salários auferidos. Estava à vista mais uma revolta que ultrapassava as manifestações controladas pelos capatazes.

Tocam os sinos por Sebastião

Outra das forças de oposição ao regime veio da Igreja Católica, da diocese da Beira. de tal forma foi grande a sua influência que a sua importância é, ainda, hoje uma força incontornável na província de Sofala. Cite-se um trecho do  Diário de Moçambique de 20-12-1961, " as missões estrangeiras, sob a falsa aparência de evangelizadoras, vêm minando os fundamentos do edifício que o génio português vinham erguendo".
A origem inicial dessa estranha oposição, atendendo aos interesses comuns do Estado Novo e da Igreja Católica expressos no Acordo Missionário de 1940, deve-se à figura do primeiro bispo da Beira, Sebastião Soares  de Resende, durante o seu episcopado exercido de 1943 a 1967. Deixou marcas e uma obra  assinalável. Morreu em 1967, demasiado cedo para percebermos como se iria pronunciar, sobre o tema fulcral da independência de Moçambique. Escreveu Eduardo Mondlane a este propósito, em vida do bispo: Resende é um dos liberais portugueses que acreditam que acreditam na possibilidade da criação de um novo Brasil em África ( O papel da Igreja em Moçambique, comunicação de Eduardo Mondlane ao Congresso Mediterrâneo da Cultura, realizado de 20 a 24 de Junho de 1964). Assinala que se fica com a ideia de que o bispo só concebe um Moçambique independente de acordo com os interesses culturais, religiosos e económicos portugueses.

A morte de Sebastião e do Diário de Moçambique

Nos princípios de 1966 foi diagnosticado ao primeiro bispo da Beira um cancro no esófago. Depois de uma longa agonia viria a falecer na Beira a 25 de Janeiro de 1967.
O seu funeral reuniu uma multidão nunca vista na cidade da Beira. Que fez este homem em vida para merecer tal despedida?


D. Sebastião Soares Resende, a inaugurar em 1955 o Grande Hotel da Beira
A substituição bispo Soares de Resende era tarefa difícil. Da parte da hierarquia governamental havia o manifesto propósito de que o sucessor fosse um homem de perfil bem diferente.
Coube esse papel a Manuel Ferreira Cabral que não deixou saudades a ninguém. Descrito pelo inspector Gilberto Campos como um pastor honesto e bem intencionado, mas de carácter enfraquecido e pulso brando.
Em 1969, cala-se a voz incómoda do Diário de Moçambique, o jornal é vendido. Em representação dos compradores esteve o Engº Jorge Jardim. Da parte dos vendedores, coube essa tarefa a monsenhor Duarte de Almeida, uma das vozes mais prestigiadas do jornal.( O jornal foi vendido em Setembro de 1969, a um grupo empresarial dominado pelo Banco nacional Ultramarino, também accionista maioritário no Notícias. Como diário foi encerrado em 1971)
A manifesta colaboração do bispo Manuel Cabral com as autoridades coloniais acirrou os ânimos entre os membros da própria diocese.

A expulsão dos "Padres Brancos"

A 25 de Maio de 1971 a PIDE, antecipando-se à resolução da Ordem dos Padres Brancos de deixar Moçambique, decide expulsá-los. De entre eles destaca-se o padre Cesare Bertulli, figura bem popular pela incansável ajuda dada aos excluídos e aos injustiçados, e também pelo apoio prestado à causa da libertação nacional. A 28 desse mesmo mês a PIDE expulsa Monsenhor Duarte de Almeida. Viaja no mesmo avião que o padre Bertulli.
A agitação vivida na diocese da Beira obriga o bispo Manuel Cabral a resignar. De Julho de 1971 a Maio de 1972 será dirigida por um administrador apostólico, Manuel Vieira Pinto, bispo de Nampula. Eram sobejamente conhecidas as divergências políticas com o regime colonial. A opinião da PIDE sobre o bispo era a seguinte:
Diocese de Nampula
É seu Bispo D. Manuel Vieira Pinto, cuja personalidade, mentalidade foge à vulgaridade dos seus colegas do episcopado. A sua actuação em desfavor da sã ortodoxia católica por apadrinhamento de contestatários e seus grupos, tem ultrapassado todas as barreiras do decoro episcopal e feito tábua rasa do respeito hierárquico, devido pelo menos, a D. Custódio Alvim Pereira. Do acinte mais velado que ostensivo tem mostrado contra a política ultramarina, nem é bom falar.


D. Manuel Vieira Pinto, Bispo de Nampula
A diocese da Beira volta a estar de candeia às avessas com o poder. Um relatório da PIDE, refere: os problemas religiosos levantados nesta diocese são os mais graves em todo o Estado, cujas implicações com a segurança são notórias.

Paulo VI: morram em Moçambique

Paulo VI ao visitar o Uganda em Agosto de 1969, foi o primeiro papa a pisar o solo africano. Participava na Conferência Episcopal Africana. O seu discurso traçou as linhas de uma nova política da Santa Sé para África.
Nenhum bispo de Moçambique foi convidado para a conferência do Uganda. Eurico de Melo, bispo da então Vila Cabral, ainda conseguiu autorização da PIDE, mas as autoridades de Kampala negaram-lhe a entrada.
A Santa Sé, preocupada com a contínua expulsão de padres, chama a Ronda, para serem recebidos por Paulo VI em Setembro de 1976, Vieira Pinto e um grupo muito restrito de missionários da diocese da Beira, entre os quais o padre Teles Sampaio da paróquia Macúti.
O Papa, ciente da responsabilidade daqueles homens, transmitiu-lhes uma palavra de ordem, que ultrapassava a do mero sacerdócio. Recomendou-lhes: Vocês não saiam de Moçambique, nem que morram no vosso lugar.

O Estoril, a guerra e os padres do Macúti

A crise do relacionamento entre a hierarquia da diocese da Beira e as autoridades coloniais conhece o seu zénite no chamado caso dos padres da paróquia do Macúti, que se inicia em Janeiro de 1972, com a prisão dos padres Teles Sampaio e Fernando Mendes. No bairro do Macúti residia a high society da Beira.
No primeiro dia do ano de 1972, assinalava-se o Dia Mundial da Paz, tendo como tema: se queres a paz trabalha pela justiça. Na selecta missa das dezoito horas, perante uma não menos selecta audiência, o padre Teles Sampaio profere uma homilia sobre essa temática tão actual, num quotidiano marcado pela guerra. Perante a incrédula assistência à liturgia, denuncia o domínio de uma raça sobre a outra, bem como o dever de eliminar a guerra. A uma guerra de opressão não pode responder-se com outra guerra de repressão.
Acusa o regime de fazer torturas para arrancar confissões, prisões prolongadas sem julgamento, padres expulsos sem serem ouvidos. E contextualiza: celebramos o Dia da Paz, estando em guerra em Moçambique. E porque há guerra em Moçambique? Porque ouve e ainda há muitas injustiças cometidas durante séculos. Muitos ladrões degredados que ninguém aturava do outro lado de lá, no Atlântico, foram gente grande em África.
Como se não bastasse, o padre Sampaio tem a coragem de relatar que, em Novembro de 1971, um grupo de comandos havia cometido, em Mocumbura, um massacre contra a população civil indefesa. Acusa-os de terem queimado habitações e aniquilando um grupo de 16 pessoas, mulheres e crianças queimadas vivas. Para serenar dúvidas diz que tem provas que haviam sido meticulosa e sigilosamente recolhidos pelos padres de Burgos.
Pois o que terá levado o padre Sampaio a proferir uma tal homilia perante esta plateia, só ele e Deus saberão, pois já faleceu.
Mas saberia certamente o destino que o esperava. No entanto, a cama da prisão onde iria parar não estava ainda preparada. Eram necessários actos concretos praticados fora do púlpito, para que conhecesse a cadeia. Privilégios do clero.

A bandeira, o Bandeira e o Engº Jardim

No final do dia 9 de Janeiro de 1972, realizava-se na igreja do Macúti uma cerimónia que envolvia escuteiros, nas suas categorias de "lobitos" "avezinhas" e "guias". Os jovens, comandados por um não-jovem, de nome Bandeira Rodrigues, pretendiam entrar no templo com a bandeira portuguesa, a fim de fazerem o juramento segundo a praxe escutista.
A entrada da bandeira dá azo a uma discussão entre Bandeira e o padre Fernando Mendes, coadjutor da paróquia. A bandeira deveria ou não integrar a cerimónia litúrgica? A disputa foi concluída pr decisão definitiva do padre Sampaio. A bandeira não entrava na igreja, não cedendo aos argumentos do Bandeira que invocava, em seu favor e com grande fervor, o regulamento nacional do escutismo. Com este pretexto, o isco estava engolido ingénua ou deliberadamente pelos padres do Macúti, Teles Sampaio e Fernando Mendes. Serão feitos protagonistas ou mártires de uma causa.
Padre Teles Sampaio
Na edição do dia seguinte é publicado na primeira página do Notícias da Beira um artigo intitulado: Crime contra a harmonia racial- Padres Sampaio e Fernando- Nós denunciamos.
O seu autor assina "CA" . Denuncia os actos criminosos cometidos pelos padres Sampaio e Fernando Mendes, porque quem sobe ao púlpito tem de saber ali estar. O mesmo editorialista  faz publicar mais três artigos sobre esta matéria, insistindo na denúncia do crime destes homens, clamando por justiça. De que crimes são acusados os sacerdotes? De crimes contra a harmonia social. Sendo a lei penal tipificada não havia sustentação jurídica para manter a causa. Era, à partida, uma cruzada perdida.
Os padres do Macúti ( incluindo o empregado da paróquia, João Chabuca) serão presos pela PIDE, e posteriormente transferidos para a cadeia da Machava, em Lourenço Marques. Coube ao vigário-geral da diocese da Beira, padres Jesuíta, José Augusto Alves de Sousa, acompanhar os preparativos da defesa judicial dos seus colegas.

O "C.A" e Jardim

Durante a fase de instrução do processo, os advogados dos padres publicam uma carta no Notícias da Beira na qual questionam quem seria o autor dos editoriais incriminatórios-o misterioso "C.A". Era uma verdade conhecida, mas nunca assumida, que "CA" era o pseudónimo de Jardim, que se vê confrontado com a necessidade de publicamente assumir a paternidade da sigla "CA". Escreve ele: O que aqui se escreve tem um autor responsável e o seu nome (Jorge Jardim) continuará ligado, como sempre esteve às siglas "CA". Sintoma de que as coisas não estavam a correr de feição a Jardim.
O recém nomeado bispo da Beira, Altino Santana, assistia emocionado ao julgamento, no qual testemunharam membros importantes da hierarquia católica, ressaltando o depoimento de Eurico de Melo, bispo do Niassa.
Havia a suspeita de que mantinha contactos com a Frelimo e de que tinha recebido uma carta escrit pelo comandante Sebastião Marcos Mabote para um encontro na zona do Catur, que nunca se realizou por receio do bispo. Findo o julgamento foi transferido para a cidade angolana de Sá da Bandeira.Numa das sessões, em pleno átrio do tribunal, D. Altino sofreu um acidente cardiovascular, ficando inanimado. D. Altino Santana assumiu a diocese da Beira a 7-5-1972 e morreu a 27-2-1973.

Um acórdão exemplar

Os padres do Macúti foram absolvidos por acórdão do Tribunal Militar Territorial de Moçambique, a 26-1-1973. Decisão judicial que abona o trabalho da ilustre equipa de advogados de defesa João Afonso dos Santos,Carlos Adrião Rodrigues, António Pereira Leite e William Pott. O causídico António Almeida Santos não integrou esta equipa.e evidencia à época uma estranha independência da magistratura no julgamento de casos políticos. Certamente o peso institucional da Igreja Católica fez-se sentir.
Tornado que foi público o teor do acórdão e tentando remar contra a maré, foram apressadamente organizadas, na cidade de cimento da Beira, manifestações de protesto contra a decisão judicial, pelo habitual grupo de contestatários. Foram lançados petardos explosivos contra o edifício da diocese provocando danos materiais e suscitando um clima de grande apreensão a quem vivia no episcopado. Bonecos feitos de trapos e lençóis com os nomes dos padres Sampaio e Fernando haviam sido pendurados em postes de iluminação.Era o incitamento ao linchamento como forma de justiça rápida.
A intervenção política e pública por parte Jardim no caso dos padres do Macúti foi pouco feliz para  ele. Ao abrir hostilidades na imprensa, deu azo a que os advogados de defesa utilizassem a lei da imprensa para lhe responderem. Era uma oportunidade soberana para um ajuste  de velhas contas . Perdeu o debate. Ao acusar sacerdotes da Igreja Católica, num meio , atirando-os para as celas da cadeia, feriu as susceptibilidades de muitos católicos moderados. Desgastou-se numa causa perdida e sem justificação. O Drº Máximo Dias, num encontro no consulado norte-americano em Lourenço Marques, a 5-11-1973, fez notar que o Engº Jorge Jardim havia perdido o apoio da Igreja Católica devido à sua violenta campanha de imprensa contra os padres do Macúti

Senas contra Chuabos

Na Beira colonial habitava um mosaico humano inestimável pela sua diversidade. Não era propriamente, na linguagem sul-africana pós-apartheid, um arco - íris.Cada grupo étnico vivia socialmente centrado em si mesmo, convivendo dentro das regras definidas na pirâmide racial colonial. Uma realidade diversa daquela que a linguagem oficial descrevia como o "cadinho onde todas as diferenças se fundem e as divergências se caldeiam".

Beira: capital do racismo?

A Beira colonial tinha fama de ser a capital do racismo do país. fama justa ou injusta? Esta acusação será provavelmente injusta, pois é desligada de um todo, o sistema colonial. certo é que havia particularidades próprias da cidade. Era regra costumeira do trânsito pedonal: um branco e um negro não se podiam cruzar no mesmo passeio. O negro deveria afastar-se para a estrada.
Nos transportes públicos, as primeiras filas dos machibombos eram destinadas exclusivamente a brancos. O acesso aos cafés, aos cinemas, a espectáculos (que não o box e o futebol) eram uma ficção para os negros. Em Quelimane o Carnaval era festejado por alegres foliões. Na Beira grupos de jovens brancos, convenientemente mascarados, iam para os subúrbios "arriar nos pretos", com toda a permissividade paternal e policial, aproveitando a "quadra da algazarra".
Um ambiente social desta natureza não podia deixar de gerar, por si mesmo, um forte sentimento de nacionalismo, e mesmo alguns desejos de de revanchismo. Eduardo Mondlane escrevia, com manifesta razão: o nacionalismo moçambicano, como praticamente todo o nacionalismo africano, foi fruto directo do colonialismo.

O Beira Patrol e as sanções míopes

Para o crescimento da Beira, nos finais dos anos sessenta, muito contribuiu a aplicação das sanções económicas impostas pelas Nações Unidas ao Regime da Rodésia do Sul. Exportações e importações de e para a Rodésia passavam, à vista desarmada, pelo porto da Beira, diante dos vasos de guerra da Marinha britânica, como o Beira Patrol, que utilizando a linguagem comum era mesmo só para inglês ver.
Portugal opôr-se-ia à entrada de tropas inglesas, com o apoio do regime de Pretória. com a miopia conveniente da comunidade internacional, a rebelião rodesiana, conseguirá sobreviver até 1980 e, certamente, ter-se-ia prolongado caso o império colonial português não ruísse em 1974. 
As sanções impostas ao regime de Smith deram um grande impulso ao tráfego ferro-portuário da Beira e mesmo de Lourenço Marques. Simultaneamente registou-se um crescimento notável no sector imobiliário com a construção de novos bairros. a política de abertura do mercado preconizado pelos tecnocratas do governo de Marcelo conduziu a um crescimento de curto prazo, que obrigou ao recrutamento de mão-de-obra fora dos limites do distrito. foram atraídos por estas novas oportunidades trabalhadores da Zambézia, de etnia Chuabo.

Matem-se os Chuabos

Aconteceu o que se receava. a conflitualidade tribal eclodiu. Ficaram nas memórias das gentes os acontecimentos de Novembro de 1972, de confrontos violentos entre cidadãos Senas conluiados com Ndaus, assim como de outra etnias do Sul, contra os cidadãos da etnia Chuabo residentes na Beira e arredores.
Na tarde de 2 de Novembro desse ano, registaram-se cenas de pancadaria no Bairro de Massamba, aparentemente devido a problemas de mulheres , como nos conta a imprensa da altura, sem precisar em que consistiam esses problemas. Confinados a um isolamento prolongado, era natural que os chuabos procurassem o contacto com outras mulheres, ainda que de outras etnias, e que por elas se perdessem de amores, provocando cenas de ciúmes que nada tinham a ver com questões étnicas ou regionais, mas tão só com a própria natureza humana.
Aconteceu um crime passional, que foi aliado ao tribalismo, originando um clima de violência e de perseguição contra os chuabos. Foi como um barril de  pólvora ateado. Depressa as desordens se espalharam pelos populosos bairros de Muchatazina, Chipangara, Inhamedina, atingindo o seu auge no popular e carismático bairro da Munhava., lugar de tradições muito especiais. 
Incendiaram-se residências e foram mortas e feridas dezenas de pessoas inocentes. Nos dias que se seguiram os comboios da TZR que partiam da Beira estavam superlotados. Gente que fugia ao terror, ante a passividade ou até a cumplicidade das forças policiais.
Segundo a versão oficial terá havido três mortos e cerca de duas centenas de feridos.Entre as vítimas encontravam-se sobretudo os naturais da Zambézia. Infelizmente o número de vítimas foi muito maior.

De Educar aos panfletos: Mia contra Serra

Na paróquia de Matacuane, de Julho a Setembro de 1972, centenas de pessoas frequentam diversos níveis de escolaridade, a título gratuito. Actividade que o Notícias da Beira trouxe para o domínio público. O jornalista refere os elogios que o padre Anselmo, prior da Igreja, faz à iniciativa dos jovens. Classifica-a de a todos os títulos meritória, merecedora do apoio a quem se interessa pela educação. Quem não a achou tão meritória foi a PIDE, que pouco tempo depois mandou encerrar o centro de educação. As Nações Unidas, tinham decidido que o ano de 1972 seria o "Ano Internacional do Livro". Com o livro foi feita uma revolução. O grupo de extrema esquerda beirense usa o tema não só para divulgar o livro, mas para abrir o espírito de leitura, com intuitos manifestamente políticos. Trata-se de um subterfúgios para ludibriar a PIDE.
Utilizando os meios tipográficos do Centro Soares de Resende organizam, editam e reproduzem várias publicações. Os destinatários eram a pequena franja da população negra alfabetizada. Versavam sobre temáticas diversas como a negrititude, a literatura e a poesia africana e a recolha de provérbios senas.
A distribuição dessas publicações fez-se nos subúrbios da Munhava, Manga e Chipangara, aproveitandoa concentração de pessoas que assistiam à missa dominical ou aos jogos de futebol.
A resposta do núcleo da oposição democrática não se fez esperar. O consagrado intelectual da capital Engº Eugénio Lisboa, desloca-se à Beira para proferir em 9-9-1972, uma erudita palestra  sobre o livro. A iniciativa da "cultura popular" fez esgotar num ápice as pequenas edições e deu origem a uma acesa e exaltada polémica jornalística nas colunas do Notícias da Beira. No duelo de palavras esgrimiram alguns dos promotores da iniciativa, entre os quais o consagrado escritor Mia Couto e o então jornalista Carlos Serra, hoje conceituado sociólogo. O jornalista desvalorizava as intenções revolucionárias dos impulsionadores da iniciativa afirmando que haviam trocado a praia pela leitura, e que tinham impresso um cheirinho todo o intelectual entre o Estoril e a exposição familiar na Praça do Município. A resposta não se faz tardar e será demasiado pesada. Acusam Serra, entre outros mimos, de ser um pseudo- surrealista e de ter um intelectualismo mal absorvido, ou melhor, absorvido em doses de colher de café..
Carlos Serra responde-lhes à letra, "manda-os jogar berlinde" e "crescer". A tréplica dirigida a Carlos Serra , mesmo invocando a Lei da Imprensa, era de violência inusitada. Rejeitada a publicação, recorrem aos tribunais, através do advogado João Afonso dos Santos.Sentença do Tribunal Judicial da Comarca da Beira negou provimento ao direito de resposta. Terá sido neste aceso debate que acidentalmente se deu a estreia literária de Mia Couto.

Máximo, Joana e o reino por um fio

Nos finais de 1973 entra em cena, o GUMO, Grupo Unido de Moçambique, liderado pelo Drº Máximo Dias e pela Drª Joana Simeão. O fundador deste movimento o advogado Máximo Dias, vivia e exercia advocacia na Beira. A Drª Simeão passou um tempo nesta cidade, no seu regresso definitivo a Moçambique após um longo e conturbado exílio.
O Drº Máximo Dias fez a sua carreira escolar, profissional e escolar à custa do seu próprio esforço. Pertencia ao reduzido escol da elite nacional produzido pelo sistema colonial.Era amigo da faculdade de Marcelo Rebelo de Sousa. Defendia uma solução sobre o futuro das colónias em tudo diferente da prosseguida pelo seu professor da Faculdade de Direito de Lisboa, Marcelo Caetano.

Máximo espera por Caetano

Com o apoio de Rebelo de Sousa (pai) e sobretudo do filho Marcelo, Máximo Dias desloca-se a Lisboa para uma audiência previamente preparada com Marcelo Caetano.
À sua chegada a Lisboa, o chefe de gabinete do presidente do Conselho de Ministros avisa-o de que Caetano o receberia apenas na qualidade de ex-aluno. O advogado recusa. Não vinha em missão de romagem de saudade de antigo estudante do mestre.
O encontro teve lugar a 25 de Setembro de 1973, pelas dez da manhã. Durante o encontro, no palácio de S.Bento, o Drº Máximo Dias apresentou a Caetano a sua intenção da constituição de um partido políticoque seria um interlocutor válido, segundo a óptica do regime, conforme um seu artigo no Notícias da Beira em 19-5-1974.Qual a reacção de Caetano. Máximo Dias explica: O senhor Presidente do Conselho, reconhecendo facilmente o perigo para a ditadura vigente que poderia advir de um tal partido, opôs-se terminantemente à descolonizadora ideia apresentada.

A "Mata-Hari" moçambicana

Quem foi essa mulher que teve um percurso fulgurante na vida política de Moçambique nos turbulentos anos de 1973 e 1974?
Acusada de ser agente da PIDE ( adiante-se com manifesta razão) era simultaneamente vigiada pela polícia política. visita frequente e querida de algumas das missões diplomáticas sediadas em Lourenço Marques. Alguma "Mata-Hari" moçambicana? Reconhecida como uma mulher inteligente, enérgica e determinada. Temida e detestada. Bela e ousada. Definitivamente controversa.
Joana Simeão
Joana Francisco Simeão, nasceu em Nampula, onde fez os seus estudos primários. O pai era motorista do bispo de Nampula. Viu recusada a sua admissão num colégio para continuar os estudos secundários, pelo facto de ser negra. Rumou, com a sua irmã Ana, para Coimbra, alojando-se no austero colégio de Santa Cruz.
Em 1959, por dificuldades financeiras, Joana integra como dactilógrafa o Ministério do Ultramar, em Lisboa. Inscreve-se na Faculdade  de Direito de Lisboa um ano depois. Em 1961 é presa pela PIDE. Refugia-se na Embaixada da Venezuela, onde esteve meses, até seguir para Argélia, numa história rocambolesca, nunca bem explicada.

DE Argel á Coremo

Em Argel, Joana Simeão conhece o seu primeiro marido, congolês de nome Serge Tahilenge. Regressa à Europa onde exerceu a presidência da organização "jeunes Femmes Africaines. Estuda Filologia Romântica na Sorbonne e trabalha como secretária na Rádio France Internationale. Durante a sua estada na Argélia, Joana Simeão teve vários contactos com dirigentes da Frelimo, inclusive com Eduardo Mondlane. Nunca se entenderam.Será, anos depois,sua inimiga de estimação.
Nos finais dos anos sessenta e através de Holden Roberto, foi apresentada a Paulo Gumane, presidente da COREMO. O encontro teve lugar em Lusaka e Joana Simeão adere à COREMO, embora por pouco tempo. Desiludida com todas essas experiências resolve em 1971 regressar a Moçambique, terminandoum longo exílio de doze anos.

O regresso do fim

Para o seu regresso intervieram o embaixador de Portugal em Paris e o Engº Jorge Jardim. Fixa residência na Beira, chegando a habitar, por um curto espaço de tempo, a residência do Engº Jardim. Lecciona a disciplina de Francês no Liceu Pêro da Anaia, provocando uma enorme sensação. Tinha uma mentalidade diferente da quase totalidade do corpo docente daquela escola. E uma outra experiência de vida. Foi um alívio a sua partida para a capital onde continuou a leccionar no Liceu António Enes.
Forma em 1973 a sua própria organização clandestina, " o Grupo pela Paz". Pretende usar o sistema para modificá-lo por dentro à independência do país.
Os seus propósitos foram apresentados ao cônsul norte-americano em Lourenço Marques , a 19-9-1973. Fazia-se acompanhar pelo alferes GEP Aníbal Oliveira.
Desde essa visita à representação  uma visita assíduade Washington que a Drª Simeão passa a ser observada atentamente pelos serviços norte-americanos. E passa a ser uma visita assídua do consulado. A 4-11-1973, o consulado norte-americano refere as suas divergências com o Drº Máximo Dias. Este procurava o apoioo de Lisboa para contactar a Frelimo, Joana tentava obter credenciais para uma solução alternativa à Frelimo, falando em nome dos interesses africanos em Moçambique.
Regressado à capital moçambicano , depois da audiência inconclusiva em Lisboa, Máximo Dias vê entrar intempestivamente no seu quarto do hotel Tivoli a Drª Joana Simeão. Não a conhecia pessoalmente. Sem rodeios, Joana diz-lhe ao que vem. Sabia do seu encontro com Caetano. Ou por via da PIDE ou do cônsul alemão e declara a sua pronta e necessária adesão ao projecto da constituição da associação política, recomendada pelo chefe do governo de Lisboa. Forçava assim a sua adesão à projectada terceira força. E assim nascia o GUMO.
Joana Simeão dá conta da formação deste novo agrupamento ao cônsul norte-americano. A presidência caberia ao Drº Máximo Dias, já que o alferes Anibal Oliveira, devido à sua situação militar de GEP, não pode assumir tal cargo. Voltaremos ainda ao resto desta história.
Era assim a Beira no início de 1974. Estava criado um caldeirão em ebulição que qualquer incidente faria explodir.O "incidente" foi o avanço da luta de libertação na província de Manica e Sofal


Capítulo 2:Do Nó-Górdio à Frente de Manica e Sofala


Sentados: Samora Machel, Domingos Uasse e Bonifácio Gruveta

A Frente de Tete: a batalha das batalhas

Ao visarem o eixo de vital importância económica de Chimoio-Beira, as Frentes de Tete e de Manica e Sofala, a 25-7-1972, aceleraram o desfecho da da guerra, acabando com a ilusão de que os combates se circunscreviam apenas no Norte do país. a derrota militar não era uma mera hipótese mas uma realidade previsível a curto prazo.
Adelino Serras Pires, caçador-guia e testemunha directa da acção da guerrilha em Manica e Sofala, descreve sucintamente a situação nesta frase: Estava na ora de bater em retirada.
Terá sido na província de Tete que se travou a maior batalha estratégica durante a luta de libertação em Moçambique. A tomada de iniciativa da guerrilha na província de Tete determinou o vencedor antecipado, ao mesmo tempo que significou a internacionalização do conflito com a entrada directa da Rodésia do Sul e do Malawi.
A Frente de Tete havia sido aberta aquando da proclamação da luta armada pela voz de Eduardo Mondlane em 25-9-1964. Mas menos de um ano decorrido, as actividades militares da Frelimo foram suspensas naquela província.
 A Frente só será reaberta no plano militar a 8-3-1968, com um ataque ao quartel da então vila Gago Coutinho. O reinicio da ofensiva encontrou as forças portuguesas simultaneamente preparadas e desprevenidas.
Para essa reabertura foi necessário o crescimento das forças da Frelimo e um esforço diplomático para obtenção do consentimento da Zambia para a movimentação de soldados e de equipamentos através do seu território.


Coluna militar no interior de Moçambique, dirigida por Joaquim Chissano
 Nos primeiros meses de 1967 haviam sido enviados mais de 50 guerrilheiros para o interior de Tete, desprovidos de armamento. A logística da entrada do material de guerra será feita a partir da Tanzânia. No entanto, as autoridades zambianas mantiveram-na em Mbeya. Para resolver este imbróglio, Eduardo Mondlane confia a missão a Chissano. Este parte de Dar-es-Salam para Lusaka a 18 de Outubro de 1967.
Chegado a Lusaka avistou-se com um dirigente zambiano, de nome Óscar Kambata, conhecido por não nutrir grandes simpatias pela Frelimo.
Só a 21 de Novembro Chissano recebe luz verde de Kaunda para a passagem do armamento para o interior de Moçambique, sujeita a duas condições: não lutar junto da fronteira com a Zâmbia e manter o mais alto segredo sobre a travessia de armas. Apenas nos inícios de Janeiro do ano seguinte consguiu desbloquear em definitivo este longo processo, permitindo assim a reabertura da Frente de Tete que vai ser decisiva no desequilíbrio no sentido da guerra.

Marcelo Caetano visita Moçambique

 Quando a 17 de Abril  de 1969 o professor Marcelo Caetano, na qualidade de presidente do conselho de Ministros, visita Moçambique, na primeira e última vez que a colónia recebia um chefe do Governo metropolitano, engalanou-se a "província" e prepararam-se convenientemente as recepções para que não faltasse gente e tivesse carácter apoteótico.
Dois meses antes da sua visita a Moçambique, Mondlane foi assassinado em Dar-es-Salam, ao abrir um livro armadilhado.
O relatório secreto da PIDE, envolvida directamente neste acto terrorista, foi presente a Caetanoquatro dias depois da morte do presidente da Frelimo. Lê-se " um chefe é sempre um chefe e a sua morte causa sempre conturbação e complicações . Uma enorme confusão vai abalar todo o partido, desde Dae-es-Salan, às bases instaladas pelo Norte de Moçambique e aos núcleos da Zâmbia e do Malawi.
Seguiram-se importantes deserções na Frelimo, entre as quais a de Lázaro Kavandame, secretário provincial da Frelimo em Cabo Delgado.
Lázaro Kavandame
O velho chairman maconde entregou-se em 16 de Março de 1969. Mas o anúncio da sua deserção só foi oficialmente comunicada a 3 de Abril de 1969.
Num discurso proferido (conversas em família) não esconde o sentimento de vitória: de pois de um espectacular êxito obtido no Norte de Moçambique...o chefe principal dos macondes acabou por reconhecer que a rebelião era injusta para Portugal....Voltou como filho pródigo. Só que Kavandame, contrariamente ao esperado, não era um grande trunfo. Havia perdido há muito o seu poder tradicional de chairman regional, entrando em colisão com a nova geração detentora do poder político-militar na Frelimo. Havia sido demitido a 3 de Janeiro de 1969 do cargo que julgava vitalício e insubstituível de secretário-geral de Cabo Delgado. A rota de deserção era inevitável. E bem tentou ainda aliciar muitos dos seus conterrâneos, a quem chamava "filhos".
Os serviços de acção psicológica usaram e abusaram da imagem e da voz de Lázaro Kavandame para desenvolverem uma campanha,com vista a desmotivar os guerrilheiros de Cabo Delgado. Distribuem-se milhares de panfletos utilizando avionetas Dornier providas de megafones que emitem a voz de Kavandame. São muitos os apelos os apelos, em língua maconde, à deserção, especialmente a Raimundo Pachinuapa, comandante provincial do Departamento de Defesa de cabo Delgado, para que seguisse o mesmo caminho. Como se sabe sem resultados.
Marcelo Caetano, na sua chegada a Lourenço Marques, em 1969
A visita de Caetano reunia todas as condições para ser um sucesso. Recebido sempre com "banhos de multidão", criando um espírito triunfalista de que a política seguida era a mais correcta.
No espírito legalista, propõe, num discurso pronunciado em Lourenço Marques na sessão conjunta dos Conselhos Legislativo e Económico e Social, uma autonomia administrativa e financeira com a faculdade de legislar, através dos seus corpos representativos, acerca das matérias que exclusivamente lhes interessem.
No estertor final do regime, com a luta às portas das Cidades da Beira, de Tete e do Chimoio, cientes da causa perdida, tentam, sem grandes convicções e sem grandes pressas, outras soluções.Há mesmo quem, dentro do regime colonial, pense, em finais de 1973, em soluções negociadas com esses "grupúsculos". Chegam mesmo a pensar contactar o Dr. Pascoal Morumbi, destacado membro da Frelimo, residente em Genéve na Suissa. Ficam-se pelas intenções.

Nó-Górdio, o papa e dos Santos

No final da visita de Caetano a Moçambique entende-se como a guerra continuava a ser feita por heróis que se batiam em épicos campos de batalha. Impunha-se fazer uma grande operação militar para terminar em definitivo com a guerrilha em Moçambique. E para o efeito, Caetano nomeia, a 21 de Julho de 1969, o general Kaúlza de Arriaga para o cargo do exército em Moçambique. A 6 de Agosto desse ano é promovido a comandante-em-chefe das Forças Armadas na colónia. 
A 1 de Julho de 1970 arranca de forma ruidosa e aparatosa a operação Nó Górdio. Nesse dia, pelas 12h30, o Papa Paulo VI, recebe na Santa Sé, em ambiente mais sereno, Marcelino dos Santos na qualidade de vice-presidente da Frelimo. Acompanhavam-no Amílcar Cabral, do PAIGC e Agostinho Neto, do MPLA.
Alberto Joaquim Chipande, em missão no interior de Moçambique
Samora Machel, conjuntamente com o seu adjunto no Departamento de Defesa, Alberto Joaquim Chipande, dispersa as forças de guerrilha. A palavra de ordem é: Deixar o batalhão para agir em secções, com instruções expressas de fazerem fogo, flagelando o inimigo, de forma a que este nunca se sinta seguro. No auge da Nó Górdio, as forças da Frelimo atacaram Miteda. Abandonam as famosas bases, simples construções precárias, próprias da natureza da guerra que se tratava. E recebem, de forma preciosa, armas e munições da República Popular da Cuina, com a ajuda de Julius Nyerere, que permitiu não só compensar as perdas materiais sofridas, como até melhorar o equipamento de guerra utilizado.
No final da comissão de Kaúlza de Arriaga, a 26 de Julho de 1973, a guerrilha em Moçambique não fora derrotada, como o general antecipava perante as câmaras de televisão, em conferência de imprensa, em Lisboa, em Março de 1971. A Frelimo tinha estendido os combates às portas das cidades de Tete, de Chimoio e da Beira.
Se os efeitos da operação Nó Górdio poderão ser controversos, a audiência papal concedida aso movimentos de libertação das colónias portuguesas teve um inegável impacto, por constituir o reconhecimento da Santa Sé, pelo menos tácito, da justiça da luta desses povos pela independência.
A audiência papal não constitui um equívoco de agenda do papa, ou de oportunismo dos dirigentes africanos, como foi propalado pelo governo colonial. O encontro, cuidadosamente organizado por Óscar Monteiro durante cerca de um mês, foi pedido expressamente pelos movimentos de libertação nessa qualidade. O Papa sabia, obviamente quem estava a receber, como refere um comunicado da Frelimo, divulgado após a audiência.

Kaúlza e os equívocos estratégicos

Se Kaúlza bebia a inspiração nas teses de contra-subversão do Pentágono, particularmente do general Wesmoreland, a Frelimo utilizava as práticas do general vietnamita Vo Nguyen Giap, preparando-se para uma guerra prolongada
Durante os anos em que conduziu a guerra, o general Arriaga recorreu a métodos inaceitaveis sob qualquer prisma ético. Foi o caso da política de aldeamentos, que obrigou cerca de um milhão de moçambicanos a deixar as suas terras e a viver em povoações improvisadas, como forma de tentar cortar o apoio da população à guerrilha. No seu mandato foram cometidos massacres sobre a população civil nas províncias de Tete e Manica e Sofala. Não directamente instruídos por ele mas resultantes da escalada da guerra e da formação acelerada de tropas especiais que, desligados da hierarquia de comando, foram feitos máquinas de guerra. O mais conhecido foi o massacre de Wiriamu, denunciado publicamente em Londres pelo padre Hastings em 10-7-1973.
Outra das estratégias militares utilizadas por Kaúlza em Moçambique foi a chamada africanização da guerra. Vendo-se a braços com a abertura sucessiva das Frentes de Tete  e a de Manica e Sofala, pediu a Lisboa um reforço de homens. Necessidade que se tornava mais premente dada a decisão de construir a barragem de Cabora Bassa, fortemente contestada pelo general Arriaga: Ao decidir-se em Lisboa, contra a vontade do Ministro das Finanças Drº Dias Rosa, e ao iniciar-se no Songo, a construção de  Cabora Bassa não se deve ter avaliado- o que foi um erro- a sua projecção no plano político-estratégico.
A Frelimo ameaçou impedir a construção da barragem, Esta ameaça, concretizada com a abertura da Frente de Tete , tornou necessário o aumento do contingente militar do exército colonial. Contingente esse que já era insuficiente para os planos de guerra estabelecidos pelo comandante-chefe.
Contra a construção da barragem esteve também a COREMO. O seu presidente, Paulo Gumane, afirmou que tudo faria para perturbar a sua execução.
Caetano rejeita o pedido de Kaúlza de aumento do contingente expedicionário. Não era só por efectiva impossibilidade de aumentar esse corpo, mas também porque tal decisão não se ajustava aos resultados da anunciada vitória do general Arriaga.
Perante a recusa, o comandante-em-chefe recorre ao engenho. Compensa a falta de homens com o recrutamento militar compulsivo e geral dos moçambicanos para as fileiras do exército colonial. 

A internacionalização da guerra

O general Arriaga empenhou-se na tentativa da internacionalização da guerra, tentando criar vários "vietnames" segundo a linguagem da época Pretende atacar a Tanzânia, bombardeando a base principal da Frelimo, de Naschingwea e cortar as comunicações da Zâmbia, através de ataques de surpresa por forças especiais. Tese que nunca foi partilhada por Marcelo Caetano, não só pela sua formação legalista, mas também porque experiências similares, como o ataque feito a Conakri, a 24 de Novembro de 1970, haviam corrido mal e desgastado a já fraca imagem da política colonial portuguesa.
A PIDE em Moçambique não só a defendeu como praticou acções de retaliação nos países limítrofes. Não precisou de autorização de Lisboa. Desde 1971 que a subdelegação da PIDE na Beira tinha uma Brigada de Operações Especiais, que no entender do inspector Gilberto Campos tinha tantos e tão bons resultados.
A par destes grupos de forças especiais e para a realização dos chamados trabalhos sujos, foram ainda formados grupos muito especiais, criados e mantidos pela PIDE, sobretudo a partir da subdelegação da PIDE do Niassa. Nelas destacou-se um ex-caçador-guia mestre na aniquilação de elefantes, de nome Daniel Roxo.
Os efeitos das actividades militares da Frelimo, em Tete, não fizeram esperar uma resposta por parte dp regime de Salisbury. Para os rodesianos o culpado desta situação era o General Kaúlza. E mandam a Lisboa, Ken Flowers, chefe dos serviços secretos.
Crítico frontal do general Kaúlza, Flowers chega a Lisboa em Setembro de 1971, avistando-se co Marcelo Caetano. Era portador de uma mensagem de alerta: a manifestação do desagrado dos rodesianos em relação a Kaúlza e à sua forma de fazer a guerra em Moçambique apelando à necessidade de mudanças urgentes na condução da mesma. Flowers ruma a Paris, para um encontro com os serviços de informação franceses, o SDECE. 
Um ano depois, novas críticas do regime rodesiano serão feitas quando Ian Smith se desloca de visita a Portugal, reunindo-se com Caetano para analisar a preocupante situação militar de Moçambique!

A expansão da luta armada e a exaustão do exército colonial

Uma vez consolidada a Frente de Tete, foi possível a expansão da luta armada para a província de Manica e Sofala. A sua preparação iniciou-se com um levantamento minucioso feito por Eduardo da Silva Nihia, nos primeiros meses de 1972, obedecendo às instruções de Samora Machel. Esta decisão constituiu uma surpresa para o comandante Fernando Matavele. Samora era mestre na arte de gerir homens. E Nhia reunia as condições ideais. De franzina compleição, discreto, muito habilidoso, tinha um passado reconhecido de guerrilheiro. Juntou-se à Frelimo em 1963, com 21 anos, depois de ter trabalhado uma empresa algodoeira em Nampula. Devido à sua juventude e pelo facto de ser de baixa estatura recebeu o nome de guerra de "Mutoto".
Samora Machel,em reunião com os militares no 2º Congresso
Nesse mesmo ano seguiu para a Argélia na companhia de Samora Machel, Alberto Joaquim Chipande, Raimundo Pachinuapa, e Matias Mboa, para receber treino militar, integrando o segundo grupo que a Frelimo enviou para aquele país.
No início da luta armada, Nihia participou na abertura da Frente da Zambézia, em Setembro de 1974. Depois esteve no Niassa Oriental, operando na zona do Catur. Em 1967 foi transferido para a Frente de Tete. Era já um militar calejado.
Com base nas informações recolhidas por Nihia, os membros do Departamento de Defesa da província de Tete reuniram-se no 4º Sector, a 29 de Maio de 1972, para analisarem os preparativos da extensão da luta armada às pronvíncias de Manica e Sofala. Participaram, entre outros, Sebastião Marcos Mabote, Rafael Rohomoja, José Moiane, Fernando Matavele, e Eduardo Nihia.
Armas e munições foram metodicamente depositadas em determinados esconderijos, sobretudo próximo do rio Luenha, utilizando o Departamento Feminino.Cento e cinquenta homens foram deslocados para o início dos combates. No mencionado encontro de Tete foi fixado o calendário das operações militares: Preparação imediata e começo de fogo na Província de Manica e Sofala no máximo no mês de Julho. Foram escolhidos os responsáveis pela nova Frente: Fernando Matavele, para comandante, Joaquim Mutamanga, como adjunto e chefe de operações e Eduardo Nihia, como adjunto de operações e comissário político. O posto  de de coordenação seria em Mungári, chefiado por Fernando Mutavale. Um segundo posto situava-se em Dona Ana, hoje Caia, uma terceira base em Vila Gouveia, hoje Catandica, comandada por Eduardo Nihia, a quarta em Vila Fontes e a última em Vila Paiva de Andrade, hoje Maringué,
Era necessário escolher o momento para o início dos combates. Matavale, relata, com rigor absoluto: Meia noite certa do dia 24. Éramos poucos, incluindo eu, éramos 12. Uma outra força era comandada pelo comandante José Santos Macie. Nós atacámos dois acampamentos no mesmo dia: Katuguilene e Kadalonga. O único que não funcionou foi o de Chemba, comandado por Joaquim Mutamanga, que recuou para Mungári, juntando-se às forças de Matavele.
Entre as acções da guerrilha em Manica e Sofala, destaca-se um ataque ao acampamento da SAFRIQUE, empresa que se dedicava à organização de safaris, de Nhamacala, a 1 de Julho de 1973, em que o médico pessoal do presidente espanhol Francisco Franco, Drº Angel Garabaizal, foi morto. Sebastião Mabote  produziu um relatório sobre esse ataque: O acampamento era composto por 10 casas, que eram dormitórios para turistas. Além disso havia um número de soldados disfarçados à civil que tinham as suas armas debaixo das camas para os turistas não desconfiarem da existência da luta armada naquela zona.Os guerrilheiros deixaram o avião aterrar na pista de Nhamacala, tendo disparado e o avião ficado completamente destruído e incendiado pelo fogo, tendo morrido lá um médico cirurgião pessoal do generalíssimo Franco, de Espanha.
Esse ataque, seguido de um outro, a 17 do mesmo mês, desta vez ao acampamento do Chitengo, no Parque Nacional da Gorongosa, como nos relata o general Mabote.

General Mabote
As balas disparadas pelo comandante Cara Alegre continuam gravadas num muro que constitui hoje um marco histórico. Estas incursões tiveram uma enorme repercussão na cidade da Beira.
O acampamento de Chitengo era um símbolo. Como escreveu Adelino Serras Pires, caçador-guia. testemunha previligiada da actividade da guerrilha nesta zona de Moçambique. Estava na hora de bater em retirada.
A estratégia do Departamento de Defesa da Frelimo, comunicada às suas forças, de nunca a luta nas fronteiras com Tete, revelar-se-ia correcta, pois obrigou a que as forças portuguesas continuassem estacionadas na província de Tete, revelar-se-ia correcta, pois obrigou a que as forças portugueses continuassem estacionadas na província de Tete, assegurando a construção da barragem de Cabora Bassa, que passou a ser o objectivo crucial do exército português. Na obra Guerra Colonial, de Aniceto Afonso e de Carlos Matos Gomes, os seus autores descrevem esta realidade: Era tão arreigada a consciência dos militares portugueses de que o seu objectivo decisivo consistia em garantir a construção da barragem, apesar de o seu inimigo já os ter obrigado a concentrar à volta dela mais de 50% dos efectivos totais existentes em Moçambique.
Para alguns dos estrategas militares do Quartel-General em Nampula, o avanço da luta armada para Manica e Sofala seria um erro para a Frente de Libertação, porque esta seria incapaz de assegurar o apoio logístico da extensão da guerra, o que foi manifestamente um erro de análise. Por muitas dificuldades existentes, a  guerrilha nunca foi afectada por questões de logística. Como recorda o general Nihia, durante os dois anos na Frente de Manica e Sofala, nunca deixou de jantar e de tomar o pequeno almoço, luxos que não tinha na província do Niassa. A população e mesmo alguns cantineiros portugueses estabelecidos na zona forneciam-lhes comida. A 8 de Fevereiro de 1974 o governador Sousa Teles comentava para o Notícias da Beira: seis ou sete aldeamentos no distrito são atacados em cada noite. e admitiu que havia população controlada pelo inimigo. Era a primeira vez que havia uma admissão pública desta situação.
sem acções espectaculares, a luta de libertação seguia imparável em Manica e Sofala. Num relatório elaborado a 15 de Setembro de 1973 sobre os 12 meses passados a partir de Junho de 1972 a Julho de 1973, manuscrito pelo comandante Francisco Nheyo, enviado a Dar-es-Salan, lê-se: Durante o 1º ano de luta, o inimigo considerou seriamente a situação da guerra em Manica e Sofala - político e militar, pelo que, nestes dois campos, o inimigo tem tido fracassos, embora utilize os seus métodos mais rudes.
O mais notável do relatório do comandante Francisco Nheyo é a perspicácia sobre o estado anímico do exército colonial. Escrevia ele:Ao inimigo encontramos o baixo moral de certos soldados em que, muitas vezes, quando são mandados para o mato, desenfiam-se num qualquer lugar esperando que os dias passem e depois regressam ao quartel. O descontentamento dos soldados inimigos inclui não só os soldados africanos, mas também os soldados portugueses.
Um grupo de soldados africanos das tropas GE. Bem dispostos
Constatação que levava o comandante a concluir que algo de profundo se passava no exército português, um baixo moral, situação que levava a declarar como objectivo, para o segundo ano da luta de libertação nacional, na província de Manica e Sofala.

"Tatu" em Dar-es-Salam

Depois do seu célebre discurso a 11 de Dezembro de 1964, na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, Che Guevara, partiu para um longo périplo.
Chegado a Dar-es-Salam, reúne-se nas instalações da Embaixada de Cuba com representantes de dez movimentos de libertação sediados naquele país. A reunião teve lugar no dia 18 de Fevereiro de 1964. Uma delegação da Frelimo esteve presente, chefiada pelo chefe do Departamento de Defesa Filipe Samuel Magaia. Também esteve presente Raimundo Pachinuapa. A reunião resultou totalmente improdutiva e desorganizada.
Perante este fracasso foram então organizados encontros específicos com alguns movimentos, entre os quais a Frelimo. Encontraram-se no Instituto Moçambicano. Che vinha acompanhado do embaixador de Cuba em Dar-es-Salam, Pablo Rivalta. Pela Frelimo estiveram presentes: Eduardo Mondlane, Uria Simango, Lourenço Mutaca, Filipe Samuel Magaia, Francisco Cufa, Francisco Sumbane, Jeremias Jacob, Feliciano Gundana entre outros.

Mondlane, Guevara e vários dirigentes da Frelimo em Dar-es-Salam
Pese embora o ambiente descontraído e de camaradagem e a empatia entre a Frelimo e Che, as suas teses não se adequavam à realidade moçambicana. Che defendia que: as lutas de libertação contra os portugueses devem terminar vitoriosamente, mas Portugal não significa nada no domínio imperialista.
Eduardo Mondlane teve a ousadia de discordar desta estratégia na presença de Che, já herói revolucionário consagrado. O ideário da Frelimo era concreto: a libertação da pátria moçambicana. O inimigo não era algo difuso como o "imperialismo", mas o colonialismo.
Escreve Guevara, frustrado com a sua experiência africana: tentei levá-los a perceber que o problema real não era a libertação de qualquer Estado, mas uma guerra comum com o inimigo comum, que era o mesmo em Moçambique, no Malawi, na Rodésia, na África do Sul, no Congo e em angola. Mas eles não concordaram. As despedidas foram polidas, mas geladas.
"TATU"nome suaíli, que Che tinha escolhido como sua identificação, considerou aquela experiência como um ano perdido
Por causa deste desencontro, as relações entre a Frelimo e o regime cubano, só foram ultrapassadas em 1977, após uma visita de Fidel de Castro a Moçambiqu

3º Capítulo:Os Movimentos da Diáspora

Li Marx no chão da minha terra"

Tomando como ponto de referência os anos sessenta do século passado, o nacionalismo moçambicano foi difundido através de várias organizações, todas elas sediadas fora  de Moçambique, embora os primeiros estatutos da Frelimo fosse estabelecida a sua sede em Lourenço Marques. Todos esses movimentos defendiam a independência do país. Desses propósitos à sua expressão concreta haverá, entre eles, diferenças abissais. Sendo objectivo, o único movimento que combateu o sistema colonial foi a Frelimo, alcançando um dos intuitos a que se propunha: a independência.
Em 1962 o Drº Eduardo Mondlane conseguiu juntar os movimentos dispersos numa única organização: a FRELIMO. A unidade foi sol de pouca dura. Entre a sua criação, a 25 de Junho de 1962, e a realização do 1º Congresso, em Setembro desse mesmo ano, alguns dos seus fundadores haviam decidido abandoná-la. Tal tendência agrava-se depois do congresso e da distribuição dos lugares de chefia. Alguns dos que decidiram abandonar a nova organização optaram por constituir outras organizações.
Para outros movimentos, esgotadas as vias negociais, só a luta armada poderia forçar o governo colonial a uma solução política. Mondlane, a 12-10-1963, defende que o futuro de Moçambique exige que Portugal negoceie directamente com a Frelimo. A Frelimo inicia os combates a 25 de Setembro de 1964. A Coremo, realiza as suas primeiras acções militares no Zombo, na província de Tete, no segundo semestre de 1965.
A necessidade do recurso às armas como solução política já havia sido assumida em 1961 por um dos movimentos precursores da Frelimo, a UDEMANO, fundada por Adelino Guambe, na cidade de Bulawayo, na então Rodésia do Sul. Quarenta e quatro homens receberam treino militar no Gana.Nunca entraram em combate e a sua maioria, rumou, em 1962, para a Tanzânia a fim de ser integrada na Frelimo.
Mesmo entre a direcção da Frelimo, a adopção da luta armada como meio político de combate não era uma opção do consenso geral.
Eduardo Mondlane e Uria Simango, no 1º Congresso da Frelimo.
A própria estratégia da luta armada, no período de 1964 a 1969, conhece desinteligências sobre objectivos e métodos de combate. Ainda nem sequer o primeiro tiro fora dado e já havia diferentes opiniões a nível da presidência da Frelimo, quanto à duração da luta. Em reunião em Dar-es-Salam, a 7-7-1963, Mondlane defendia que se tinham de preparar para uma guerra prolongada. O Vice- Presidente, reverendo Uria Simango, entendia que uma vez iniciados os combates seria uma guerra relâmpago. Nas suas palavras: se a guerra começar às 7 da noite terminará às 8 horas da mesma noite.

A COREMO, o maoísmo e a bomba atómica

De todos os outros movimentos criados na Diáspora, a COREMO, sigla do Comité Revolucionário de Moçambique, foi o que mais se terá distinguido durante os anos da sua existência, de 1965 a 1974. O próprio Eduardo Mondlane o reconheceu no seu livro "Lutar por Moçambique"
Na história da Coremo distinguem-se três períodos diferentes da sua existência: o período, de 1965 a 1966, correspondente à sua fundação e liderança de Adelino Guambe; um segundo, de Paulo Gumane e a adesão de Uria Simango, numa tentativa de aglutinar todas as forças dispersas dissidentes da Frelimo., que termina com a fundação da Coremo e a construção do PCN, em Agosto de 1974.
Para se entender a criação da Coremo, em 1965, importa recorrer ao trajecto dos seus principais mentores, depois do seu afastamento da Frelimo.. Adelino Guambe funda uma nova UDENAMO, com sede em Kampala. No início de 1965 alia-se a um outro grupo dissidente da Frelimo, que haviam constituído a FUNIPAMO- Frente Unida Anti-Imperialista Popular Africana de Moçambique (resultado de outra aliança dominada pelo MANC, grupo chefiado por Mateus Mmole, também ele fundador e dissidente da Frelimo). Formam a MORECO, sigla correspondente à designação de Mozambique Revolution Council. O entendimento foi de curtíssimo prazo e Gwambe refunda a UDENAMO, acrescentando a sigla MONOMOTAPA para as distinguir das passadas e o MANC passa novamente a funcionar como partido independente.
Paulo Gumane
Por seu turno Paulo Gumane, no Cairo, funda em princípios de 1964 outra UDENAMO. Para evitar maiores confusões designa-se de UDENAMPO MOÇAMBIQUE. Todas estas dissidências e mudanças fulminantes de nomes criavam perturbações aos países que as acolhiam e tiravam credibilidade ao movimento nacionalista moçambicano. Foi assim que o governo zambiano decidiu promover um encontro, em Lusaka, de 29 a 31 de Março, com a participação de todos esses movimentos para tentar realizar uma aglutinação que resultasse numa única organização. No encontro participaram pela Frelimo, Eduardo Mondlane e Alberto Sithole. Estiveram presente os representantes  da UDENAMO MONOMOTAPA, da UDENAMO MOÇAMBIQUE, e do MANC. Estes movimentos não se entenderam. A FRELIMO queria que os outros se fundissem na sua organização. Aqueles queriam uma nova organização onde estivessem todos os movimentos. Em face deste desentendimento já esperado, Mondlane e Sithole abandonaram a sala e regressarem a Dar-es-Salam. Para a Frelimo o mais importante tinha sido feito. Demonstrarem a Kaunda a sua boa vontade em participar nessa iniciativa, por muito que não gostassem dos presentes. Precisavam da Zâmbia.
Os restantes participantes, sempre com a presença de representantes do Governo Zambiano, decidem a formação da COREMO. Adelino Guambe é o seu presidente e a Paulo Gumane caberá o cago de secretário-geral. Adoptam, como convinha, a palavra de ordem: " O nosso país ou a morte".
A Coremo teve vários desaires, entre os quais, o não reconhecimento da OUA. A Tanzânia não lhes deu acolhimento. Os dirigentes da Coremo tentam cativar as simpatias do presidente do Malawi, numa primeira fase sem sucesso. Kamuzu Banda não acreditava no êxito da via armada.
A Coremo ficou pela Zâmbia , onde estavam instalados todos os movimentos da África Austral. A base militar situa-se em Ba Macheka, próximo da fronteira com Moçambique, de onde dirigem alguns ataques nas zonas de Milange, província da Zambézia e na província de Tete, através do seu braço armado, o EREPOMO.
A falta de liderança de Guambe leva a que Gumane convoque o Comité Central da Coremo para em reunião, de 12 a 16 de Maio de 1966, tomar o poder. Guambe abandona, em definitivo diga-se, a organização. Abre-se um novo ciclo sob a liderança de Gumane.
Paulo Gumane nasceu em Inhambane em 1918. Fez a instrução primária na Missão Católica de Mocumbi. Posteriormente rumou para a África do Sul, passando a usar o nome de guerra de "Manso", e militou no ANC. Adere à UDENAMO e, em 1962, junta-se à Frelimo. 
Neste novo ciclo da história da Coremo, Gumano busca desesperadamente apoiois externos. A 11 de Setembro de 1967 dirige novo apelo à OUA, acusando Mondlane e seus camaradas de recusarem cooperar e terem deixado a sessão histórica sem quaisquer comentários ou sugestões. Como resposta, o secretário executivo do Comité de Coordenação  da OUA, George Magombe, envia-lhe um ofício convidando-os a dissolver o movimento, a fim de se juntarem à Frelimo. 
A sua grande aposta para encontrar apoios vai centrar-se na República Popular da China, jogando com a rivalidade do conflito sino-soviético. Gumane, ainda secretário-geral da Coremo, havia visitado a China em 1965, tendo obtido a promessa de apoios.
Delegação da COREMO de visita a Xangai, na RP China
Gumane promete o combate ao colonialismo, ao imperialismo e ao revisionismo da Frelimo, como o preço a pagar pelo apoio chinês.
Não será por acaso que a Coremo passa, a partir do mandato de Paulo Gumane, a adoptar nas suas declarações uma linguagem do mais puro estilo maoísta. O Secretário do Departamento do Negócios Estrangeiros, Mazuzo Dondo, numa declaração à agência Nova China, em 14-8-1966, vai mais longe e acusa a clique dirigente revisionista soviética e seus acólitos, que intensificam as suas actividades criminosas e reaccionárias. Estas palavras eram música celestial para os dirigentes chineses de então.
Tal fidelidade tem um prémio. A China passa a conceder, de forma limitada, até porque era pouca a capacidade humana da Coremo, treino e armamento. 
Não admira, neste contexto do conflito sino-soviético, que a 27 de Outubro de 1967, Paulo Gumane e sua esposa Priscília, estivessem a participar no Estado que se reclamava do mais puro e duro socialismo científico, a Albânia de Hender Hodja, numa conferência internacional de mulheres contra o revisionismo.
A direcção da Frelimo não estava desatenta a estas movimentações. Tinha a sua favor o apoio de Julius Nyerere. Em 1967, Eduardo Mondlame viita a China, Samora Machel realiza a sua primeira visita à China em 1968, na qualidade de chefe do Departamento de Defesa. E a ajuda chinesa à Coremo vai abrandar sucessivamente. Ainda em Fevereiro de 1971, um despacho da "Nova China" mencionava a Coremo como as forças armadas patrióticas.
Samora Machel. já presidente da Frelimo, visita de novo a China a 17 de Setembro de 1971. Machel mantém um longo encontro com Zhu Enlai, que domina o aparelho partidário. O trabalho político e militar realizado pela Frelimo, mais do que as" mil palavras" inflamadas, influenciaram o dirigente chinês.
A partir de 1972 cessa completamente a apoio da China à Coremo, ou a qualquer outro movimento que não a Frelimo. De tal forma que os governantes portugueses vêem fantasmas chineses em todo o lado. Com alguma razão, pois no campo Naschingwea aumenta o número de instrutores chineses.

O nosso país ou a morte: a luta militar da COREMO

As acções militares da Coremo correspondem à sua actuação política. Fez esporádicas na zona de Zumbo e de Milange.
Provavelmente a acção mais conseguida terá sido um ataque a Furacungo, na província de Tete, a 31-1 1968, com uma ofensiva de cerca de 15 minutos com armas automáticas e granadas. As acções militares terminam praticamente em 1972.
Mas das investidas militares da Coremo, duas devem ser assinaladas como registo histórico. Uma foi a longa marcha empreendida em Junho de 1968 com um grupo armado de  17 homens, que integrava doze sul-africanos. Na coluna, aparte moçambicana era chefiada por Julius Dzonzi e a sul-africana por Gerald Kondlo. Caminharam da Zâmbia até à província de Manica e Sofala. O grupo será aniquilado próximo de Vila Pery pela PIDE através da infiltração das forças de informação portuguesas.
Outra das acções militares foi o rapto de seis portugueses, a 15 de Janeiro de 1971 na aldeia de Mukandazi, no Zumbo. Absolon Bahule assume a autoria do rapto em Lusaka, a 26 de Fevereiro. Justifica-a utilizando uma linguagem do Livro Vermelho: "A Revolução não é um convite para o jantar" 
Gabriel Machava chefiava o grupo. Depois de consumado o rapto dirigem-se para a base d e Ba Macheka. Durante a longa caminhada, um dos prisioneiros, de nome Joaquim Galineiro Correia, não aguenta o esforço físico da caminhada. Decidem abatê-lo com três tiros. Uma vez chegados à Zâmbia, as autoridades locais  recusam tomar conhecimento do ocorrido e determinam que a Coremo resolva o assunto. Os prisioneiros são de novo encaminhados para perto da fronteira moçambicana e abatidos a tiro.
Esta situação criou um incidente diplomático. Kaunda, nega o envolvimento zambiano e mais uma vez faz um apelo a Lisboa para pôr termo à dominação colonial sobre Moçambique e Angola.
Mas esta acção da Coremo marcou em definitivo o afastamento de Kaunda que, além dos embaraços diplomáticos que lhe foram causados, pelo seu humanismo religioso, era incapaz de aceitar os actos de rapto e de assassínios cometidos.
A última fase da história da Coremo acontece com a adesão de Uria Simango em 1972, na tentativa de criar uma outra credibilidade externa, apostando no nome de Simango, como nacionalista, e procurando estabelecer uma Frente entre todos os dissidentes da Frelimo e uma outra política de alianças externas e mesmo internas de Moçambique. Voltaremos a esta fase.

A independência do Rovuma ao Zambeze

No Malawi, a 5 de Janeiro de 1968, foi constituída a União Nacional Africana da Rumbézia, cuja sigla era UNAR. O seu impulsionador e líder foi Amos Maurício Sumane, ex-pastor numa missão anglicana no Niassa. Seguiu para a Tanzânia, onde ingressou na Frelimo, chegando a desempenhar o cargo de secretário para os Assuntos Sociais. Abandona a Frelimo e junta-se à Coremo, exercendo as funções de vice-presidente. Por pouco tempo. Desinteligências com Paulo Gumane levam-no a abandonar esta organização e a criar um outro movimento, numa aliança estreita com o poder do Drº Kamuzu Banda.
Para se entender a fundação da UNAR, importa recuar ao ano de 1961, em que, com o apoio da então Niassalandia, em vias de se tornar independente como Malawi, se formou a UNAMI, por iniciativa de José Baltazar Costa, também conhecido por "Changonga". A UNAMI vai-se integrar na formação da Frelimo. Tratava-se de um pequeno grupo que contava com a solidariedade política e prática do Drº Banda.
Kamuzu Banda, na sua linha de "alinhamento discreto" necessitava dar sinais de um compromisso com a libertação de Moçambique, e a criação de um grupo político, controlado por ele, permitia-lhe gerir os interesses conflituosos entre Portugal, a Frelimo e a OUA e alimentar o sonho de uma ligação ao mar na reconstrução de um mítico império maravi. Daí a criação da UNAR, que se propunha estabelecer a independência de um novo Estado chamado RUMBÉZIA. Esse território era a região entre os rios Rovuma e Zambeze, composto pelas províncias de Cabo Delgado, Niassa, Moçambique, Zambézia e Tete.
Samora Machel, durante a luta de libertação, como chefe do Departamento de Defesa da Frelimo, deslocou-se várias vezes ao Malawi, não só para tratar de assuntos relativos à organização, como também para demover Kamuzu Banda da sua política de "alinhamento discreto". A 16 de Fevereiro de 1968, acompanhado por Lourenço Mutaca, visita a capital económica, a cidade de Blantyre. Nela reúne-se com o partido único no poder, o Malawi Congress Party e com o ministro da presidência , Albert Mwalo. Inesperadamente, Amos Sumane estava presente nesse encontro, o que desagradou a Machel. Era um sinal evidente do apoio malawiano à causa da UNAR.
Após esse encontro, Machel, reúne-se com a população moçambicana refugiada no Malawi , na zona de Milange, e disserta sobre a UNAR: Todos os que estiveram na Frelimo e se passaram para a Coremo querem agora formar a UNAR, o que é completamente absurdo. Um ou outro militante resolve sair da Frelimo, forma o seu próprio partido, intitulando-se logo presidente. A UNAR diz que é preciso primeiro suspender a luta e depois negociar com os portugueses. Nós não podemos abandonar a luta sem obtermos a independência de Moçambique.
E razão tinha Machel, pois em breve a UNAR declara a sua intenção de negociar com Portugal. A 17 de Abril de 1968, a Embaixada de Portugal no Malawi, recebe Amos Sumane, que ia acompanhado pelo vice-presidente da UNAR, Calisto Trindade, que em Fevereiro de 1966, abandonou a Frelimo da qual era o responsável em Dedza no Malawi.
O representante de Portugal no Malawi coloca a Sumane a questão de saber o que faria a UNAR se o seu governo "fechar as portas a qualquer reconhecimento ou colaboração". Ao que o dirigente da UNAR lhe respondeu: que não tinham qualquer plano. Continuariam a defender o princípio das negociações pacíficas, a condenar o terrorismo e a pugnar pela independência da Rumbézia.
A 27 de Agosto de 1968, Sulmane volta a contactar a Embaixada de Portugal no Malawi. O pretexto era informar as intenções da Frelimo de o liquidar. A real razão era apresentar nova carta para negociações. Nela se afirma: A UNAR não é para criar inimizades  com Portugal ou qualquer outro país, mas esperemos que o Governo português reconhecerá a independência da Rumbézia. Portugal nunca iria reconhecer a independência de uma parte de Moçambique. Nem a UNAR teria qualquer reconhecimento internacional. Em conformidade com o Drº Banda, a direcção da UNAR convoca, a 20 de Março de 1969, uma assembleia, transformando-se em UNAMO, sigla de UNIÃO NACIONAL DE MOÇAMBIQUE. Esquecem a Rumbézia e pensam em Moçambique. A forma de luta mantém-se inalterada. 
Em Julho de 1969, Uria Simango e Joaquim Chissano visitam o Malawi, encontrando-se com Albert Mwalo. este tenta novamente convencê-los da necessidade de a Frelimo fazer una união com a UNAMO. Simango recusa a proposta de se encontrar com Amos Sumane para abordar este assunto.
O papel da UNAR/UNAMO não teve qualquer relevância factual da luta de libertação em Moçambique. Nem mesmo o Drº Kamuzu Banda, seu instigador e financiador, acreditava nos propósitos do movimento. O seu aliado de peso em Moçambique er o Engº Jorge Jardim.

Molimo, Papomo, Fumo e Uria Simango

Para registo, outras organizações de duração passageira, como a MOLIMOsigla do Movimento de Libertação de Moçambique. Sediada no Quénia, fundada em 1970 por Almeida Magaia e Henrique Nhacale, ambos dissidentes da Frelimo. Em carta ao secretário-geral das Nações Unidas, relatam as razões da sua dissidência com a Frelimo e dão a conhecer o objectivo e os propósitos da MOLIMO: a libertação de Moçambique do colonialismo e a negociação do Governo de Lisboa. Escrevem: nós não queremos escorraçar os portugueses do nosso país, porque temos permanecido há 472 anos sob a lei portuguesa e acostumávamos-nos a eles, apesar das torturas, massacres e perdas de vida que nos causaram.
A MOLIMO não teve resposta nem das Nações Unidas nem de Portugal. Teve do Governo queniano, que proibiu a sua actividade em 1971.
N sequência dessa proibição os seus fundadores integram-se noutra organização, a FUMO- Frente Unida de Moçambique, cujo presidente era Narciso Mbule e vice-presidente Vasco Campira, ex dissidente da Frelimo e da Coremo. Também militará no FUMO, o padre Mateus Pinho Gwengere, ex militante da Frelimo
.
Fanuel Mahluza, Mazumgo Dobo e Paulo Gumane, dirigentes da COREMO, numa visita R. P. da China
Adelino Guambe, sempre activo, depois da entrada e rápida saída da Coremo e de uma estada na China, funda, em finais de 1967, o PAPOMO. Não conseguindo autorização para se estabelecer na Zâmbia, fica pelo Malawi. Quem milita no PAPOMO é Leo Millas, personagem misteriosa que esteve na fundação da Frelimo, expulso e acusado de ser espião norte-americano e que manteve uma participação na política moçambicana, mesmo depois da independência, actuando na RENAMO.
Enquanto presidia ao PAPOMO, Adelino Guambe, aproveita outros dissidentes da Coremo, funda, em Janeiro de 1969, na Zambia, o Partido Comunista de Moçambique. Que eventuais relações o novel Partido Comunista teria com o ilegal Partido Comunista Português, que se mantinha activo em Moçambique, com células semiclandestinas na cidade de Lourenço Marques? Com tanta organização em constante era difícil para a PIDE acompanhar todos estes movimentos, sobretudo quando tinha a sanha de tudo e todos controlar.
A 1 de Janeiro de 1968, abre-se a mais forte crise na história da Frelimo. Inicia-se de forma ostensiva pelos ataques pessoais do padre Guwengere a Eduardo Mondlane. Não estava só liderava um grupo. no mês seguinte, por iniciativa desse grupo foi convocada uma reunião extraordinária do Comité Central  da Frelimo solicitando a realização de um congresso. Em Março esse grupo provoca graves incidentes no Instituto Moçambicano em Dae-es-Salam, levando-o ao seu encerramento. A 9-5-1968 é atacada a representação da Frelimo em Dar-es-Salam.
Realiza-se o 2º Congresso em Matcchedje, no Niassa, de 20 a 25 de Julho de 1968, com cerca de 170 participantes. Foi uma importante assembleia política pelas consequências que teve para a história da Frelimo e correlativamente para a história de Moçambique. Além de decisões organizativas, uma das consequências mais importante é a alteração da representatividade do congresso anterior, com o reforço do
Departamento de Defesa na estrutura. Ascenderam ao Comité Central os militares, terminando com a distinção entre os políticos que estavam no exterior do país e os militares que lutavam no interior do país.
Eduardo Mondlane assassinado a 3 de Fevereiro de 1969
,A contestação à linha ganhadora permanece e será abertamente liderada por Uria Simango. A 3 de Fevereiro de  1969 Eduardo Mondlane foi assassinado. Para assumir a direcção da Frelimo, será nomeado pelo Comité Executivo a 11-2-1969, um Comité Presidencial constituído por Samora Machel, Marcelino dos Santos e Uria Simango.Em sessão de Abril de 1969, o Comité Central recusa confirmar Simango como Presidente.
Simango entra em ruptura definitiva  com a estrutura dirigente da Frelimo. Conta com a ajuda preciosa do padre Charles Pollet. 
A 4 de Novembro desse ano, Simango dá tudo por tudo. Convoca uma conferência de imprensa em Dar-es-Salam e distribui um documento redigido em inglês, cuja tradução seria A triste Situação da Frelimo, que teve ampla divulgação na imprensa da capital tanzaniana.
Simango fez a entrega do seu documento ao Governo tanzaniano e ao representante do Comité de Libertação da OUA. A PIDE guardou-o nos seus arquivos para a posterioridade. A crise era fracturante, sem possibilidade de retrocesso. Teria de haver vencedores e vencidos.
No dia seguinte à divulgação à declaração, o presidente Julius Nyerere convocou ao seu documento, para um encontro de duas horas, os membros desavindos do Comité Presidencial da Frelimo. No final não houve qualquer comentário dos participantes.
O secretário-assistente, para os Assuntos de Defesa da OUA, Ahmed Sidky, apelou ao líderes da Frelimopara resolverem as suas diferenças. A revolução moçambicana é essencial e é um dever para o povo moçambicano.
Reunido a 8 de Novembro de 1969, o Comité Executivo decide suspender Uria Simango, aguardando decisão posterior do Comité Central que, em reunião de 9 a 14 de Maio de 1970, determina a sua expulsão sob a acusação de oportunismo, corrupção, irresponsabilidade, não reunindo sequer as condições para ser membro da Frelimo. E que seria submetid à justiça popular em Moçambique. Simango não espera pela decisão do Comité Central. Em Fevereiro de 1970, acompanhado da sua família deixa a capital da Tanzânia rumo ao Cairo, onde fixa residência.
A Família Simango exilada no Cairo
A 30 de Julho de 1971, o Presidente da COREMO, Paulo Gumane, divulga em Lusaka uma nota de imprensa dando conta de após meses e contactos e negociações, da adesão de Simango à Coremo.Uria Simango assumirá o cargo das relações exteriores, dando-lhes uma outra eficácia. Abre-se assim a última fase da Coremo.
De 28 a 30 de Janeiro de 1973 Simango participa no 2º Congresso da COREMO, realizado na base Ba Macheka, na Zambia. Será recebido, na qualidade de dirigente da Coremo, a 6 de Julho de 1974, na cidade da Beira, numa efusiva e concorrida cerimónia preparada por Joana Simeão.

Única e legítima força

Em 1974 existe na luta de libertação em Moçambique um único movimento, a FRELIMO. Legitimada não só pelo seu sucesso na condução da guerra, mas pelo reconhecimento internacional de países de orientações políticas diversas, que não se circunscrevem apenas aos países comunistas.
Inimigos insuspeitos reconhecem esta realidade. O general Arriaga afirma: A FRELIMO prova que é o mais forte dos movimentos e o melhor organizado.

4º Capítulo:  Parte 1:Jardim e as negociações de Lusaka   
O Cerco à Zambia

Quando a 24 de Outubro de 1964 a Zâmbia  se tornou independente, estava literalmente cercado por estados hostis "do poder branco". Nas suas linhas de fronteira alinhavam-se de forma imperial- Angola, Moçambique, Zimbabwe e Namíbia. Estados amigos fronteiriços eram apenas o Malawi e a Tanzânia.

Apesar da extensa linha de fronteira e dos condicionalismos económicos, Kenneth Kaunda não hesitou em prestar aos movimentos nacionalista da África Austral um apoio frontal, permitindo-lhes não só a abertura de representações, como de campos de treino militar e a passagem de homens e de material de guerra para as zonas de combate.
Esta decisão de todos acolher,fazia parte da politica humanista e religiosa de Kaunda e enquadrava-se nas linhas mestras da sua política externa, assente no não-alinhamento e em amplos consensos.
A Zâmbia tendo uma posição charneira no contexto regional irá pagar um elevado preço pelo apoio à do movimento de libertação da África subsaariana. Kaunda tentou sempre soluçoes diplomáticas  para resolver os vários conflitos em que indirectamente estava envolvido. A partir de Outubro de 1965 estabeleceram-se contactos como Governo de Lisboa ue duraram até aos finais do regime colonial.
Mark Chona, assistente pessoal de Kaunda para as relações externas, foi quem esteve nessa Frente diplomática Zambiana. Franco Nogueira, ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar, dá conta do encontro que teve com Chona, nos finais de 1965, e da troca de correspondência entre Salazar e Kaunda.
O Drº Kaunda sempre pensou que Salazar tinha considerado as suas ofertas de ajuda com "superior desdém"
Os contactos entre Chona e diplomatas portugueses foram-se mantendo durante todo o consulado de Marcelo Caetano, em locais tão diversos como Londres, Otava, e Nova I. Longe iam os tempos salazaristas da intransigência de que a "pátria não se discute".

O Vietname africano 
Ian Smith
Nos inícios de 1973 nunca a generalização do conflito na África Austral aos regimes do poder minoritário esteve tão próximo de acontecer. Tudo começou num conflito de fronteira. Ian Smith, primeiro ministro da Rodésia, decidiu às 22.00 horas de 9-1-1973 encerrar as fronteiras com a Zâmbia. A justificação desta insólita sanção resultou da morte de dois polícias sul-africanos  em território rodesiano.
Em consequência das decisões de Salisburia, a Zâmbia endureceu posições: suspendeu todas as exportações pelo porto da Beira e fez deslocar tropas para junto da fronteira com a Rodesia. Neste quadro de equilíbrios delicados, a tensão política aumenta quando trpoas zambianas disparam, a 19-1-1973, contra um navio patrulha sul-africano e uma vedeta da Tanzânia é atingida pela artilharia malawiana. Os atiradores estavam nervosos.A Zâmbia preparava-se para enfrentar um ataque militar em larga escala das tropas rodesianas.
Neste cenário, as chancelarias diplomáticas ocidentais moveram-se com rapidez e eficácia, tentando evitar a escalada do conflito e muito trabalharam os britânicos. Até porque o Governo Britânico continua com uma responsabilidade constitucional sobre a Rodésia. Apanhado em falso e frente às pressões internacionais, Ian Smith decide reabrir as fronteiras no dia 4-2-1973.
A crise da Zâmbia, além de pôr a nu a fragilidade da sua economia, provou as relações económicas incestuosas da região. O regime rodesiano exportava carvão para a Zâmbia. O cobre zambiano transitava pela Rodésia do Sul. Os interesses minerais de um e do outro lado da fronteira pertenciam à mesma empresa: um conglomerado sul-africano, a Anglo-American Corporation.
Já depois de reaberta a fronteira entre a Zâmbia e a Rodésia, Kaunda anunciava em Lusaka. A Zâmbia já avisou várias vezes que um conflito tipo Vietname tem vindo a tomar forma na África Austral. É com prazer que afirmo que estamos a dar os primeiros passos na marcha para a tragédia do Vietname.
O Governo português não perdeu esta oportunidade para "auxiliar" a Zâmbia  no escoamento do seu tráfego a troco de apoio político. Tal como Salazar, Marcelo Caetano encarregou Jorge Jardim de se aproximar do Governo de Lusaka oferecendo-lhe facilidades através dos portos da Beira e benguela, tentando obter em troca restrições do apoio zambiano à Frelimo e ao MPLA e UNITA.
A situação militar tinha-se tornado mais crítica na província de Tete. A superioridade da aviação portuguesa estava abalada depois da queda, a 15-3-1973, de um caça da Força Aérea, abatido por um míssil soviético Strella. Além dos misseis Strella, operados por um só homem, a Frelimo passou a dispor de lança-foguetes de 122m/m, com um alcance de 11 milhas, operados por três homens, com os quais atacaram Tete e Mueda.
Os temíveis STRELLA

 Os militares haviam recebido treino em Simperopol na Ucrânia. O espectro da imobilização da aviação pairava sobre um território muito mais extenso do que a Guiné Bissau, onde já existiam.                    Mariano Matsinhe, figura histórico da luta de libertação em Moçambique, juntou-se à Frelimo, em 1963. Exerceu as funções no Departamento da Organização do Interior e depois enviado para a Zâmbia em representação  desta organização 

Matsinhe, representante da Frelimo na Zâmbia fora enviado por Eduardo Mondlane para aquele país com a missão de fortalecer a posição da Frelimo na Zâmbia.
Matsinhe, lembra os tempos em que, na capital zambiana, havia dois outros movimentos nacionalistas que reivindicavam a sua legitimidade política, o MANC e a COREMO.
General Mariano Matsinhe aos 72 anos de idade
A utilização dos misseis fez com que Mariano Matsinhe fosse chamado às chefias militares da Zâmbia, onde recebeu fortes críticas. Através de Inglaterra, o estado-maior zambiano fazia eco dos protestos do Governo de Lisboa.


Banda e a FRELIMO: as relações úteis.

Já foi referida a política de alinhamento discreto adoptada sob a governação do Drº Banda. Dentro desse princípio, o Malawi sempre permitiu que a Frelimo tivesse uma representação e exercesse uma actividade política no seu território, se bem que sujeita a restrições.

O seu primeiro representante foi Chico Lourenço, que desapareceu misteriosamente em 1967, obrigando a que uma delegação chefiada por Feliciano Gundana viajasse de Dar-es-Salam para Blantyre, com o objectivo de indagar do seu paradeiro. Confirmada a sua ausência será substituído por Bonifácio Gruveta.
A 9-3-1967, Gruveta  acompanha a visita do vice-presidente Uria Simango, a Blantyre. Num encontro o reverendo Simango comenta a política de alinhamento discreto. O Governo do Malawi já nos autorizou a entrar com os nossos militantes. É do conhecimento de todos que há relações íntimas entre Portugal e o Malawi, não obstante o  Malawigosta de ter notícias da Frelimo.Temos autorização para ficar aqui e deixam-nos estabelecer o nosso departamento em Limbe. Podemos dizer que o Malawi é amigo de Portugal e da Frelimo.
No entanto, como é regra, o equilíbrio político tende sempre a pender para um dos lados. E foi o que sucedeu. Em Março de 1971, ano em que Banda se declara presidente para a vida, ordena uma rusga policial em colaboração com os Young Pionneers dirigida aos militantes da Frelimo. Serão feitos prisioneiros vários membros desta organização. Entre eles Bonifácio Gruveta, que será encarcerado durante meses no pavilhão dos condenados à morte. Foram necessários longas negociações para que Gruveta escapasse à forca. O último representante da Frelimo no Malawi  será Olimpo Vaz, que teve uma missão bem difícil com os elementos do Special Branch, os serviços de informação malawianos, ameaçando por diversas vezes de detê-lo, por motivos que só a polícia poderia esclarecer.
Ao cada vez mais nítido alinhamento do Governo do Drº Banda com a política de Lisboa não serão estranhos os resultados da luta de libertação com a reabertura da Frente de Tete: a guerra estava nas fronteiras do Malawi.
Kamuzu Banda passa a receber  com regularidade signatários dos regimes do poder branco, como os ministros dos Negócios Estrangeiros português, Franco Nogueira e o sul-africano Muller. Mesmo  um dos mais esclarecidos governadores de Moçambique, o Drº Baltazar Rebelo de Sousa, não perdeu a oportunidade de fazer uma longa visita de Estado ao Malawi. E até o general Arriaga segue os mesmos caminho da peregrinação rumo a Zomba, antiga capital do Malawi
Neste jogo de equilíbrios da política de alinhamento/ desalinhamentos, quem desempenhou um papel fundamental foi o Engº Jorge Jardim. Agiu de moto próprio. Desentende-se com o embaixador de Portugal no Malawi, Drº Fscher Pereira.
A intensificação da luta armada e a sua extensão à província de Manica e Sofala, a partir dos inícios de 1973, com ataques contra a linha férrea que ligava a Beira ao Malawi, desencadeou uma ainda maior colaboração entre Banda e Jardim, ciente de que a anunciada autonomia progressiva do Ultramar português em nada de concreto resultava senão no alastrar da guerra. A via aberta por Marcelo Caetano para que Jardim fizesse uma aproximação a Kaunda, em consequência da crise de 1973, será aproveitada para outros voos que não os da logística de um país interior

Jardim entre Kaunda e Banda

O processo e a forma como Jardim se aproximou do presidente zambiano, encontram-se suficientemente pormenorizados no seu livro "Moçambique Terra Queimada".
Quando a 23 de Julho de 1973 Jorge Jardim deixa o aeroporto de Chileka, em Blantyre, com destino a Lusaka, a fim de iniciar as suas negociações, o embaixador norte-americano no Malawi, William Burdett, foi chamado pelo presidente Banda para uma longa conversa sobre novos desenvolvimentos em Moçambique. O Dr. Banda estava relaxado e jovial e relata-lhe que Jorge Jardim havia acabado de partir para Lusaka para se avistar com o vice-presidente Mainza Chona (irmão de Mark Chona). A razão da viagem: resolver problemas de escoamento de tráfego via Nacala.
Decerto sabedor de algum plano prévio e, sobretudo , conhecedor da refinada astúcia de Banda , o embaixador questiona-o sobre se a viagem de Jardim não envolveria outras matérias de negociação entre as autoridades moçambicanas e zambianas. Era a ocasião pela qual Banda esperava. Confirma-lhe que sim e adianta que Jardim estava muito interessado em trabalhar em alguma espécie de acordo com os negros de Moçambique. Ele não negociará com a Frelimo, nem Caetano concordaria com isso. Mas Jardim falava em nome de cidadãos desertores da Frelimo, incluindo pessoas importantes que recentemente desertaram desertaram da Frelimo, sem no entanto referir nomes.
Quando o embaixador norte-americano questiona a legitimidade de Jardim para negociar, Banda é peremptório: Jardim é quem manda em Moçambique. Critica a tese vigente nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha de que os problemas da África Austral eram entre negros e brancos.
Como lhe competia, William Burdett enviou um telegrama ao Departamento de Estado, em Washington, na altura dirigido por Henry Kissinger. A extensa rede de informações americana passa a estar alerta para este assunto.
Mark Chona
Dois dias depois da primeira ronda entre Kaunda e Jardim, a embaixadora dos Estados Unidos na Zâmbia, Jean M. Wilkowski, procurou Mark Chona a fim de se inteirar do modo como haviam decorrido as conversações com Jardim. O assistente de Kaunda confirma-lhe os encontros havidos com o presidente e com o ministro de Estado da Presidência, Aaron Millner. Jardim havia impressionado os zambianos como uma pessoa poderosa.
Chona explicou à diplomata  que a Zambia não pretendia interferir nos assuntos internos moçambicanos e que o encontro com o engenheiro se enquadrava numa posição assumida pela Zâmbia já há alguns anos e que proporcionara a constatação de que a posição portuguesa não era ainda positivas de que as reformas de Caetano não eram nem impressivas nem nem suficientes. No entanto ficou indefinida a posição da Zâmbia quanto à Frelimo, embora Chona admitisse que pudesse desempenhar  um papel em futuras negociações com o governo português.Termina perguntando à embaixadora se não havia outro Jardim por Angola. Por seu turno, o embaixador Burdett leva a cabo idêntica missão junto do presidente Banda. este não lhe deu pormenores, mas classificou a missão de Jardim como um grande sucesso para o Malawi e que estava genuinamente satisfeito com o que havia transpirado de Lusaka.
Regressado a Lourenço Marques, Jorge Jardim confidenciou num jantar a 2-8-1973, ao cônsul norte-americano, Van Oss Hendrik, que havia estado em Lusaka e que se tinha reunido com Mark Chona e com Aaron Millner. Oculta~lhe no entanto o encontro havido com Kaunda. 
Engº Jorge Jardim

E não esconde ao que foi. afirma-lhe que havia tornado claras as linhas de separação entre o relacionamento da Zâmbia e a Frelimo, e as relações entre Moçambique e Lisboa. Essa clarificação, segundo Jardim, devia-se ao facto de uma grande maioria da população moçambicana não ser representada pela Frelimo. O diplomata retorquiu-lhe que a Frente de Libertação actuava como representante dessa larga maioria. 
O cônsul confronta Jardim com o cerne da questão, ou seja, a posição da Frelimo nas negociações que estavam a decorrer na Zâmbia. Este  responde-lhe que se líderes da Frelimo pretenderem negociar, deverão falar com os moçambicanos que estão em Moçambique e não com Lisboa. Ou seja, coloca duas agendas.Uma a da autoridade governamental; outra a sua.
A 10-03-1973, a Embaixada dos Estados Unidos na Zâmbia relata a partida de Paulo Gumane, presidente da Coremo, para Washington e a chegada do Engº Jorge Jardim à capital zambiana. Desenconcontros. Provavelmente Gumane nunca se teria encontrado com Jardim. A 24 desse mês, o embaixador Burnett tem um novo encontro com o presidente Banda. Havia que actualizar a informação. A única novidade substancial era a sugestão  de Kaunda para promover um encontro com dirigentes da Frelimo.
Este não recusa o encontro mas, estranhamente para um negociador, impõe condições: as conversações deveriam ser secretas e só poderiam ter lugar se os senhores da Frelimo viessem desarmados e participassem não na qualidade de  representantes da organização, mas a título individual. O Governo de Portugal teria só o estatuto de observador. Esta atitude revela a fragilidade e a hesitação de Jardim nas negociações. 
As visitas de Jardim à Zâmbia terminam no dia 10 de Outubro de 1973. Meses depois, a 3 de Maio de 1974, Mark Chona deu conta ao embaixador norte-americano na Zâmbia, de que as iniciativas feita com Jorge Jardim foram subsequentemente comunicadas ao Governo de Caetano em Portugal. Em Janeiro de 1974, os portugueses informaram que não tinham problemas com os mecanismos propostos.
Kenneth Kaunda, Presidente da Zâmbia
Todo o dossier da aproximação de Jardim a Kaunda para negociar um processo com vista à independência de Moçambique suscita várias questões. A primeira é como entender que se tenha passado para o "outro lado", utilizando a sua própria terminologia; como um defensor intransigente do império colonialse transformou num nacionalista moçambicano?
A tese mais simplista para explicar como Jardim se passou para o "outro lado" tem como ponto de partida o iminente colapso militar em Moçambique, patente no afastamento em 31-7-1973, do general Kaúlza de Arriaga, de comandante-em-chefedas Forças Armadas.Jardim terá concluído que a guerra estava perdida e que o único passo a seguir seria negociar enquanto era tempo. 
Não o teria alertado Marcelo Caetano em Agosto de 1973 ao colocar-lhe a questão:Você já pensou no que fará se houver um colapso militar em Moçambique? Pois será bom que pense.
O modelo político do Malawi do Drº Banda fascinou-o. As lições que Jardim retira do Malawi são um exemplo do que se poderia estabelecer em Moçambique, um país independente sem os erros suicidários da minoria branca da Rodésia do Sul, mantendo as ligações a uma comunidade lusíada integrando na governação elementos de raça negra em quem já havia apostado.

Terminada a fase negocial, com a produção de um documento de princípios da Zâmbia para uma independência de Moçambique competia a Jardim obter a aprovação do Governo português para a implementação dessa proposta, já que Kaunda insistia para que fosse tudo legal e sempre contrariou as fugas em frente, como um golpe de Estado secessionista que Jardim se dizia preparado para fazer. Por seu turno, competia a Kaunda, como m

A FRELIMO, Kaunda e Jardim:
quem negociou o quê?

Kaunda abordou os dirigentes da FRELIMO sobre as suas aproximações a Jorge Jardim, a 27 de Julho de 1973. Nessa data teve uma reunião em Lubumbashi que reuniu os presidentes do Zaire, da República Popular do Congo, da Zâmbia, e da Tanzânia, com os dirigentes do MPLA, da FNLA e da FRELIMO. A delegação moçambicana era chefiada por Samora Machel e integrava Joaquim Chissano, então chefe dos serviços de segurança.

Na viagem de regresso,Kaunda fez questão de a delegação moçambicana viajasse no seu avião. Foi durante a viagem que o presidente zambiano informou Machel e Chissano dos contactos que já havia estabelecido com Jorge Jardim.
Joaquim Alberto Chissano recorda esse episódio na viagem de Lumumbashi: Nós vínhamos de uma viagem de uma missão tipo da futura linha da frente, em que participaram o Agostinho Neto, Holden Robert, Kenneth Kaunda, Marien Ngoubi, o próprio Mobutu e nós como convidados. Combinámos que voltaríamos com o presidente Kaunda no seu avião. Foi durante a viagem que o Kaunda nos falou de um moçambicano branco que queria apoiar a FRELIMO. E continuou: A Zâmbia estava aterrorizada com os mísseis do tipo SAM7, que nós vulgo Strella e acusava-nos que nós estávamos a utilizar mísseis que passavam pela Zâmbia. E estavam em sérias dificuldades devodo ao seu isolamento, sendo obrigados a utilizar as linhas da Beira e de Benguela.
Era por isso que estava a servir de mediador e intermediário entre as autoridades de Moçambique e da FRELIMO para criar um clima de uma negociada. Assim que nos fala da pessoa em questão, nós imediatamente o identificámos. Era o Engº Jorge Jardim. O nosso serviço de informação já nos tinha alertado para as movimentações de Jorge Jardim em Lusaka.
Que ajuda  propunha Kaunda à FRELIMO? Encontrar mecanismos negociais para acabar com a guerra.
Coluna militar da Frelimo, no interior de Moçambique, dirigido por Joaquim Chissano
Joaquim Alberto Chissano o seu testemunho: Ouvirmos o que ele queria não ns custava nada. Desde o início da fundação da FRELIMO dissemos que queríamos negociar com o Governo português. O presidente Samora Machel encarregou-me a mim a e ao Óscar Monteiro para termos contactos com o Mark Chona, a fim de analisar a proposta. Passámps a ter contactos regulares com ele. Não foi uma resposta de um dia, mas de vários encontros.
Foi Chissano quem recebeu a primeira proposta da Zâmbia, com a anuência aos pontos de vista de Jardim. O futuro presidente de Moçambique recorda que: O Kaunda tinha um papel de mediador e queria encontrar uma solução qualquer para acabar com os problemas que tinham. Era útil para eles e pensaram que o Jardim pudesse ser alguém que lhes pudesse facilitar uma saída. Chissano entregou pessoalmente a proposta a Machel, para análise de um grupo muito restrito.
Nessa proposta considera-se a existência de duas FRELIMOS- a "de dentro" e a "de fora". A diferença era entre aqueles que estavam no combate armado (a de fora) e os simpatizantes e militantes internos que não lutavam com armas (a de dentro). Os nacionalistas "de fora" eram representados pela FRELIMO. Os "de dentro" eram aquilo a que Jardim chamava a "Frente interna" afirmando-se seu líder.
Adianta-se que na origem dessa dictomia e por razões de estratégia regional, devido ao poder branco da região, a FRELIMO "de fora" não deveria integrar um governo de coligação. A FRELIMO "de fora" deveria concretizar um cessar-fogo e prosseguir-se com o plano de independência, necessariamente a prazo.
Kaunda pretendia mesmo que os dirigentes da FRELIMO fizessem um frente-a-frente com Jorge Jardim. Afirma-nos Chissano: Queria que nos sentássemos com ele e negociássemos. Mas nós nunca queríamos negociar com uma pessoa que não tivesse mandatado para tal. Nós sabíamos que ele estava a travar os sucessos que nós estávamos a ter. 
Nunca ao longo deste processo houve encontros entre a delegação da FRELIMO e Jorge Jardim, ou Pombeiro de Sousa, seu homem de confiança, que sempre o acompanhou nestas andanças. Chissano afirma categoricamente que: Nunca nos encontrámos pessoalmente com Jardim.
Existem diferentes versões de quem Samora Machel mandatou para analisar a proposta de Jardim. Não resta qualquer dúvida de que Chissano foi o homem chave. Ele afirma que trabalhou com Óscar Monteiro. Sérgio Vieira reclama ter tido também uma intervenção na análise desses documentos.
Óscar Monteiro
Óscar Monteiro recorda as propostas e contrapropostas, tendo inclusivamente feito um quadro, numa espécie de matriz, em que se registava o que era aceitável ou inaceitável, em sucessivos encontros, com Mark Chona a servir de ponte. Com base nesse quadro apresentou uma proposta final à consideração de Machel.
Algumas questões de fundo se suscitavam para a FRELIMO: qual era o mandato de Jardim para negociar? Actuava em nome de quem? Do Governo de Marcelo Caetano, como os intermediários zambianos o afirmam, tendo inclusivamente o apoio do ultra Kaúlza de Arriaga? Ou em seu próprio nome? Havia estes mistérios para esclarecer. Se esse ponto poderia ser ultrapassado, a questão seguinte seria inultrapassável.
De facto, a dictomia entre Frente "de fora" e " de dentro" era uma análise completamente irrealista e contrária à correlação de forças no terreno. Sérgio Vieira comenta: A proposta de Jardim, com uma FRELIMO "de dentro" e uma FRELIMO "de fora" não fazia qualquer sentido. Que critério era esse "de dentro" e "de fora"? Quem estava dentro e fora? Significaria que ods "de dentro" eram quem estava na prisão? E onde estávamos a lutar, seria por acaso na Gronelândia?.
Sérgio Vieira
Para mais, Vieira avança que a proposta era completamente inaceitável, do ponto de vista da conjuntura da própria luta. A nossa resposta foi entregue em finais de 1973, quando estamos na ofensiva generalizada em todas as Frentes. Tínhamos não só consolidado a Frente de Manica e Sofala, como estávamos a preparar a abertura da Frente da Zambézia. Era nossa intenção, em 1974, que o falecido general Fernando Matabele passasse o rio Save.
Formalmente a resposta da FRELIMO foi entregue a Kaunda, com conhecimento prévio de Julius Nyerere. Não se fechavam as portas à continuidade das negociações. Colocavam-se questões de fundo, que necessitavam de uma completa reformulação e reconhecimento de princípios do mandato negocial, passando a depender de Jardim. A posição da FRELIMO, não desagradava a Kaunda, cioso de encontrar alternativas pacíficas. A FRELIMO sempre quis negociar com as autoridades portugueses os mecanismos de transferências de poder.
Simultaneamente, a FRELIMO ao negociar indirectamente com Jardim, líder confesso de um hipotético movimento secessionista, permite-lhe não só conhecer a sua agenda, como controlar os seus movimentos.

Os controversos "papéis"

É neste contexto que Marcelo Caetano recebe Jardim na sua residência em Lisboa no final da manhã de 17 de Abril de 1974.
Jardim dá conta a Marcelo dos seus contactos e diligências com o Governo da Zâmbia, iniciados em Julho de 1973, seguindo as recomendações do professor que o havia encorajado a prosseguir os contactos pesquisando a viabilidade de soluções honrosas. Traz-lhe parte da missão cumprida, apesar da descrença Marcelo de um entendimento negociado. Apresenta-lhe "dois papéis" que continham o programa o "Programa de Lusaka", em fotocópia dos originais.
Formalmente eram uma proposta do Governo da Zâmbia, de 12 de Setembro de 1973, contendo o ponto de vista da Zâmbia na evolução dos territórios africanos portugueses. Mas para Jardim tratava-se das bases de um acordo com vista ao processo da independência de Moçambique, que haviam merecido a prévia concordância dos governos da Zâmbia, do Malawi, da Tanzânia e da própria FRELIMO. 
Já no exílio Marcelo Caetano escreve a 21-3-1978 que o Protocolo de Lusaka, como Jardim o chamou, havia sido traiçoeiramente conluiado por Jorge Jardim, à sombra de uma missão de mera informação. 
No entanto, Marcelo Caetano tinha conhecimento do "Protocolo de Lusaka", cuja versão lhe fora enviada pelo próprio Jardim, a 12 de Setembro de 1973, ou seja, seis meses antes do encontro em Lisboa. Acresce que o mesmo texto foi também enviado ao chefe do Governo português pelo Governo da Zâmbia. Em Janeiro de 1974, na State House de Lusaka, foram recebidas indicações de Lisboa  que não tinham problemas com o mecanismo proposto., conforme relato de Mark Chona ao embaixador norte-americano acreditado na capital zambiana.diador e figura próxima de Julius Nyerere, fazer a aproximação.

5º Capítulo:  Parte 1 A Terceira força e o ovo da serpente.




Miguel Marrupa e Kaúlza de Arriaga. Um aperto de mão à distancia.
  A UDI moçambicana

Entre a minoria branca , sobretudo a nascida e criada em Moçambique, havia sonhos confessos de uma independência branca.
A quimera da "independência branca" cresceu sobremaneira quando Ian Smith, um fazendeiro e um parlamentar, declarou a independência unilateral (UDI) da Rodésia do SUL, em Novembro de 1965.
Mas a província ultramarina de Moçambique não era a colónia da Rodésia do Sul, uma das pérolas do extenso império britânico.
Acresce que a colónia da Rodésia tinha sustentabilidade técnica, económica e financeira que permitiu, perante a certeza do fim da colónia, que a minoria branca, ou grande parte dela, percebesse que uma independência representaria o fim de muitos dos seus privilégios de raça e nunca se mostrasse interessada a ceder ou partilhar o poder que já exercia.
Não era o caso de Moçambique. Para a maioria dos portugueses residentes em Moçambique havia sólidos cordões umbilicais que a ligavam à mãe-pátria. A sua principal razão de permanência era fazer dinheiro para um dia voltarem ao seu país.
Por último, havia uma guerra de libertação em Moçambique. muito mais intensa do que na Rodésia do Sul. Era uma força imparável com apoio nacional, regional e internacional.
A possibilidade da UDI foi hipótese nunca descurada pela FRELIMO. Em 1967 entende que se tratava de uma impossibilidade material, porque os colonos independentistas ficariam privados dos meios militares de repressão que Portugal fornece. Seriam forçados a apelar, por exemplo, para a África do Sul.
A partir de 1970 os dirigentes da FRELIMO seguem com maior atenção essa possibilidade, atendendo às múltiplas agendas no xadrez político, que implicaria uma alteração de equilíbrios com a entrada de forma aberta no conflito da Rodésia do Sul, a posição interventiva da África do Sul e as várias agendas internas que, na região, abertamente se desenhavam e procuravam afirmar-se.

A PIDE e a BOSS: as secretas alianças

Desde os início da luta de libertação que os serviços de informação do eixo Pretória-Salisbúria-Lourenço Marques trabalhavam conjuntamente , desenhando planos para o combate à luta dos movimentos de libertação e aos países da África Austral que os apoiavam, conscientes da regionalização do conflito.
A poderosa BOSS, sigla de: Bureau of State Security, fundada em 1969 e chefiada pelo general Hendrick Johannes Van den Berg, o tall man, tal era a sua altura, vem a ter um papel relevante na política moçambicana da época e, sobretudo, depois da independência nacional. É pois uma figura a considerar.
John Vorster e Marcelo Caetano
As relações de Portugal, sob a batuta de Caetano, e a África dos Sul de B.J.Voster não eram as melhores.
O regime minoritário sul-africano sempre se considerou como representante de uma tribo branca, estabelecida em 1652, enquanto os outros regimes do poder branco na África não passavam de simples colonatos. Era a superioridade da raça. E o Governo de Lisboa sempre entendeu que praticava uma política imperial de tipo diferente: defendendo a multirracialidade, em vez da discriminação racial.
Esses antagonismos agravam-se com os sucessos militares dos guerrilheiros da FRELIMO, na Frente Tete. A guerra passa a estar demasiado próxima, pondo em causa a segurança da África do Sul. Moçambique era um Estado-tampão.
Voster visitou Lisboa em Junho de 1970 e não guardou de Marcelo Caetano uma boa imagem como político. Comenta aos seus próximos: Caetano era um típico professor de Direito e impressionou-me mais como académico do que como político.

As Secretas brancas

A 15 de Julho de 1969, Van den Berg encontra-se em Lisboa para uma reunião com a direcção da PIDE. Estão também presentes São José Lopes e António Vaz, chefes em Angola e em Moçambique. Para além da partilha de informações, a BOSS, faz ofertas de forma generosa, de material de guerra directamente à sua congénere, que não só aceita, como pede maior apoio.
As divergências entre a BOSS e o CIO ( serviços de informação da Rodésia) terão reflexo nessa aliança trilateral. Era visível a rivalidade entre os ex-reformados ingleses que controlavam o CIO e a elite bóer sul-africana que dominava a BOSS.
Apesar destes desentendimentos, os encontros entre as direcções das "secretas" brancas vão-se sucedendo. Em Fevereiro de 1971 reúnem-se formando uma comissão permanente, constituída por dois elementos de cada serviço de informação
Desenham-se acções estratégicas, conforme se lê num relatório "muito secreto" elaborado pelo inspector Óscar Lopes, da PIDE, que dirigia as operações especiais. Era essencialmente um plano de acção contra a Zâmbia, país de charneira dos movimentos de libertação, enunciando-se uma série de medidas económicas com vista à asfixia de um país sem litoral.
Finda a reunião em Salisbúria, o inspector Óscar Lopes ruma para Pretória, a fim de se avistar com Van den Berg. O que sucedeu a 20 de Julho . Dá-lhe conta de que os rodesianos se queixam amargamente da falta de acção do BOSS

As confissões de "Lang Hendrick" em Lourenço Marques.

Van den Bergh, visita Lourenço Marques de 6 a 12 de Novembro de 1972. Não era uma novidade. A sinistra Vila Algarve, ainda hoje habitada por fantasmas, terá sido um dos locais dos encontros.
Na reunião de balanço da visita, Van den Bergh fez vários confissões aos seus colegas da PIDE. Fala o que lhe vai na alma.Começa por relatar o desagrado do regime de Salisbúria face à deterioração na província de Tete. Continua dizendo que Ian Smith, sem prévio consentimento do Governo de Lisboa, pretendia enviar forças armadas doseu regime para lutarem directamente na província de Sofala contra forças aguerridas da FRELIMO. Todavia, os seus intentos não foram avante, pois o director da BOSS e o seu primeiro ministro conseguiram dissuadir Ian Smith de prosseguir com essa acção.
Magnus Malan, P,W. Botha e o almirante Bierman
Van den Bergh revela os desentendimentos entre a BOSS e o ministro da Defesa, P.W. Botha, apoiado pelas chefias militares do general Magnus Malan e do almirante Bierman, que reclamavam uma maior intervenção armada da África do Sul. Botha, futuro sucessor de Vorster , critica publicamente Van den Bergh que não passava de um astuto oficial de polícia.
Nas suas confissões, o chefe da secreta sul-africana, revela ainda a desconfiança que tinha da lealdade da sua congénere da Rodésia, acusando-a de manter estreitas relações com os serviços similiares ingleses e zambianos.
Havia uma visão diferente a BOSS e o CIO sobre a metodologia de combate aos movimentos de libertação . Os rodesianos pugnavam por mais acção, feita pelas suas próprias forças, e uma intervenção militar directa na província de Tete. Já o s sul-africanos apostavam nas tropas especiais criadas e dirigidas pela PIDE, os "FLECHAS".
Van den Bergh  promete auxílio financeiro para 450 homens. A PIDE pede-lhe para pagar os vencimentos, solicitação recusada pelo sul-africano.
Certos autores ( Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes) sustentam que os "FLECHAS" nunca operaram em Moçambique. Infelizmente actuaram. Cite-se o temível inspector Joaquim Piçarro Sabino, da PIDE, que relatou ao adido de defesa britânico, que finalmente a DGS tinha sido autorizada a recrutar e trinar "flechas", na província de Tete. Em meados de 1973, esta organização paramilitar actua nas proximidades de Vila Pery.
Neste clima de confissões, a PIDE aproveita a intervenção do chefe da BOSS junto do seu primeiro ministro para que este,por sua vez, defendesse junto de Caetano a constituição de uma forte força policial sob controle da DGS que progressivamente substituísse as forças armadas. Pedido que revela o seu sentimento sobre a moral combativa das provas. A PIDE pretende ser ala a fazer a guerra.

O "Lang Hendrick" e a queda de Marcelo

Mas não era só a BOSS e o regime de Smith que estavam apreensivos com as operações crescntes da guerrilha em Tete e com a sua extensão a Manica e Sofala. Havia um pânico do  regime rodesiano, conforme foi formalmente transmitido , pelo almirante Bierman, ao embaixador português em Pretória, Menezes Rosa.
Hendrik Van den Berg sempre se orgulhou de apresentado à CIA, em 1973, um relatório em que previa o iminente colapso português em Moçambique e Angola. Ou Caetano abandonava as colónias ou seria destituído por um inevitável golpe de Estado. Para o general, a CIA não deu a atenção devida a esta sua certeira ante-visão.
Com base na certeza de que o poder do Governo de Lisboa estava condenado ao fracasso, em Janeiro de 1974 Van den Berg faz saber a São José Lopes , figura de proa da PIDE , que era grande a apreensão do Governo sul-africano sobre a situação em Moçambique. Ken Flowers, director dos serviços de informação da Rodésia, contactou-o para estudarem a possibilidade de se acordar uma acção conjunta com as autoridades portuguesas no sentido de, a partir da estrada e linha férrea Beira/Vila Pery, se efectuar uma
Ken Flowers
operação de limpeza de ambos os lados da fronteira no sentido sul/norte, ao mesmo tempo que o exército português desenvolveria um maior esforço na interdição da fronteira da Zâmbia.

A frente Interna

Com a morte anunciada do sistema colonial, na chamada Frente interna, Jardim não é o único a movimentar-se. Existiram outras forças que tentaram a sua oportunidade. Entre elas está a superactiva Drª Joana Simeão.
Joana Simeão
A moçambicana era visita frequenta da missão diplomática dos EUA em Moçambique. 2410-1973 , o cônsul norte-americano MacDougall recebe-a em sua casa para uma conversa que durou mais de duas horas.
Joana deu-lhe conta da formação do GUMO, dos contactos de Máximo Dias em Lisboa, que assumiaa presidência do grupo.
Critica alguns dos candidatos locais à Assembleia Nacional  (Felisberto Machatine, Assahel Mazula e Domingos dos Santos Xavier) ao mesmo tempo que elogia outros que forçosamente tinham simpatiad para com o GUMO (Tito Jeque e Almeida Penicela). e é impiedosa no que se refere ao Dr. Miguel Artur Marrupa, negando qualquer ligação ao advogado Domingos Arouca, porque não queri ser manchada de acusações de ligação aos comunista ou à oposição portuguesa. Através de uma filha do industrial português António Champalimaud tinha obtido o seu apoio, e afirma que nessa semana se iria encontrar com Jorge Jardim.
O encarregado da missão diplomática em Lourenço Marques, Van Oss Hendrick, duvida da genuinidade da Drª Simeão. Entendo que o GUMO deve ter cobertura portuguesa, talvez mais do que Simeão pensa e recomenda a Washington que espere, não só para aliviar a capacidade d sobrevivência do grupo, mas sobretudo pela prova do apoio português.
Joana Simeão, numa carta "muito secreta" descreve o encontro havido com Jorge Jardim a 22 de Outubro de 1973 para um revisão total do panorama de Moçambique. Jardim esconde-lhe as suas negociações de Lusaka e recusa a sua participação no GUMO por ser prejudicial, ficando a dúvida se o prejuízo era para ele ou para o grupo.
A PIDE sabe do encontro havido entre Joana Simeão e Jardim e também do convite para este integrar o projecto do GUMO.
Jorge Jardim teria pedido 3 dias para reflectir e a 25 do mesmo mês partiu da Beira para Inhambane para conferenciar com o Drº Domingos Arouca.
Dr. Domingos Arouca
A 3-7-1973, o Drº Domingos Arouca, o primeiro advogado negro moçambicano ( Arouca é um caso paradigmático como um cidadão negro poderia concluir a formação universitária. Enfermeiro no Hospital de Mambone, sempre quis seguir os seus estudos. Fez diligencias várias. Valeu-lhe a sorte de ter ganho a lotaria da Federação das Rodésias e o empenho de seu pai num negócio de destilarias. Com esse dinheiro seguiu para Portugal onde completa os estudos secundários e posteriormente o curso de Direito em 1960), regressa ao seu país, depois de ter cumprido oito anos de cadeia nas prisões da PIDE em Portugal. Foi preso a 29 de Maio de 1965, um dia depois da cerimónias comemorativas do 28 de Maio, data emblemática do início do Estado Novo. Arouca havia sido intimado a comparecer, como forma de rendição, a essas celebrações. Meses antes haviam sido presos o pintor Malangatana Valente, os escritores José Craveirinha, Rui Nogar e Luís Bernardo Honwana, albino Magaia, entre outras, todos pertencentes ao grupo da FRELIMO na região Sul, comandado por Matias Mboa.
Domingos Arouca era um símbolo do nacionalismo moçambicano oprimido e uma pedra no sapato no regimo colonial. Com o intuito manifesto de servir de exemplo foi obrigado a cumprir parte da sua pena de prisão em Portugal, apesar dos seus protestos para permanecer em Moçambique. Durante o seu tempo de prisão no forte de Caxias eram muitos os moçambicanos que o visitavam. Quase todos simpatizantes da FRELIMO.
Consta que militante do Partido Comunista Português , também detidos nessa cadeia, acusavam Arouca de comprometido ou colaboracionista. De facto, o advogado esteve  sempre muito afastado do ideário marxista, além de que era um preso em território estrangeiro. Essas acusações sectárias são ouvidas e, face aos tempos que se viviam, não auguravam nada de bom.
Em Novembro de 1973, Jardim, acompanhado do Drº Pinto Fernandes, comissário nacional da Mocidade Portuguesa e por "mera conveniência" cunhado de do Drº Arouca, visita o advogado na sua casa em Inhambane, depois de muitos telefonemas. Queria sondar os planos políticos do advogado e tentar, através dele, uma aproximação à FRELIMO, convencendo-o a participar nos seus planos.Nada de concreto foi estabelecido. Escreve Jardim no seu livro "Moçambique Terra Queimada" na página 147: Parecia-me que Domingos Arouca poderia oferecer, no futuro próximo, um exemplo de reconciliação e personificar uma corrente de esperança.
O Dr. Domingos Arouca sempre negou qualquer compromisso com Jorge Jardim, ou com o GUMO. Nem sequer conheceu, nesse período, a Drª Joana Simeão. Ele sentia-se como sendo da FRELIMO. No entanto, a Frente que ele havia conhecido em 1963, na Suazilândia, havia mudado muito em termos ideológicos.
O homem forte de Jorge Jardim sempre foi o Dr. Miguel Marrupa. Antigo adjunto das relações internacionais da FRELIMO será, com Lázaro Kavandame, um dos elementos hierarquicamente mais importante da Frente de Libertação que se entregaram às forças coloniais.
Encontro de dissidentes da Frelimo
Willy Symes Kadweel, em 1966 Secretário da Província do Niassa.
Miguel Marrupa, ex director -adjunto do Departamento das Relações Internacionais
 O Drº Marrupa que estudou nos Estados Unidos, para onde fora enviado pelo primeiro presidente da Frelimo. Mantinha correspondência regular com Mondlane, e uma grande admiração por ele.
Numa carta de 13-9-1965, escreveu ao Dr. Mondlane: Mesmo admitindo os erros e as fraquezas inerentes a toda a obra humana, a FRELIMO fez, durante os poucos anos da sua existência, uma obra gigantesca em prol da nossa Revolução. Acaba com uma fase distinta para o seu percurso:Para todo o homem o único caminho digno é definir uma posição e segui-la, venham que vierem as consequências.
Regressado à Tanzânia  em 1968, é integrado como professor no Instituto Moçambicano. É eleito membro do Comité Central. Com a crise da FRELIMO de 1969, demite-se em Maio de 1970. Seria detido pela polícia tanzaniana e depois entregue à FRELIMO, onde permanece na base de Naschingwea. Numa história de contornos cinzentos foi integrado numa coluna de guerrilheiros em marcha para o interior do país. Desertou, na zona do Sagal, em Cabo Delgado, entregando-se ao exército português a 7-12-1970.
O Dr. Marrupa defende a concepção integracionista plena do Ultramar português. Ser português tem apenas e tão só a ver com a cidadania e nacionalidade, não com a cor da pele e recusa mesmo que exista colonialismo em Moçambique. Terá ido longe de mais. Perdeu a pouca credibilidade política que ainda congregava após a sua deserção da FRELIMO. As palavras escritas com sinceridade ao Dr. Mondlane pesavam contra si.

O ovo da serpente

Moçambique era para as autoridades coloniais como um barco a meter água por todos os lados. A oposição democrática, pela primeira não liderada pelo Dr. Almeida Santos, aproveita as eleições de Outubro de 1973, não para concorrer, mas para divulgar a sua posição: não havia soluções militares e a única saída possível era reconhecer o direito à independência de Moçambique e dialogar com a FRELIMO. Apesar das perseguições, nenhum dos seus divulgadores foi preso. Era um incómodo para a PIDE e para o regime prender opositores de raça branca.. 
Neste cenário de desmoronamento, o GUMO tenta a todo o custo levar a sua agenda por diante. Depara-se com um muro de dificuldades. O governador-geral não só não os recebe, como recusa a autorização de realizarem um congresso na Beira para tornarem pública a sua existência. O Engº Pimentel dos Santos era adverso a qualquer mudança, um integracionista puro e duro.
A não constituição legal do GUMO como associação cívica obstava a que Joana Simeão partisse depressa quanto possível para Nova Iorque, com o intuito de tentar participar nas Nações Unidas, como observadora, enfrentando olhos nos olhos o representante da FRELIMO que, entretanto, recebera esse estatuto da ONU.
Entretanto, o Drº Máximo Dias tem o seu primeiro contacto com o consulado norte-americano em Moçambique a 6-11-1973. Registam que o jovem advogado era um homem inteligente e sincero, mas politicamente pouco sofisticado, sobretudo se comparado com a sua vice-presidente, a Drª Joana Simeão. Dissertando sobre o omnipresente Jardim, Máximo Dias desvaloriza o seu papel, pois havia perdido dois importantes aliados: o apoio financeiro de António Champalimaud e o apoio da igreja católica, devido à sua violenta campanha na imprensa dirigida contra os padres do Macúti (ler neste blog: a 3ª Parte do 1º Capítulo) 
Em Dezembro de 1973, Baltazar Rebelo de Sousa, ministro do Ultramar, realiza a última visita de um ministro colonial a Moçambique. De toda a nomenclatura que rodeava Marcelo Caetano, Rebelo de Sousa destacava-se pela sua lucidez. Não surpreende a aproximação de Máximo Dias e de Joana Simeão ao Dr.Baltazar Rebelo de Sousa. Como um sinal de confiança são integrados na comitiva do ministro a Nampula. Uma bofetada de luva branca ao governador-geral.

6º Capítulo: O Ataque amigo e a revolta dos colonos.


Um comunicado explosivo

A 16 de Janeiro de 1974, o comandante-chefe das Forças Armadas emite um comunicado.
O comunicado relatava que um grupo inimigo assaltou uma propriedade rural, junto da fronteira de Manica, assassinando a mulher do fazendeiro. Num outro relatório confidencial produzido pela SCCIM, lê-se, numa versão mais pormenorizada desse assalto: O grupo IN estimado entre 9/12 elementos fardados uns, outros à paisana, atacaram a propriedade de Águas Frescas, a cerca de 17Kms de Manica
O ataque à desconhecida fazenda de Águas Santas foi a gota de água que fez transbordar o copo. Conduziu à rebelião dos colonos contra o seu próprio exército, acusando-o de falta de empenho no combate.
Quem foi esse grupo armado nunca identificado que teve o condão de acelerar a crise final do império colonial? Guerrilheiros da FRELIMO, como oficialmente propalado, tendo sido mesmo aprisionado presumíveis membros desse grupo? Ou Flechas a mando da PIDE? ou simples bandoleiros?
Recorrendo às fontes de informação disponíveis e produzidas pelos serviços de informação militar são, por diversas vezes, relatados encontros entre combatentes da FRELIMO e fazendeiros brancos, na mesma região e nas mesmas datas, onde ocorreu o assassínio de Águas Frescas. Encontros esses que se revestiram sempre de natureza pacífica, sendo mesmo narrados voluntariamente às autoridades pelos próprios fazendeiros.
Quanto a uma eventual imputação do crime de Águas Frescas aos Flechas, essa é uma tentação fácil, dado tratar-se de um grupo de forças especiais criado e gerido pela DGS/PIDE, para operações bem sinistras. Sabe-se que actuava no Chimoio. Mas não há qualquer elemento que permita imputar-lhe esse crime. 
No início do ano de 1974, na província de Manica e Sofala, havia uma multiplicidade de forças paramilitares a operar. Resultado não só da falta de efectivos militares,como de um desnorte sobre sobre as diferentes formas de actuação em termos militares. Essas forças iam desde unidades especiais, a pisteiros o mato, à OPVDC e a milícias diversas. Por exemplo num relatório da PIDE/DGS, datado de 10-1-1974, pode ler-se sobre os milicianos dos caminhos- de- ferro que patrulhavam a área entre a estação do Vumba e a cidade de Manica, fazendo-se passa por elementos terroristas afectos à FRELIMO.
Na mesma altura, estava também em curso a "operação mandioca" em que grupos compostos por elementos de raça negra e mestiça, vestindo as mesmas fardas e usando o mesmo tipo de armas dos guerrilheiros, operavam em terrorismo puro com o objectivo de criar um clima de descrédito relativamente à FRELIMO.

Os colonos contra o exército

No dia seguinte ao ataque à fazenda do Chimoio, um núcleo numeroso de colonos de Vila Pery aglomerou-se para vituperar os oficiais da guarnição militar da cidade. O mote estava dado.Pouco mais de duas centenas de kilómetros distanciavam Vila Pery da Beira. Não era difícil propagar o contágio. Difícil seria mesmo o contrário.
Nas sessões nocturnas dos cinemas da Beira foram divulgados avisos convocando o povo para uma greve geral para o dia seguinte. Nenhum estabelecimento devera abrir as portas. Tarefa fácil, porque havia uma longa prática de agitação social. 
O Governador-geral, Gabriel Teixeira, exercendo o seu voto
nas polémicas eleições de 1958. Estas eleições deram início
à fama de a Beira ser uma cidade contestatária.
O ponto alto da rebelião estava ainda para acontecer, agendado para o dia seguinte ao final da tarde. Depois de um encontro com o governador do distrito, coronel Sousa Teles, centenas de populares decidem passar a uma fase superior da revolta, concentrando-se frente à Messe do Exército, no bairro do Macúti, para os insultar. O próprio governador, em uniforme militar, integra as hostes dos manifestantes. Este ataque amigo feito por populares contra o corpo de oficiais da elite do seu próprio exército ser-lhe.á manifestamente prejudicial.
À exaustão das Forças Armadas seguia-se a perda da razão numa guerra sem causa. Tropas e colonos estavam de costas voltadas. 
Independentemente do estado de revolta que pudesse existir entre os colonos contra a sua tropa, esta rebelião teve necessariamente uma liderança. Os intelectuais de esquerda acusaram, como já era hábito, Jorge Jardim, que lhes devolveu a acusação.
Meses mais tarde, a 11 de Maio, em conferência de imprensa, dois dirigentes da Associação Comercial da Beira, Nunes de Carvalho e Armindo Brito, reclamam a sua autoria.
Há quem defenda ter sido a PIDE a autora da trama contra os militares. Por alguma razão o coronel Rodrigues Varela, chefe dos Serviços Especiais de Informação, terá sido encarregado de proceder a uma investigação nesse sentido, nunca concluída. As relações entre os militares e a polícia política nunca foram as melhores e vinham a deteriorar-se substancialmente.
Os acontecimentos da Beira provocaram preocupação em Lisboa. Marcelo Caetano refere-os no Parlamento, e um telegrama expedido pela Embaixada norte-americana, dá conta do sentimento de uma solução do tipo rodesiana, muito temida por Caetano.
Jorge Jardim tinha razão quando, anos mais tarde, escreveu: Em Janeiro de 1974, precipitaram-se, em Moçambique, acontecimentos que vieram a ter, na vida nacional, um impacto dificilmente previsível.

O Golpe em marcha

A revolta dos colonos da Beira contra o seu próprio exército teve consequências no quotidiano na cidade e na dos seus protagonistas, e também no desenrolar de acontecimentos que se lhe sucederam. O Governador será demitido. E o embrionário movimento dos capitães, autores do golpe de Estado do 25 de Abril, vai ter um forte pretexto para acelerar a queda do regime. O major Otelo Saraiva de Carvalho, dá conta da informação do núcleo de Nampula do movimento para os seus camaradas em Lisboa, relatando o sucedido da Beira. Começam a concretizar-se nossos receios criação bode expiatório. Solicitamos medidas urgentes conduzem impedir Forças Armadas continuem sendo enxovalhadas. O golpe estava iminente.
Salazar, cumprimentando Gonçalo Mesquitela
O "Estado de Moçambique" não estava num beco sem saída. Estava simplesmente perdido
Um deputado da ANP pelo círculo de Moçambique, Gonçalo Mesquitela, durante uma sessão da Assembleia Nacional realizada a 2-2-1974, em Lisboa, tem consciência desse facto. Afirma ele: Vivemos tempos difíceis em Moçambique. As perdas em bens e vidas são maiores do que nunca foram. As palavras do deputado Mesquitela" moçambicanização fora de Portugal é um absurdo. Por isso lanço o meu protesto contra a doutrina que está a surgir em certos sectores de Moçambique, tinham como destino o seu amigo e companheiro de partido Jorge Jardim. Mesquitela, ao saber dos planos de independência de Jardim, entende que ele tinha endoidecido.
Este discurso de Mesquitela vai ser contestado por Joana Simeão, que terá enfiado uma carapuça que não lhe era dirigida. Escreveu ela: Neste momento gravíssimo urge que indivíduos serenos e lúcidos tomem a dianteira e proponham com serenidade ao Governo soluções viáveis e não de afogadilho.
Os tumultos da Beira trouxeram a Moçambique, acidentalmente ou não, o chefe do Estado Maior do Exército, general Costa Gomes. A sua missão era avaliar no terreno a situação.
Costa Gomes chega à Beira a 19-1-1974. A Beira era o aeroporto que servia de porta de entrada e de saída para Lisboa, situação que lhe dava uma aparente importância e que constituía um motivo de orgulho para a sua gente. À sua chegada declara: Nestas alturas difíceis, todos nós temos de ter muita calma e muito espírito de compreensão. Ouve, como habitualmente, mais do que fala. Estabeleci vários contactos na Beira, tentando resolver pacificamente a revolta. Na partida para Lisboa, utilizando a sua habitual forma enigmática de se expressar, declara: A acção da Forças Armadas é essencial à vitória, mas que, não apenas por si só, conduzirá à vitória. E acrescenta: Encontramos-nos numa situação difícil, mas que de maneira alguma considero alarmante. Tornou claro que exclui a vitória militar.
Dias depois, em Lisboa, em sessão do Conselho Superior de Defesa Nacional, apresentou um relatório da sua visita a Moçambique. Nada optimista e propondo mudanças de fundo. Os tumultos da Beira aumentaram em Costa Gomes o sentimento de que os colonos não tinham a menor consideração pelas Forças Armadas. Costa Gomes seria dias depois demitido do cargo.

A caça aos padres

As relações entre Portugal e a Santa Sé, abaladas desde a audiência de Paulo VI aos líderes da guerrilha, nunca mais se recompuseram, face à posição que o Vaticano mantinha relativamento ao direito dos povos à autodeterminação. 
Em finais de Dezembro de 1971, a PIDE manda para a cadeia da Machava os padres Alfonso Valverde e Martin Hernandez , que haviam denunciado os massacres de Mucumbura. Estes padres seriam libertados a 16-1-1973, merce de uma amnistia. Encaminhados de imediato para Espanha.
No ano seguinte, em Novembro de 1972, são ouvidas pela PIDE em delarações, os padres Miguel Del Bosque e Miguel Antoni Gramuntell, sob a acusação de que mantinham relações com guerrilheiros afectos ao 2º Sector da FRELIMO, na província de Tete. O que por sinal correspondia à verdade.
A 17 de Setembro de 1973 o Papa recebe em audiência, na Santa Sé, uma delegação de bispod de Moçambique, provenientes das dioceses de Tete, Quelimane e Nampula.
D. Augusto César Ferreira da Silva, bispo de Tete de:
28-2-1972 a 16-8-1976
A opinião da PIDE sobre o então bispo de Tete era abonatória: pode considerar-se muito bom. Já reticencias sobre o bispo da Zambézia. Relativamente ao bispo Vieira Pinto, como não podia deixar de ser, a opinião da PIDE é totalmente negativa.
O antagonismo entre as autoridades coloniais e o bispo de Nampula vão crispar-se em 1974. Na frontalidade do se sacerdócio e na coerência do respeito pelos direitos do homem, na sua longa estada em Moçambique, o bispo de Nampula divulga, em 10 de Janeiro de 1974, uma pastoral intitulada: Repensar a Guerra. Escreve: A autodeterminação é um direito natural e um imperativo inerente ao verdadeiro desenvolvimento. A Igreja não só reconhece os direitos dos povos à própria identidade. A igreja vê na autodeterminação política dos povos um sinal positivo do crescimento e  da liberdade.
Depois da carta pastoral do bispo, os padres combonianos,que iniciaram a sua actividade pastoral em Moçambique, em 1947,nas dioceses de Nampula, Tete e Beira, assinam conjuntamente com Vieira Pinto um texto denominado Imperativo de Consciência.  Não só alinham pelo mesmo diapasão das ideias do bispo sobre o imperativo da independência, como defendem que a guerra travada pelo regime português era injusta, apelando à hierarquia da Igreja Católica: Reconheça as reivindicações dos movimentos de libertação, conforme aos seus direitos de homens e ao Evangelho. 
A polícia política, em cumplicisade com os colonos hostis ao bispo, constrói um cenário que pudesse servir de justificação para uma expulsão colectiva.
Pelas 20H30 de 9 de Abril de 1974, centenas de pessoas, na quase totalidade brancas, juntam-se diante da catedral de Nampula vilipidiando o bispo.A caça aos padres continua animada na noite de Nampula. Os caçadores instalados em carros, deslocam-se depois para o centro de cataquese de Anchilo, a cerca de 20 Kms de Nampula, onde continuam a praticar actos de puro vandalismo. Com total impunidade.
A 10 de Abril de 1974, Vieira Pinto recebe ordens para seguir para a Namaacha. Era, segundo lhe diziam, uma saída uma saída temporária e para sua segurança. E para lhe minimizar a solidão, acompanhavam-no onze padres combonianos e o se secretário, o padre João Cabral.
A 14 de Abril, Vieira Pinto e o seu secretário, recebem na Namaacha a visita de um inspector da PIDE, informando-os de que partiriam para Lisboa nesse mesmo dia. Estes terão sido os últimos grandes actos da polícia política do colonialismo. Nove dias depois perdiam o poder.

O manifesto de Spínola e a Frelimo

A 18-2 1974, o general Spínola vice-chefe do Estado-Maior do Exército publicou um livro que iria fazer história- Portugal e o Futuro. Venderam-se milhares de exemplares.
A proposta anunciada era a transformação do império em estados federais. Tese que nem era inivadora. Marcelo Caetano já a defendera em 1961.
Quando Marcelo lê o livro chama Spínola e o seu superior hierárquico, general Costa Gomes, para lhes dizer que o livro não era uma tese, era um manifesto e afirma que seria impossível continuar a governar com um corpo de oficiais insubmissos. Oferece-lhes o poder e estes recusam, provavelmente porque sabem que lhes será entregue de forma mais fácil e com a legitimidade revolucionária.
Sem surpresa, a 16 de Março de 1974, uma coluna militar avança para Lisboa, aparentemente para tomar o poder. Será interceptada. A estocada final seria apenas uma questão de tempo.
Essa tentativa de golpe passou despercebida no Governo-Geral. Mas a activa Joana Simeão, a propósito da situação, faz o seguinte comentário: o gorado movimento só contribui para robustecer a moral da FRELIMO, cujos dirigentes se apressarão a apresentá-lo à opinião pública como uma importante cisão no seio das Forças Armadas portuguesas. E tinha razão.
Sérgio Vieira, Armando Guebuza e Óscar Monteiro em Genéve
O gorado golpe militar apanhou o Dr. Óscar Monteiro em Genéve, onde participava numa conferência, encontrando-se casualmente com Mário Soares que o avisa: Olhe que esta revolta das Caldas não foi a última. Mais está para vir.
A FRELIMO será o único movimento de libertação das colónias portuguesas a tomar posição sobre o livro do general Spínola. Através da sua  estação emissora a A Voz da FRELIMO, a 16-3-1974 é transmitido o seguinte comentário: Spínola escreveu um livro emque apela a Marcelo Caetano para pôr termo à guerra colonial e para fazer negociações com as forças nacionalistas de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Em vez de considerar as propostas contidas no livro, que são ideias de muitos, Caetano demitiu dos seus cargos o general  Spínola e o seu superior hierárquico, general Costa Gomes.
Dias depois, em entrevista à Rádio Tanzânia, a 26 de Março, comenta as teses de Spínola: afirmando que uma federação deste tipo não seria mais do que uma nova manobra destinada a perpetuar a opressão e exploração portuguesa em África. Considera que a crise em Portugal é um resultado das vitórias militares dos movimentos de libertação, e que Portugal está agora abertamente dividido, em estado de desespero e de confusão, o que significa que o inimigo está mais fraco do que anteriormente.

7º Capítulo: A Revolução portuguesa e o colonialismo democrático.

A FRELIMO e o 25 de Abril

Na madrugada do dia 25 de Abril de 1974, a revolução saiu às ruas, derrubando, em poucas horas e com alguns disparos de armas ligeiras, um regime político que durava há mais de quarenta anos. O golpe vitorioso apanhou a branca cidade de Lourenço Marques desprevenida e a dormir.
A burguesia branca vivia tão comodamente embalada na "dolce vita" colonial da capital das acácias que não se preocupava com "esses pequenos detalhes" de um guerra de libertação que se aproximava dela velozmente.
Tem-e dito que a FRELIMO foi apanhada em falso pelo golpe militar em Portugal e que não estava preparada para tomar o poder.Teria preferido combater mais cinco anos, para tomar o poder, de forma a ter tempo de  preparar quadros para a governação. Era uma realidade incontornável a quase inexistência de africanos com formação superior, ou com formação técnica.
No entanto, seria impossível tamanha distracção por parte da direcção da FRELIMO face à erosão do poder do regime colonial português. Joaquim Alberto Chissano conta-nos: Nós já sabíamos da existência do Movimento dos Capitães, e acompanhávamos o desenrolar da situação,por diversos canais de informação. Tínhamos contactos com informadores no seio do próprio exército português e sabíamos do descontentamento que ia crescendo no seio da tropa portuguesa.
Às primeira horas da manhã de 25 de Abril de 1974, os serviços de escuta do campo de Naschingwea da FRELIMO registam, através, da Rádio France Internationale, que o  do regime anterior golpe militar tinha sido dado.

  Já com as informações consolidadas e confirmada a detenção dos governantes do regime anterior, Machel defende que o golpe de Estado era um passo positivo, pois a tropa portuguesa não vai conseguir continuar a guerra. A FRELIMO decide manter a posição combativa e emite um comunicado de imprensa, conhecido como a Declaração do Comité Executivo da FRELIMO, Divulgado a 27 de Abril, por Jorge Rebelo. Na declaração recusa-se a tese da democracia na metrópole e do colonialismo democrático no Ultramar.
Afirma-se: do mesmo modo que o povo português tem direito à independência e à democracia, não se pode negar ao povo moçambicano os mesmos direitos. é por esses direitos elementares, mas essenciais, que nos batemos. Os objectivos da FRELIMO são bem claros: a independência total e completa do povo moçambicano, a liquidação do colonialismo português. A guerra em Moçambique continuaria apesar da consciência de que estavam criadas as condições que a conduzissem ao seu fim.

A prisão do governador Geral

Quem foi apanhado de surpresa pelo golpe de Estado foi o Governador-Gera, Engº Pimentel dos Santos, velho servidor do sistema. No dia seguinte ainda dirigiu um apelo pedindo calma e confiança, para manter a estabilidade. Provavelmente  sem muita calma e pouca ou mesmo nenhuma confiança recebeu voz de prisão, no Palácio da Ponta Vermelha, pelas 19 horas do dia 27 de Abril, por determinação dos novos donos do poder em Lisboa, a Junta de Salvação Nacional.
Pimentel dos Santos à entrada de uma mesquita, para assistir
à cerimónia do ID-UL-ADHA
Fica em sua substituição o coronel David Teixeira Ferreira. O estado de alerta para as forças de defesa e segurança, que havia sido declarado horas depois do golpe, só termina a 30 de Abril.
Para a minoria governante da capital das acácias, tirando essa particularidade de ter havido um golpe de Estado na metrópole, tudo continuaria igual com um Portugal na sua pluricontinentalidade, conforme anunciara o presidente da Junta de Salvação Nacional, general António Spínola, no seu primeiro discurso ao país. Não espanta que Pimentel dos Santos, dentro desta mentalidade, a 30 de Abril convoque uma sessão ordinária da Assembleia Legislativa e que os seus membros tivessem a coragem de comparecer.Esqueceram-se de que, desta vez, os tempos tinham mudado.
No exterior do edifício, uma enorme multidão, constituída essencialmente por jovens, havia-se reunido e contestava ruidosamente a sessão. Já antes, uma novel associação cívica, os Democratas de Moçambique, tinham enviado um telegrama à Junta, para que se tomassem providências imediatas para a dissolução daquela assembleia fascista.
Lourenço Marque,30 de Abril de 1974. Manifestação contra
a realização da última Assembleia Legislativa
Imagem da última Assembleia Legislação realizada em
Lourenço Marques a 30 de Junho de 1974.
No interior da Assembleia Legislativa, confrontada com a incerteza, o encarregado do Governo-Geral, coronel David Ferreira, na presença do arcebispo Custódio Alvim Pereira, leu aquele que foi o seu último comunicado: a exoneração do governador-geral.
No exterior da Assembleia os ânimos exaltavam-se . Gozavam-se na capital, os primeiros momentos de liberdade. A multidão aguardava a saída dos vogais da Assembleia para os apelidar de fascistas e palhaços, entre outros epítetos depreciativos. Caía definitivamente um dos mecanismos com que se pretendia institucionalizar a autonomia progressiva do Estado de Moçambique, como parte integrante de Portugal.

Informação às escuras

A forma como os principais órgãos da imprensa de Moçambique noticiaram o golpe de Estado em Portugal é sintomática da desorientação na compreensão da nova conjuntura e também do estado de perplexidade e apreensão dos seus redactores.
Nas edições de Abril e Maio, no Notícias não é publicado nenhum editorial, nenhuma opinião. Para um órgão de informação que era prolixo em matéria editorial e opinativa esta apatia é significativa.
O vespertino Tribuna, publicado em Lourenço Marques, escolhe como título na primeira página, na sua edição de 26 de Abril, a frase de Spínola no seu primeiro discurso como presidente da Junta Militar: Portugal no seu todo pluricontinental. Esgotam-se duas edições.
Já Notícias da Beira será mais bem concludente. A toda a largura da 1ª página lê-se:Governo de Marcelo Caetano foi ontem derrubado por golpe de Estado Militar. Na edição de 3 de Maio, Jorge Jardim faz publicar um extenso artigo com o título: A nossa Posição-Atitude e Programa, divulgando o seu oseu "Protocolo de Lusaka". Pede paciência e deixa uma mensagem: tem uma solução para a independência de Moçambique.
Bem mais ousada, como lhe competia pela composição da sua redacção, foi a revista Tempo. Em tempo record lançou, a 30 de Abril, uma edição especial sobre a nova conjuntura aberta com o golpe de Estado. Noticia não apenas os acontecimentos em curso em Portugal, mas interliga-os com algumas realidades de Moçambique com várias opiniões. Retenham-se algumas.
Para o Dr. Domingos Arouca, não era oportuno pronunciar-se sobre o futuro político de Moçambique,visto não ter neste momento elementos suficientes que permitam equacionar o problema com a devida clareza. Já clareza não falta aos dirigentes dos Democratas de Moçambique. Para eles, além de saudarem o restabelecimento das liberdades democráticas, o maio perigo advinha de um grupo de população branca que podia aproveitar a ocasião e enveredar por tentativas independentistas.
O advogado Adrião Rodrigues, conhecida figura da oposição, avisa: se a população branca se deixar arrastar pelo canto da sereia de tais ultrafascistas cavará a sua própria ruína. O seu colega de profissão Camilo Pereira Leite, defende como absolutamente indispensável que a população, sobretudo a branca, completamente narcotizada por uma propaganda desmiolada e por umainformação deficiente, se não falsa, compreenda que a solução política é a que melhor lhe serve. Já o sociológico José Luís Cabaço, fazendo jus aos ensinamentos da hidtória, afirmava que uma revolução não se concretiza com a tomada do poder. 
O consagrado jornalista Rui Cartaxana expressa uma outra visão das consequências do novo regime, alinhando com as tese de Spínola. Critica a tese do abandono. Escreve: Não podemos abandonar quantos, africanos e europeus, construíram no Ultramar as suas vidas, alimentando todas as suas esperanças à sombra da bandeira portuguesa. Na elite pensante da capital começam, desde logo, a desenhar-se diferentes formas de pensar e, sobretudo, de actuar.
A revista Tempo no seu número seguinte um artigo de opinião de autoria do Dr. António Almeida Santos, líder incontestado da oposição democrática. Sem ilusões ou falsas demagogias, saúda os propósitos do golpe de Estado. Escreve que pensar-se em soluções provisórias, como a autodeterminação, tratar-se-ia de um projecto de governo redundante, até ao ponto de ser inútil. O advogado considera ridículo este incipiente desabrochar de embriões de partidos- FICO, GUMO,MIMO porque qualquer tentativa da minoria branca, do tipo rodesiano, estava condenada ao fracasso, classificando-a sem qualquer hesitação uma rematada loucura. A solução? negociar rapidamente com a FRELIMO.
Uma semana após o golpe, as posições entre a minoria branca estavam definidas. Para muitos era o abandono. Para duas minorias era a luta do tudo por tudo. Uma, a favor da independência sob os auspícios da FRELIMO; a outra, em prol de uma independência branca e, sobretudo(contra os propósitos da FRELIMO) alargando a sua base de apoio entre os dissidentes. A luta iniciou-se pelo controle da capital. E teve uma importância fulcral.

Soltam-se os prisioneiros

A PIDE, que iniciou as suas actividades em Moçambique em 1954, mudando a sua designação em 1969, no consulado de Marcelo Caetano, para DGS, será extinta a 25 de Abril de 1974.
A 30 de Abril, o comandante-chefe do Movimento das Forças Armadas manda restituir à liberdade centenas de presos políticos que se acumulavam na sinistra cadeia da Machava. O mesmo sucederá nas outras cadeias que a PIDE/DGS dirigia. Caía outro dos símbolos da opressão colonial. Este,sem dúvida o mais feroz.
O papel da PIDE na sociedade colonial não se restringiu à repressão e à luta contra os movimentos independentistas e seus militantes e simpatizantes. Ou às oposições democráticas e ao movimento estudantil.
Distribuição de comida na cadeia da Machava, sob o olhar atento
dos inspectores da PIDE/DGS
As cadeias da Ilha do Ibo, da Machava e do campo de Mavalane eram escassas para comportarem tantos suspeitos. Desde 1967 que a PIDE lutava com falta de espaço para os seus detidos. E infelizmente será assim até ao fim dos seus dias.
Para aqueles que eram feitos presos políticos, depois da fase de interrogatórios, a luta era pela sobrevivência. Contra a falta de comida, do mínimo de condições de higiene, em luta permanente contra os piolhos e percevejos. Na cadeia da Machava acumulava-se gente oriunda de todo o país, Discriminada consoante as regiões e religiões.
O governador-geral Baltazar Rebelo de Sousa bem tentou humanizar o que era desumano. Com visitas regulares à cadeia da Machava, aproveitando a prisão de figuras ilustres da intelectualidade moçambicana, como Rui Nogar e José Craveirinha.
Muito do trabalho de levantamento das atrocidades cometidas pela PIDE estava a ser processado pelos Democratas de Moçambique. Acervo que se perdeu nas chamas ateadas a 8 de Setembro de 1974, na sede daquele movimento. Muita história da humilhação a que milhares de pessoas foram vítimas ficou deliberadamente destruída.
Em finais de Abril de 1974, o aparentemente impensável sucedeu, a PIDE caiu sem estrondo. Não era um tigre de papel, mas sim o braço mais repressivo contra o nacionalismo, ao serviço de uma ditadura fascista.

O Governo Provisório

Em Moçambique, com o golpe de Estado em Lisboa, o poder colonial havia caído na rua no dia seguinte. Só haverá poder, no sentido literal do termo, quando o governo transitório tomar posse, a 20-9-74, ma sequência dos Acordos de Lusaka, assinados entre a FRELIMO e o Estado português, a 7 de Setembro.
O general Spínola só tomará posse como presidente da República a 15 de Maio. Esta era a rendição. Esta teria de tomar posse em Lisboa e depois formar o seu gabinete de secretários provinciais. Neste imbróglio é mesmo de citar o poeta com as "malhas que o império tece".
Num país em guerra, o comandante-em-chefe das Forças Armadas portuguesas, general Bastos Machado, deixa Nampula a 2 de Maio rumo à capital, fazendo-se acompanhar de altas patentes do Estado-Maior. Fica o quartel-general sem os quadros superiores de chefia. O novo comandante-em-chefe só será designado a 24 de Maio. A escolha recaiu no general Orlando Barbosa. Não tinha qualquer legitimidade para exercer o cargo para que fora indigitado.
A 10-5-1974, chega a Moçambique, pela segunda vez em três meses, o general Costa Gomes. Tal como o havia feito na visita anterior, reuniu-se com várias personalidades da vida política moçambicana. Na capital, ao pretender falar com os "democratas", depara com dois grupos distintos. Um liderado pelo Dr. Almeida Santos, outro pelos advogados Camilo Pereira Leite, Carlos Adrião Rodrigues e Rui Baltazar. Ouviu os dois grupos. Ambos convergiam no mesmo objectivo, a independência, mas com metodologias diferentes. Devido a essas  divergências de método, semanas depois, uns irão integrar e apoiar o Governo Provisório, liderado por Henrique Soares de Melo, outros irão hostilizá-lo.
No mesmo dia da sua chegada, Costa Gomes
 avista-se também com a direcção do GUMO, a 10 de Maio, para avaliar as intenções deste grupo, convicto das suas afinidades com a FRELIMO. Uma vez constatado que o GUMO estava longe daquela e sem implementação no terreno, decide realizar contactos com alguns dos mais conhecidos ex-presos políticos da FRELIMO.
Atento a estas movimentações e às palavras dos dirigentes da Junta, Samora Machel convoca uma conferência a 18 de Maio para indicar o propósito da FRELIMO de não só continuar com a luta armada, como mesmo de a intensificar, enquanto o governo de Lisboa não fornecer pormenores específicos sobre o processo de transferências de poderes, pois a independência deste país nunca será negociada, porque se trata de um direito natural.
Segue-se, a 19 de Maio, a vinda do Dr.Almeida Santos, já como ministro da Coordenação Interterritorial do Governo Provisório de Portugal. Escolheu para governador-geral o advogado Soares de Melo. Este governador não tinha nem o consenso da chamada oposição democrática nem muito menos o da maioria da população que o desconhecia em absoluto.
No mesmo dia em que a delegação da FRELIMO liderada pelos seu presidente, se encontra em Lusaka, a 6 de Junho de 1974, com uma delegação portuguesa liderada por Mário Soares., para iniciarem as negociações com vista à transferência de poderes rumo à independência,
Soares de Melo demite-se de governador-geral demite-se a 27 de Julho de 1974. Será substituído pelo Dr. Ferro Ribeiro.
No mesmo avião em que partiu o último governador-geral, chegava a Moçambique uma delegação da Comissão Coordenadora do MFA, chefiada pelo comandante Victor Crespo. Avista-se com os seus camaradas de armas e com os líderes dos Democratas de Moçambique

Presos políticos em Dar-es-Salam

Costa Gomes, durante a sua breve visita a três capitais provinciais, e nos contactos feitos com os militares conclui: como o demonstraram de imediato, não queriam continuar a combater e morrer numa guerra que iria acabar dentro de pouco tempo. Recorre ao escol de ex-presos e reúne-se com José Craveirinha, Rui Nogar, Josefarte Machel, Matias Mboa, Malangatana Valente, e Rogério Djwana. Todos haviam estado detidos nas celas da cadeia da Machava sob a acusação de term ligações à FRELIMO.
De início, procura convencê-los a formar um partido político que gozaria de todo o quadro de liberdades e garantias na sua actividade. A resposta será dada, nessa mesma tarde, pelo poeta José Craveirinha. Rejeitam a hipótese de formar qualquer partido.
A delegação de ex-presos políticos em Dar-es-Salam
Foi-lhes então sugerido que se encontrassem com os dirigentes da FRELIMO na Tanzânia, para transmitir um apelo à paz e a um imediato cessar-fogo, ideia de undo de Costa Gomes, acentuada pela disposição manifestada do seu exército em não continuar a lutar. Precisava de parar a guerra a qualquer custo e obter um fôlego para acertar as diferentes agendas sobre a descolonização. Missão que os ex-presos políticos aceitaram.
A delegação foi recebida por Joaquim Chissano no aeroporto de Dae-es-Salam, sendo efusivamente abraçados. Já na sede da FRELIMO a recepção será bem  mais fria. Logo à chegada, na capital da Tanzânia, um representante da FRELIMO revelou à imprensa que a sua organização estava preparada para ouvir o que os antigos prisioneiros políticos tinham para dizer, mas que eles não se poderiam considerar como representantes da FRELIMO.
Desfeitos os objectivos iniciais da missão dos ex-presos políticos, não foi difícil à FRELIMO, durante a sua estada na Tanzânia, transformá-los em novos emissários, com diferente destinatário.
No seu regresso, a 4 de Junho, José Craveirinha afirma numa entrevista conjunta ao Notícias da Beira: os membros da delegação partiram para Dar-es-Salam na única qualidade em que podiam apresentar-se à FRELIMO. Uma qualidade que fizeram questão em firmar junto das entidades portuguesas da Junta de Salvação Nacional. Referendos? Será que a Junta de Salvação Nacional que derrubou o governo de Marcelo Caetano fez algum referendo? 
Tornava-se claro que a FRELIMO só pretendia negociar com representantes legítimos do Governo português. Não valia a pena mandar mais mensageiros.

Lutar ou negociar?

Em face da confusão de mensagens contraditórias que chegavam de Lisboa e da evolução política após o golpe, Samora Machel convoca o Comité Executivo. a 3 de Maio de 1974, para nova análise da situação política aberta com o golpe de Estado. A estratégia adoptada é clara: a paz é inseparável da independência nacional. Não haveria lugar a nenhum cessar-fogo, sem que aquele direito fosse inequivocamente reconhecido.
A 4 de Maio, Costa Gomes aterra em Luanda. As suas declarações são bastante explícitas: é nossa intenção continuar a lutar contra os guerrilheiros e essa posição manter-se-á até que os guerrilheiros aceitem a nossa oferta para depor as armas e se apresentarem como partido político. No dia seguinte, volta ao mesmo tema: se tais movimentos são realmente a expressão do povo, como se afirmam, deixem as clandestinidades, as suas sedes além-fronteiras e venham lutar democraticamente com ideias.
Colocado perante a eventualidade de a FRELIMO não aceitar essa via, responde: lutaremos com uma missão mais bela e enobrecida. Pouco tempo depois, tentando justificar a intensificação dos combates, o general declara que o presente esforço guerreiro da FRELIMO, pode resultar da necessidade interna de conseguir uma coesão através do exercício de luta.
A luta armada recrudesce. Ultimam-se os preparativos para a abertura da Frente da Zambézia. Se, de um lado, há a certeza da vitória e são recebidos, nos campos de treinos cada vez mais jovens empenhados em derrubar o colonialismo, do outro lado, existe a vontade de acabar a guerra o mais rapidamente possível.
Em face destas mensagens contraditórias que vêm sendo recebidas de Lisboa, e depois de goradas as primeiras conversações de Junho, Samora Machel decide a enviar a Lisboa um velho companheiro de Argel, o jornalista Aquino de Bragança, com uma missão: identificar quem na realidade detinha o poder em Portugal. Parte para Lisboa e dirige-se à redacção do Expresso, onde se apresenta a Augusto de Carvalho, então chefe de redacção deste semanário. Diz-lhe ao que vem e este, sem hesitações, decide apresentá-lo ao núcleo do MFA: Victor Alves e Melo Antunes Era este o núcleo que na realidade detinha o poder em Portugal. Estava encontrada a ponte para que as, conversações tivessem efeito útil. 
É curioso que igual movimento é feito pelos serviços norte-americanos em Moçambique. Sentem que o novo governador-geral, não representa qualquer poder, e partem para Nampula a 28 de Junho para Nampula, onde se vão encontrar com o major Mário Tomé, reputado líder do do MFA. 
Este confidencia-lhes que a FRELIMO é o único partido que pode dizer-se representativo de quem quer que seja.
As linhas de força estavam encontradas. As negociações seriam entre os militares portugueses e a FRELIMO-

8º Capítulo: Mudam-se os Tempos mas não as vontades 

O último tango em Lourenço Marques

A um tempo de repressão característico de uma ditadura, com a sua queda segue-se um período de liberdade sem limites adubada pelo vazio do poder. Era mais do que proibido  proibir qualquer proibição. Um certo sector da minoria colonial e urbana descobre e deleita-se nesse novo mundo impedido pelo regime salazarista.
Como que por varinha mágica, as livrarias as livrarias da capital ficaram repletas de obras até então proibidas. De Marx a Lenine, havia literatura política para todos os gostos e tendências.
Também os costumes sofrem os sinais de mudança. O conservador cinema Manuel Rodrigues esgota sessão atrás de sessão com a exibição do erotismo de O Último Tango em Paris. Causa uma enorme polémica. Causa uma enorme polémica que se estende à imprensa. A imensa casa de espectáculos do Alto Maé, o S.Miguel, passa a exibir filmes harcore, tornando pequena a sua lotação, face à novidade.
Nos emissores da Rádio Clube de Moçambique, os espaços musicais são preenchidos com himos revolucionários. Neste éter fervilhante, a equipa da mais que popular LMRádio, transmitida em inglês, trabalha afincadamente a embalar a traha para rumar para a África do Sul.
Na cidade de cimento de Lourenço Marques, à semelhança de outro burgos, há quem não se encante nem espere pelo desenrolar dos acontecimentos. Prepara apressadamente a sua partida, marcando espaço para o contentor e lugar nos aviões da TAP.
Manifestação em Lourenço Marques a favor da independência
Outros gozam alegremente a liberdade desta curta época spinolista. E muitos tornam-se contestatários
e opinativos. Na primeira linha perfilam-se figuras gradas do regime deposto.
Onde reinava a estabilidade social, só de quando em vez perturbada por greves dos estivadores e dos trabalhadores das plantações do açúcar, sempre calados à força do bastão e da prisão, rebenta, em todo o país, um amplo e descontrolado movimento reivindicativo. Era uma reacção natural.
Mas a guerra continua. E a maioria da população pretende mais do que nunca a independência. Sonha com esse desígnio como a solução para muitos problemas que, infelizmente, não se resolvem com o mudar de bandeiras.

Dormindo com o inimigo

Desde o golpe de Estado de 25 de Abril até aos finais de Maio de 1974, salvo raras excepções, O Tempo e Notícias da Beira, a informação em Moçambique viveu um vazio de ideias.

A situação muda radicalmente a partir do início de Junho de 1974, com a nomeação de novos directores e a entrada de redactores simpatizantes e militantes assumidos da FRELIMO.
A 28 de Maio de 1974, o Dr. António Pereira Coutinho, membro dos Democratas de Moçambique, foi nomeado Director do Notícias. Na mesma data, o poeta Rui Knopfli, foi designado director do Tribuna. A 2 de Junho, José Luís Cabaço, foi nomeado director-adjunto do Notícias e Rui Baltazar, foi nomeado director da revista Tempo
Reunião dos estudantes na cantina universitária, realizada em 30-10-1972
Depois de muita manifestação e grande controversa, o jornalista Assunção de Almeida será nomeado, a 3 de Junho, chefe de redacção da Rádio Clube de Moçambique. Mas quem passa a controlar de facto esta redacção é Abel Calado, dirigente da Associação Académica.
Através dos Democratas de Moçambique, com a colaboração dos estudantes universitários contestatários e com o conveniente apoio de Almeida Santos, então ministro da Coordenação Interterritorial, militantes e simpatizantes da FRELIMO tomaram conta de todos orgãos de informação em Moçambique.
A partir da primeira semana de Junho, o Notícias muda radicalmente de orientação, fruto do novo corpo redactorial. Sem aviso prévio, o Notícias deixa de relatar o que se passava em Portugal, excepto o futebol, passando a escrever sobre um outro Moçambique. Onde não havia guerra passou a haver luta de libertação nacional. Os "terroristas da FRELIMO" ascendem à categoria de heróis da nação. São entrevistados com honras de primeira página.
Em meados de Agosto, José Luís Cabaço, por iniciativa própria, mas alinhado com um discurso mais apaziguador da FRELIMO, dirigido à população branca e apelando ao trabalho e à disciplina, certo da iminente tomada do poder, tenta travar o ímpeto revolucionário dos seus novos redactores e chama, com grande desconfiança, alguns dos elementos que haviam sido saneados, para voltarem a escrever, entre os quais Guilherme de Melo e Tito Pereira.
Almeida Santos, como ministro, a desembarcar em Lourenço Marques
Anote-se que a guerra continuava e os órgãos de informação passam a alinhar manifestamente contra o "inimigo" que se mantinha no poder. Um relatório produzido por uma instituição militar sobre a situação Moçambique, com data de 2-7-1974, é sintomático da apreensão dos militares: Apoiando-se numa liberdade que lhes foi concedida, mas erroneamente interpretada, entrou a acirrar ânimos, quando devia acalmar espíritos a aclamar a FRELIMO, em termos e servilismos indecorosos, quando a luta prossegue, quando a FRELIMO é inimiga.
Por duas vezes as oficinas do Notícias foram atacadas à granada, jornalistas ameaçadas de morte e incentivadas greves do pessoal das oficinas para impedir a feitura do jornal. Os operários brancos discordavam dos textos revolucionários e radicais dos novos redactores e recusavam passá-los a chumbo nas velhas máquinas de linótipo. Foram precisas longas reuniões entre redacção e pessoal das oficinas. E de muito valeram os argumentos do falecido poeta Rui Knopfli. Afirmando-se sempre como não-membro da FRELIMO, verdade indiscutível, apelava ao espírito da classe proletária a quepertenciam. a linguagem da luta de classes tinha resultados positivos.
A informação não servia só o "inimigo" do poder instituído. Vivia, de cama e mesa, com esse "inimigo", fazendo propaganda. Foi uma aliada importantíssima da FRELIMO.

A AAC e o LEMA: do "Olimpo à Rocha Tarpeia"

O movimento estudantil universitário irá ser ser um outro importante aliado da FRELIMO. As suas organizações académicas apoiam-na de forma declarada e de um modo generoso. Foi um importante ganho para a causa nacionalista.
A implementação de universidades em Moçambique colonial foi sempre adiada. Salazar sabia que as elites nacionais estariam contra a sua política, que criava um atraso sistémico no regime colonial mais retrógrado de África.
Não será por acaso que só depois do início da luta armada, em 1962, foram criados em Moçambique ou Estudos Gerais Universitários. Um dos grandes defensores públicos para a institucionalização do ensino universitário em Moçambique foi o Dr. Domingos Arouca. Escreveu uma pequena obra, prefaciada pelo bispo Soares de Resende, defendendo a imperiosa necessidade de se criarem universidades no país.
Na reunião de 30-10-1972,na cantina universitária.coloca-se uma 
bandeira do PCP,que agravou o cismo com os maoístas
Defendia que era um risco necessário. Pode parecer, nos dias de hoje, em que tanta reclamação se faz e em que as universidades estão espalhadas por todo o país, que as palavras de Domingos Arouca não eram mais do que mera constatação de uma realidade e de um pedido de justiça.
A primeira manifestação pública de que os tempos estavam a mudar na AAM  regista-se durante a realização de uma Assembleia Magna, realizada a 23-11-1968, para a eleição de uma nova direcção. Seguiram-se acções de protesto importadas das universidades portuguesas como o luto académico, pela primeira vez decretado por a AAM não ter sido ouvido  aquando da substituição do reitor Veiga Simão. Era presidente da AAM, Luís Alfaro Cardoso, a divulgação de textos de escritores não gratos ao regime, contribuindo para o despertar político da massa estudantil da elite que frequentava a universidade. 
No primeiro dia de Setembro de 1972, por despacho do ministro do Ultramar, vários dirigentes associativos, são incorporados compulsivamente no serviço militar. Cinco dias depois, a Associação Académica é encerrada. As sua instalações vasculhadas. Confiscadas as preciosas máquinas de reprodução. Se o aparelho repressivo pretendia impor o medo aos estudantes, foi sol de pouca dura. Nem mesmo a criação da FNI-Frente Nacional Integracionista, liderada por Gonçalo Mesquitela, de notória tendência colonial, serviu para acalmar os ânimos. Não teve adesão. O movimento contestatário alastra-se ao ensino secundário. Por textos escritos contra contra a FNI são suspensos Luís Patraquim e Mário José Fernandes, então estudantes do Liceu Salazar.
A polícia política colonial, já sem mãos a medir, tem uma nova fonte de problemas- a radicalização do movimento estudantil, não sabendo como a tratar porque, afinal, os estudantes faziam parte do próprio sistema e eram filhos de boa gente. Um agente da PIDE, num acesso de inesperada veia cultural, afirma que essa tipologia revolucionária era um passo para resvalar do Olimpo à Rocha Tarpeia.

GUMO, FICO ou CAVO

No período de Junho a Agosto de 1974, em Moçambique, foram constituídos mais de vinte partidos políticos. Há partidos para todos os gostos e tendências. De todo esse vasto leque, o único partido que se diferencia de todos os outros será o GUMO. Tem uma agenda definida já antes do 25 de Abril e integra personagens marcantes.
Como a organização política, estava preparado e, por isso, depois do golpe de Estado em Portugal, foi o primeiro grupo a vir à tona de água. Na Beira, em conferência de imprensa, a 29 de Abril, através de Máximo Dias e de Joana Simeão, apresenta-se publicamente.
Entre os objectivos propostos conta-se a obtenção de uma autonomia política progressiva, dentro das instituições vigentes no espaço português
Estivadores em manifestação na Praça Mouzinho de Albuquerque

Decide passar das palavras aos actos e realiza dois comícios 
que acabam violentamente. O primeiro em Lourenço Marques 
no Xipamanine, no dia 4 de Maio. Estariam presentes mais de 
vinte mil pessoas. Joana Simeão,oradora principal, precisou com
 mais pormenor o seu programa: membrosdo GUMO têm que 
entrar na Assembleia Nacional em Lisboa como deputados
e na Assembleia Legislativa em Moçambique. Havia, entre 
os presentes curiosos,aderentes, mas sobretudo oponentes. 
As vozes que mais se fazia ouvir eram "Rua"e "Fora, GUMO"
 Ciente da falta de adesão e aproveitando a visita de Costa Gomes, 
à Beira, os dirigentes do GUMO rumaram para aquela cidade 
promovendo um comício na , a 12 de Maio.Na Munhava a confusão
 ultrapassou todos os limites,obrigando à actuação da Polícia civil e
 militar. O contexto da confusão era outro. 
Era um conflito racial, sendo a agitação promovida pelo habitual
 núcleo de beirenses brancos avessos a qualquer mudança.
A confusão termina no palácio do governador, onde estava 
hospedado o general.
Costa Gomes, que ficou enfurecido com a situação.
A última reunião pública promovida pelo GUMO decorreu a 22 
de Maio, em Quelimane, num ambiente mais calmo e ordeiro.
Três dias depois do comício da Beira, Máximo Dias publica uma
 carta afirmando que o GUMO é a FRELIMO implantada em
 Moçambique e consideramos a existência do GUMO como uma
vitória da FRELIMO.
Face às discrepância de programas e às acusações cada vez
 mais persistentes que Joana Simeão era agente da PIDE, a 9 
de Junho, o Dr. Dias, na qualidade de presidente do GUMO,
 suspende a vice-presidente Joana Simeão . Esta, de imediato, 
demite Máximo Dias do GUMO.
Ciente de que o tempo escasseia, Joana Simeão, decide formar 
uma nova organização a FRECOMO. O seu velho companheiro,
 estivador de profissão, Cassamo Daúde, acompanha-a como
 responsável pela classe operária.

A 3 de julho de 1974, na sequência de uma Assembleia-Geral 
realizada na Beira, o GUMO, declara a sua dissolução. Da sua 
nascença à morte passaram exactamente 65 dias.
Em sentido oposto, e como nota histórica, ter-se-á de fazer 
referência ao FICO. Foi um movimento político nascido por acaso,
durante uma manifestação realizada em Lourenço Marques, no dia
 5 de Maio na Praça Mouzinho de Albuquerque. Um grupo de
colonosgritou bem alto a sua determinação de permanecer em 
Moçambique, em oposição àqueles, cada vez mais numerosos,
 que decidiram não esperar e rumaram para outras paragens, 
denominados a partir de então como CAVO.
Da manifestação espontânea há quem tire dividendos imediatos.
 Os seus dirigentes são:
Pires Moreira, Manuel Gomes dos Santos, Arlindo Malosso e 
Artur Ferraz de Freitas.



Manuel Gomes dos Santos, no RCM
O seu manifesto é prova da confusão de ideias que paira nos seus mentores e da sua fragilidade polícia. Excepto no "abaixo a guerra" e "morra a FRELIMO". Não estão preparados para nenhuma mudança, antes estão preparados para a luta e dizem-no abertamente
Manuel Gomes dos Santos, por duas vezes se encontra com o consulado norte-americano em Lourenço Marques. Deu a conhecer o programa do FICO e solicitou um empréstimo para assistência financeira ao FICO. Para espanto do adido de defesa norte-americano, impõe condições ao seu pedido, porque Moçambique não estava à venda e não aceitava condições que comprometessem a liberdade de decisão. O único comentário do consulado norte-americano é a constatação de que embora o FICO se proclame multirracial, na sua direcção só existem brancos.
O FICO é inimigo confesso dos Democratas, dos estudantes contestatários e de todos os que estivessem próximos da FRELIMO. Partilhavam ideias comuns com o Movimento Federalista Português, dirigido em Moçambique, dirigido em Moçambique por Vasco Teixeira Alves Cardiga.
Enquanto estes movimentos políticos se digladiavam entre si, Joana Simeão, como líder da FRECOMO havia estabelecido com a COREMO e da chegada para breve de Uria Simango a Moçambique.
Por outro lado, Artur Vilankulos, dirigente da COREMO, que depois de 13anos regressa a Moçambique, ao ser questionado sobre a aliança com a FRECOMO afirma: O passado é passado, temos ouvido falar muito da actividade da camarada Joana e chegamos à conclusão de que deveríamos colaborar.
Em meados de Agosto forma-se na Beira o Partido da Coligação Nacional. Uria Simango os quatro pontos do novo partido: um processo democrático sobre o destino de Moçambique; negociações com todas as partes; afirmação do multirracialismo e um cessar-fogo, feito através de um convite à paz.
O processo de independência já se encontrava concluído entre o Governo português e a FRELIMO. A tentativa do PCN não peca só por ser demasiado tardia, mas também porque não encontra adesão. As razões são simples: a FRELIMO tinha, ao longo de doze anos, estabelecido uma credibilidade externa e conseguido ganhar a simpatia do povo moçambicano na causa pela independência.
No momento da rendição de Marcelo Caetano aos militares, no quartel do Carmo, em Lisboa, o poder, em Moçambique, estava à mercê da FRELIMO.

9º Capítulo, Parte 1: As Negociações: Moçambique e o seu futuro.
As mudanças inacreditáveis

Para a comunidade internacional, o fim do regime de Caetano e os propósitos dos militares que assumiram o poder afirmando que a solução do Ultramar era política e não militar, foi um alívio. sobretudo para os aliados tradicionais de Portugal. Por isso não tardou o reconhecimento do novo regime de Lisboa, pelos estados europeus, pelos EUA e o restabelecimento das relações diplomáticas com a URSS.
A África reage de forma mais cautelosa, com excepção da África do Sul que sem demoras reconhece o novo poder. O primeiro ministro sul-africano B.J.Vorster, no dia imediato ao golpe, afirmou que as mudanças em Portugal  afectariam a África do Sul e que haveria que as enfrentar.
As primeiras reacções dos países da OUA partem da Zâmbia.
Na noite de 25 de Abril, Mark Chona janta na residência do núncio apostólico de Lusaka. E tem uma longa conversa com a embaixadora norte-americana, Jean Wilkowski, sobre o tema da noite: o golpe em Lisboa e os cenários que se poderiam desenhar para uma nova política africana. Chona acreditava que o golpe seria uma saída política para as colónias portuguesas, terminando a escalada militar.
No dia seguinte o Daily News, influente jornal que expressava habitualmente as opiniões do governo de Lusaka , defendia que o golpe de Estado em Portugal não era importante só na história de Portugal, mas também na história africana, pois representava um ponto de viragem na luta de libertação dos povos das colónias portuguesas. O seu autor era Mark Chona. Inteligentemente antevê o efeito em cadeia que se irá repercutir, a médio prazo, no fim do poder branco na África Subsariana.
O diálogo com Lisboa deveria ser estabelecido de imediato. A Zâmbia, mais uma vez e com toda a força, oferece-se para ser a mediadora nas negociações à vista.
Nesse sentido, Mark Chona, chama ao seu gabinete, a 3 de Maio, a embaixadora norte-americana para lhe transmitir, em nome do presidente Kaunda, a necessidade urgente de se iniciar o diálogo entre Spínola e os movimentos de libertação, de forma a não se perder a oportunidade de uma solução política e para prevenir a criação de um vácuo no qual os soviéticos e os sul-africanos se pudessem mover em detrimento de futuros interesses, incluindo os dos portugueses. Chona adianta que já tinha contactado Samora Machel e que este estava pronto a encontrar-se com Spínola. O vice-presidente tanzaniano Eelude Jumbe, afirma que nada faria parar as guerras nas colónias portuguesas senão a independência.
Coincidência ou não, também a 3 de Maio o presidente Banda entra na liça para se pronunciar sobre o novo poder em Portugal.
No cômputo geral há uma profunda desconfiança dos dirigentes africanos sobre os propósitos da Junta militar que assumiu o poder em Portugal, acerca da matéria que lhes interessa: o futuro das colónias portuguesas em África.
No espírito de manter a liderança do processo negocial e sabendo das boas relações entre Portugal e o Malawi e do plano arquitectado com Jorge Jardim, Kaunda faz, a 7 de Maio, uma curta visita ao Malawi para trocar impressões com Banda.
O activo Mark Chona, a 27 de Maio, avista-se novamente com a embaixadora norte-americana em Lusaka  para lhe apresentar um plano de dez pontos, que resultava da reunião conjunta dos chefes de Estado da Tanzânia, da Zâmbia e do Zaire sobre o processo de negociações com os movimentos de libertação. No caso de Moçambique, não aceitam a realização de um referendo e desvalorizam a  alternativas à FRELIMO COREMO e o GUMO, como eventuais alternativas à FRELIMO. No entanto, Mark Chona frisa que o FICO era um movimento perigoso. E não se enganou.
A uma pergunta do embaixador sobre se os brancos eram tidos como potenciais inimigos, Chona respondeu que várias vezes Kaunda tinha colocado a Machel a necessidade de integrar brancos no governo, tal como a Zâmbia tinha feito após a independência. Samora era um apologista de uma sociedade multirracial.
Quanto à COREMO e ao GUMO tinham mais interesse em publicidade do que em acção. Chona pede ao embaixador que transmita a necessidade de os EUA, através da Embaixada de Dar-es-Salam, iniciarem contactos com os líderes da FRELIMO.

O abraço de Lusaka
Samora Machel e Mário Soares em Lusaka, Maio de 1974
No início do mês de Maio, Mário Soares, reconhecido militante da causa anticolonial e símbolo da resistência contra a ditadura fascista de Lisboa, realiza visitas pelas capitais europeias, levando as boas-novas. Nessa digressão , dirigiu uma mensagem, via Zâmbia, à FRELIMO, pedindo um encontro em Bruxelas para os dias 6 e7 de Maio. Soares havia-se já encontrado com Agostinho Neto, a 2 de Maio.
Sérgio Vieira, que se encontrava em Naschingwea, na Tanzânia, confirma a recepção dessa mensagem: No dia 4 de Maio, recebo uma mensagem do Chissano, de Dar-es-Salam dizendo que tinha sido recebido uma mensagem de Mário Soares a pedir um encontro para os dias 6 e 7 de Maio em Bruxelas.
Preparei um rascunho de resposta para o presidente Machel. Dizia-se  mais ou menos o seguinte: agradecia-se a atitude, mas era materialmente impossível estarmos nas datas propostas em Bruxelas e, além disso, não sabemos com quem era o encontro. Se com o secretário-geral do Partido Socialista ou com o representante do Governo português. E solicitava-se a agenda.
O 1º Governo Provisório português é formado a 16-5-1974 e, no dia seguinte, Mário Soares como ministro dos Negócios Estrangeiros, dá início às primeiras conversações com o PAIGC, é recebida em Dae-es-Salam, nova proposta para um encontro negocial a ter lugar numa capital europeia, para o início do mês de Junho. A FRELIMO contrapõe Lusaka para palco da reunião.
Samora Machel antecipa a divulgação pública das negociações com o Governo português, numa conferência de imprensa em Dar-es-Salam, a 2 de Junho. As negociações teriam lugar a 6 desse mês. O anfitrião era Kenneth Kaunda. Mas sublinha que para a FRELIMO o único ponto negocial é apenas discutir o mecanismo da independência.
Por Portugal estarão presente Mário Soares, Otelo Saraiva de Carvalho e o Dr. Victor Machado, diplomata em serviço na Embaixada no Malawi. Com Samora ia todo um povo. A delegação era composta por Joaquim Chissano, Óscar Monteiro, Alberto Chipande, Saul Mbanze, Jacinto Veloso, Gdeon Ndobe e Sérgio Vieira.
Kenneth Kaunda e Mário Soares
As conversações iniciaram-se na State House, ao anoitecer de 6 de Junho. Relata-no Óscar Monteiro: Na sala principal, num dos topos, está Kaunda, disfarçando mal o seu orgulho de ser o anfitrião. A seu lado Mário Soares e Otelo. Nós tomámos posição atrás de uma mesa. O ensaio do aperto de mão de Samora a Soares estava preparado. Mas a realidade veio a ser outra. Mário Soares, "furando" o protocolo deu um forte abraço a Samora Machel. Este um homem de emoções fortes ficou emocionado. Na sala a emoção é partilhada. Naquele abraço, estava o encontro de dois povos. estava a linguagem da paz
As negociações propriamente ditas só se iniciaram no dia seguinte, Mark Chona sugeriu ao seu irmão, primeiro ministro da Zâmbia, para se organizar um pequeno almoço restrito entre os principais participantes. Da parte moçambicana estiveram presentes, Samora, Chissano e Óscar Monteiro. Pelo Governo português, Soares e Otelo.
Na mesa das negociações verifica-se que os "ventos de Soares" estavam fortemente condicionados. Limitavam-se a negociar um cessar-fogo. Samora só aceita essa possibilidade caso o Governo português, reconheça o princípio da independência de Moçambique. O mais que puderam chegar foi a um comunicado conjunto
Haveria um caminho a percorrer antes do novo encontro agendado para a primeira quinzena de Julho. A delegação da FRELIMO impõe uma condição preliminar: o resultado das negociações entre o PAIGC, sobre a independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Porquê esta condição? Pela solidariedade de movimentos irmãos? Se o foi, porque se exclui Angola? A razão é simples. A 24-8-1973, em Madina do Boé, o PAIGC havia declarado a independência da Guiné-Bissau.
Além do gesto do abraço de Lusaka, como diz Óscar Monteiro, ao abraçar Samora. o Governo português dava o sinal de que estava a renunciar ao legado da guerra colonial e que a FRELIMO não era um movimentos de terroristas, resulta também o reconhecimento da FRELIMO como único interlocutor dp processo negocial para a independência de Moçambique.
Jornalistas moçambicanos presentes em Lusaka
Samora Machel aproveita a presença da informação moçambicana para, pela primeira vez, se reunir com os jornalistas. Se muitos já estavam conquistados com o combatente, essa conversa frontal permitiu-lhes ficarem fascinados com a sua personalidade, carisme e charme. No seu regresso transmitem essa imagem. Não era um sanguinário, racista,inculto, como a propaganda colonial o fazia crer. Pelo contrário, era o homem que o país precisava.

As outras forças e Lusaka, uma situação irreal

Porque razão as Nações Unidas não tiveram um papel activo no processo negocial?. Como explicar que os EUA estivessem ausentes do processo negocial, sabendo que o resultado seria o reforço da URSS na África Austral? Quais as razões que levaram a África do Sul fizesse "orelhas moucas" às propostas de Ian Smith para invadir Moçambique e parti-lo a sul do Zambeze?omo é que um aliado natural de Moçambique, o Malawi, se tornou um país quase inimigo?. Como se justifica tivessem apenas envolvido o Governo português e a FRELIMO, excluindo todas as outras forças políticas do xadrez moçambicano?. Estas e muitas outras questões devem, em abono da história, serem suscitadas.
Desde logo, parte-se da teoria, de que o 25 de Abril se tratou de uma conspiração preparada pela URSS, com o objectivo de se apoderar de Portugal e das suas colónias. A importância de África, para Moscovo, era de natureza limitada.
As razões por que as negociações para a independência de Moçambique tiveral lugar entre o governo português e a FRELIMO, excluindo outras forças políticas moçambicanas, parece-nos suficientemente explicadas nos capítulos anteriores.
Havia muitas agendas, mas noplano prático nenhuma accçãoo. Num país em guerra, a paz discute-se entre os beligerantes e não com outras forças. Para além de que a FRELIMO estava, no plano internacional, reconhecido pela OUA quer pela Nações Unidas.
Foi nesse pressuposto que à chegada a Lusaka para dirigir as primeiras conversações, Mário Soares afirma:
O único partido com o qual há que negociar é o partido que toma parte da luta. Para acabar com uma guerra é preciso chegar a acordo com aqueles que fazem a guerra.
Analise-se a forma como a COREMO, reagiu a esta nova conjuntura. Aquando do golpe em Portugal, Faustino Kambeu, secretário da Informação da COREMO, afirmou que era muito cedo para entender convenientemente o que aconteceu em Portugal, mas esperava que o golpe fosse um primeiro passo para a democracia. Aguardo que o novo Governo torne públicos os seus pontos de vista sobre a política colonial para fazer juízos. Sobre a participação em conversações, Kambeu afirma que a COREMO não participaria em nenhuma negociação, a não ser que significasse a independência.
Valentim Sithole, dirigente da COREMO, baseado em Lusaka, foi inquirido por elementos dos serviços de informação norte-americanos, durante a curta estada de Mário Soares. Dá conta de que não havia qualquer plano para se encontrar com Mário Soares, durante a sua permanência em Lusaka. Entrevistado por vários jornalistas, afirma que a sua organização defendia um referendo para decisão do futuro de Moçambique e estava pronta para negociações em qualquer lugar, mesmo em Lisboa.
Das declarações iniciais de continuar a guerra, em menos de trinta dias, passa a admitir a realização de um referendo.
A 23 de Maio o Dr. Artur Vilankulos, representante da COREMO nos Estados Unidos, tem um encontro, a seu pedido, com funcionários do Departamento de Estado em Washington. Para evitar dúvidas leva consigo uma credencial. Questionado sobre a real implantação no terreno deste grupo, Vilankulos dá a resposta que se espera: que eram muito populares.
Após várias consultas às suas chancelarias no Malawi, na Zâmbia e na Tanzânia, para o Departamento de Estado em Washington, a COREMO era um dado fora das negociações. A sua única preocupação passa a ser ocultar os diversos contactos que foram mantendo com Paulo Gumane.

A corrida vertiginosa de Joana Simeão

Enquanto decorriam as conversações entre a FRELIMO e o Governo Português, o presidente da COREMO, acompanhado de Faustino Kambeu, encontravam-se no Malawi há duas semanas. Aparentemente esperavam ter um encontro com o embaixador de Portugal naquele país. Mas a principal razão não era essa. Deriva do propósito do Dr. Banda ver
-se afastado do processo negocial. Ele que sempre foi tão amigo do Governo de Lisboa, vê-se preterido em favor de Kaunda.
Banda entendeu que Jorge Jardim, ao adquirir o estatuto de persona non grata para o novo poder de Lisboa, tinha de mudar.
Hasting Banda a chegar a Moçambique,
numa das suas muitas visitas.
 A 27 de Maio chama ao seu palácio em Blantyre, o encarregado de negócios de Portugal. Informa-o, que o Malawi iria conceder asilo político a Jorge Jardim e que uma delegação da COREMO se encontrava no Malawi, pedindo os bons ofícios do Governo do Malawi para regressar a Moçambique e reafirma a sua disponibilidade ao Governo português para quaisquer contactos julgados úteis no ou através do Malawi.
No dia seguinte, o encarregado dos negócios português caminha novamente para o palácio presidencial, em cumprimento das instruções que havia recebido de Lisboa. Depois de transmitir que por parte do seu Governo, só há razões para se considerar que se abrem novas perspectivas de boas relações, mensagem que deixou Banda exuberante, é a vez de apresentar a má notícia: a estranheza pelo facto de Jorge Jardim não ter sido advertido pelo Governo do Malawi, no sentido de se abster de atitudes que podem comprometer as relações entre os dois países.
A pretensão do regresso de elementos da COREMO a Moçambique, não é comentada. Este terá sido o último encontro amistoso entre a representação diplomática portuguesa e o Governo de Banda, que se sente cada vez mais isolado.

Quem não fica pelos ajustes, para aguardar eventuais actividades da COREMO, é a polícia zambiana. Nos início de Junho, prende vários dirigentes, apreende as poucas armas e encerra as pequenas bases localizadas próximas da fronteira moçambicana.
Joana Simeão a 28 e 29 de Junho encontra-se em Blantyre. Havia deixado o GUMO, em sérias desavenças com Máximo Dias, Formando a FRECOMO. Tem encontros com o presidente Banda e com Paulo Gumane. A Drª Simeão exige que Gumane regresse imediatamente a Moçambique. Ambos têm a exacta noção de que é necessário encontrar um líder negro para liderar a oposição à FRELIMO.
No encontro acima referenciado foi decidido enviar Artur Vilankulos a Moçambique. A inesperada recepção pública em Lourenço Marques, com a imprensa previamente avisada, revela-se suficiente para que o Dr. Vilankulos entenda a falta de maturidade e a incapacidade de Joana Simeão guardar um segredo. A forçada aliança passa a ser minada por desconfiança.
Entre a chegada de Vilankulos `Beira em meados de Julho seguirão para aquela cidade 23 elementos da "nova COREMO". Seriam integrados na MUNIREMO, cujo líder era Pedro Mondlane. Uma cópia, de cor e sentido inverso dos "Democratas de Moçambique" relativamente à FRELIMO. Procuram cativar alguns dos "partidos dos brancos", nomeadamente a "Convergência Democrática" para integrarem essa frente.
Começou a desenhar-se um contorno internacional de apoios a esta frente não declarada mas assumida. Envolvem o Malawi, a Suazilândia e o Quénia. 
Rei Sobhuza II da Suazilândia
No meio deste cenário, já tão cheio de actores, é chegado a vez do Rei Sobhuza II, da Suazilândia, ntrar em cena: Envia, a 20 de Maio, uma delegação a Dar-es-Salam, para se encontrar com a FRELIMO. Convinha estabelecer relações de boa vizinhança com o anunciado novo detentor de poder em Moçambique. Aproveita para lembrar uma antiga reclamação territorial sobre a zona de Maputo. Pretensão que estragou a visita. A 23 de Maio, o Rei recebe Joana Simeão. O seu reino passa nos meses de Junho a Agosto, a ser o local o local favorito para os encontros conspirativos.
Uma alargada e pouco discreta assembleia magna tem lugar de 15 a 17 de Julho, com a presença de mais de 250 pessoas, em Mbabane. A sua promotora foi Joana Simeão.
Poderia parecer, com o participado encontro, que a estratégia delineada urdida por Joana Simeão estava a dar frutos. Só que antigas desavenças, desconfianças e líderes a mais, conduzem a um fracasso.

Cessar-fogo camaradas

Enquanto as forças de oposição se desgastam em viagens e a tentar criar alianças sem resultados, a 1 de Julho a FRELIMO abre a Frente da Zambézia, comandada pelo general Bonifácio Gruveta. No mesmo dias FPLM atacam a povoação de Murraça, na província de Sofala. Era a extensão da guerra como Machel o havia anunciado, ocupando terreno, se bem que a abertura daquela frente já estivesse prevista.

Samora Machel aproveita a abertura da nova frente, para a 6 de Julho, mandar mais alguns recados. Apela à unidade nacional e ataca o colonialismo, agora mascarado de democrata e humano, afirmando que se o Governo português, deseja restabelecer a paz e engajar-se na via que conduzirá ao estabelecimento de relações de amizade e cooperação entre os nossos países, deverá aceitar as bases para a solução do conflito e reconhecer que a paz é inseparável da independência nacional.
O cenário de guerra em Moçambique complica-se, assumindo novos contornos. Os soldados do exército colonial recusavam-se a combater.Os fuzileiros estacionados no Chire, na Zambézia, não obedeciam a ordens de combate. Recrutas de Boane, recusavam ser destacados para as frentes de combate. E nada lhes acontecia. Começaram a ser criadas, por todas as frentes de combate, situações de cessar-fogo acordadas entre as próprias unidades. O Notícias de 28 de Julho, dá conta da realização de um comício nos subúrbios de Tete, dirigido pelo comandante Raimundo, guerrilheiro da FRELIMO, que após o comício foi convidado a visitar a cidade, tendo sido transportado em viaturas de residentes da cidade.
Guerrilheiros da FRELIMO (Traço amarelo), ao entrarem
em Milange na Zambézia, convidados pela CCAÇ 3554
Na frente da Zambézia, os combates são de curta duração. A 27 de Julho, na Vila de Milange, entram dois camions transportando soldados da FRELIMO em festa. O médico Óscar Monteiro organiza, na sua casa, uma reunião de apresentação dos ementos da FRELIMO, estando presente Bonifácio Gruveta, comandante da Frente da Zambézia. A guerra, tal como estava, estava acabada de parte a parte.
Nota do Blog:Para este desenlace muito contribuiu, uma emboscada, da FRELIMO a um Pelotão da CCAÇ 3554, em 15 de Julho de 1974, na estrada Milange-Mocuba, na qual resultou 9 mortos de soldados portugueses.
Mesmo a tropa de elite, como os GE, está em estado de depressão. Em relatório de 14 de Julho de 1974, regista-se uma apreensão sobre o futuro destes soldados e a contestação que baixaram de rendimento e de que esta situação se manterá nos próximos meses.
Um relatório do COFI, de Julho de 1974, assinala: Incontrolada a situação por parte dos comandos locais em consequência do estado de espírito das tropas, reflexo de uma deturpada mentalidade criada após o MFA de 25 de Abril de 1974 e da insidiosa campanha promovida pela imprensa e Rádio de Moçambique.
Entrada da FRELIMO em Nangade, Cabo Delgado
A Comissão Coordenadora do MFA em Moçambique reúne-se na Beira, a 22 de Julho, e envia um telegrama de conteúdo dramático aos seus superiores hierárquicos: a situação militar tinha duas alternativas ou o reconhecimento imediato do direito à independência e reconhecimento da FRELIMO como legítimo representante do povo de Moçambique, ou a independência resultante do colapso militar. Era um ultimato de um colapso que não convinha a ninguém. Nem mesmo à FRELIMO. Dão conta de que os comandantes das companhias operacionais dos sectores de Cabo Delgado e Tete deporem as armas se até ao fim do mês não forem anunciado as negociações. E, em tom dramático, continua o referido comunicado: Em face destes dois cenários exigem que a necessidade imperiosa de anunciar desde já a data a data de negociações e firme propósito de encontrar o cessar-fogo. Assim o Governo Provisório não deve ficar surpreendido se a partir dos inícios mês de Agosto unidades operacionais façam entrega de armas à FRELIMO negando tempo para encontrar solução óptima problema de Moçambique.
Com esta situação de terreno militar, pouco mais restava aos políticos do que encontrar alguma forma de entendimento. Face ao impasse negocial a que se chegara, a FRELIMO decide atirar uma pedrada no charco. Foi a tomada de OMAR (Nametil).
O significado da queda de OMAR (Nametil)

Rompia a manhã a 1 de Agosto de 1974, no aquartelamento do exército colonial, chamado OMAR, mas cuja verdadeira designação era NAMETIL. Estava no seu comando interino o alferes José Carlos Monteiro. 

Vista aérea de Omar norte de moçambique
Para eles, certamente, a guerra já tinha acabado, perdidos num ermo de Cabo Delgado.
Em Naschingwea, face ao impasse negocial, depois das falhadas negociações de Junho, era necessário realizar uma acção capaz de acelerar a marcha dos acontecimentos. Escolhe-se o posto de OMAR.
Samora Machel, pessoalmente, estabelece a táctica. E recomenda, com alguma estranheza para alguns, que a acçãoseja gravada em som e imagem. A 31 de Julho as forças da FRELIMO, as FPLM, tinham cercado por completo o aquartelamento.Inclusivamente colocado artilharia. Era responsável por esta operação no terreno o comandante Salvador Mtumuke. Bem próximo do local, encontravam-se, em atenta observação, o adjunto do Departamento de Defesa, Alberto Joaquim Chipande, assim como o comandante do Departamento de Defesa, Raimundo Pachinuapa.
 Raimundo Pachinuapa
Quando rompe a aurora do dia 1 de Agosto de 1974, os cento e quarenta soldados do aquartelamento de OMAR são acordados por megafones solicitando a sua rendição. Todos estes pormenores da tomada de OMAR foram gravados. A guarnição militar rende-se. Cento e quarenta homens são feitos prisioneiros e três conseguiram fugir.
Seguirão para a Tanzânia, onde chegam a 6 de Agosto. Independentemente da controvérsia, se a rendição resultou de um equívoco ou simplesmente da tomada de decisão mais sensata do seu comandante de não combater, face à situação política que se vivia e mesmo tendo em causa a desproporção do equipamento e das armas, a tomada do quartel de OMAR não pode deixar ser mencionada pelos reflexos que teve. Mais do que uma vitória militar era uma vitória política.
Soldados portugueses, feitos prisioneiros em Omar, a caminho de Naschingwea, na Tanzânia.
O presidente Spínola, com condição para uma ronda negocial, que se inicia a 15 de Agosto, em Dar-es-Salam, exige que a FRELIMO apresente desculpas pelo ocorrido em OMAR. Samora que engenhosamente tivera a percepção de tudo gravar, faz com que a delegação chefiada por Melo Antunes escute essa gravação. O que foi suficiente.
O que se passou a 1 de Agosto, esse aquartelamento, poder-se-ia passar em qualquer outro ponto do país. Havia, da parte do exército português, a total falta de vontade de dar mais um tiro e muito menos de continuar a guerra. Há factos indesmentíveis dessa realidade. O próprio Spínola o admite e escreve que a tomada de OMAR era uma arma decisiva para Samora Machel Machel na mesa de negociações. De militar para militar assim o foi.

A desintervenção norte-americana e a agenda regional.

Em face da nova política portuguesa no sentido de resolverem em definitivo a questão colonial, Kissinger torna, a 25 de Maio, uma posição que vai ter um reflexo positivo nas negociações para a independência de Moçambique - a falta de interesse que esta matéria representava naquela altura para Washington, na sua visão imperial.

Em telegrama enviado à sua Embaixada na Zâmbia, Jean Wilkowski garante que seja transmitido a Mark Chona que os Estados Unidos estavam favoravelmente bem impressionados com o plano razoável que a Zâmbia tinha estabelecido com o intento de negociar conjuntamente os portugueses e os movimentos de libertação para um acordo. Contudo o novo governo português tomou a iniciativa de realizar conversações directas com os movimentos de libertação. Acreditamos que se trata de um desenvolvimento favorável e não vejo necessidade da nossa intervenção.
Kissinger a 11 de Junho envia um novo telegrama à mesma diplomata, no qual que se mostra satisfeito com a iniciativa portuguesa de começar um diálogo com a FRELIMO. Mas não nos devemos envolver nessas negociações ou qualquer caso dar a impressão de que estamos envolvidos. E dá instruções aos seus embaixadores da região para não realizarem quaisquer contactos com a FRELIMO. Escreve ele: Não devemos ter qualquer iniciativa de contactar os movimentos de libertação. Se, contudo, algum dos líderes da FRELIMO solicitar um encontro, deve-se informar para receber instruções. 
A sorte, definitivamente, tinha batido à porta de Moçambique, com a posição de não intervenção da administração norte-americana, de Maio de 1974. Foi uma janela de oportunidade. As rivalidades amaericana e soviética não intervieram no caso de Moçambique, e a República Popular da China dava os primeiros passos em África, com um objectivo ideológico: estender a sua visão da revolução comunista.

Portugal e o Malawi-o desencontro fatal

As amigáveis relações diplomáticas que Portugal manteve com o Malawi, desde a sua independência, vão conhecer um agravamento que acaba em ruptura. A principal razão desse crescente desaguisado foi o apoio que o presidente deu a Jorge Jardim. Refugiado na Embaixada do Malawi, com o estatuto de asilado político.

A 24 de Julho de 1974, o encarregado de negócios de Portugal, no Malawi, João Matos Proença, na aparente impossibilidade de entregar uma nota diplomática ao MNE daquele país, anunciando a retirada dos seus representantes diplomáticos, envia-a pelo correio. No mesmo dia os media têm acesso à carta, forma de transmissão mais rápida do que a via postal.
A razão do encerramento da Embaixada portuguesa no Malawi é, segundo a comunicação oficial, estranhamente enviada por via postal: a atitude assumida pelo Governo do Malawi em relação a Jorge Jardim constitui ostensivo propósito de criar graves obstáculos à mencionada política de descolonização. Mais, Portugal considera inadmissível que o Governo do Malawi consinta que a partir do seu território sejam criados graves obstáculos à política de descolonização.
Este episódio deverá ser inédito na história diplomática 

10º Capítulo, Parte 1: Do Champanhe em Lusaka às Lágrima em Lourenço Marques

As Conversações secretas

Sessenta dia após o 25 de Abril, o novo poder constituído debatia-se, entre diversas facções, não só quanto a questões internas, como também sobre a questão fundamental, que justificou o próprio golpe militar a descolonização. Em Moçambique estava iminente um colapso global. Situação grave, pois existiam apetites dos poderes regionais para aumentar as fronteiras. A FRELIMO havia tornado público, desde a tomada de posse da Junta em Lisboa, que estava pronta para negociações, mas a independência não seria matéria de discussão, resumindo das palavras de Samora Machel: não se pergunta a um escravo se quer ser livre. Todos os outros interlocutores haviam ficado pelo caminho. Em grande parte por sua própria culpa.
A única saída era negociar. O presidente Kaunda, dirige a 16 de Junho, uma carta a Spínola ,incitando-o a continuar as negociações.
Manifestação em Lourenço Marques, pró independência
O habitual portador da mensagem foi Mark Chona, que avisa a Embaixada de Portugal na Grâ-Bretanha que chegarão a Lisboa, no dia 23 de Junho. Na carta, Kaunda assegura a Spínola de que a FRELIMO está bem preparada para assumir plenamente a responsabilidade de formar um Governo, como verdadeiros representantes do povo moçambicano e que o multirracialismo é política fundamental da FRELIMO e faz parte do programa do partido.
No seu habitual estilo apela a que não se verifiquem mais atrasos: não temos que pagar pela paz um preço mais elevado do que Portugal e a África já pagaram com o sangue de jovens, a destruição de propriedades, a estagnação económica e a reputação de Portugal no mundo.
Nos primeiros dias de Julho 1974 realiza-se a XI Assembleia dos Chefes de Estado da Organização de Unidade Africana (OUA), era  foi na cidade de Mogadíscio, capital da Somália.
Havia algo de substancialmente nova na agenda de trabalho: a descolonização das colónias portuguesas. Já tinham começado negociações oficiais entre o governo português e os movimentos de libertação, situação que durante anos tinha sido sistematicamente recusada.
Samora Machel, acompanhado por Marcelino dos Santos participa nessa cimeira. Era uma importante prova para a FRELIMO, porque havia a ideia por parte de alguns estadistas africanos mais conservadores de que os processos de independência deveriam ser vagarosos. Sobretudo os mais conservadores viam no posicionamento da FRELIMO de não aceitar um cessar-fogo, já proposto por Portugal com a condição prévia de negociação - uma atitude belicista da FRELIMO.
Neste contexto, na XI Assembleia Geral da OUA. Machel é o centro de atenção.
Yasser Arafat e Samora Machel no XI Assembleia Geral da OUA
As conclusões da Assembleia poderiam ter consequências directas na estratégia adoptada pela FRELIMO. Estavam em curso contactos negociais com as autoridades portuguesas, com algum sigilo, em Dar-es-Salam.
Machel proferiu uma brilhante peça oratória. Inflamado e persuasivo, lembrou a responsabilidade africana, frisando que face aos princípios e resoluções da própria organização, a guerra de libertação deve continuar, até se atingir esses fins, ou seja, o direito à independência do povo moçambicano e ao reconhecimento da FRELIMOcomo seu representante legítimo. Saiu vitorioso da Assembleia da OUA. Tinha recebido o mandato desta organização para continuar a guerra ou negociar.
Dias depois Kurt Waldheim, secretário-geral da ONU, depois de reuniões havidas com o Governo de Lisboa, dando plena cobertura da Nações Unidas ao processo negocial em Moçambique, concorda com a forma como estava a ser conduzida. Esta tomada de posição é transmitida ao então Presidente da Somália, Siade Barre, na qualidade de Presidente da OUA.

Os abraços mostram-se insuficientes

No núcleo duro dos militares que conquistaram o poder, havia a imagem de que não bastava a solidariedade política, forjada de há longa data, tal como expresso no abraço de Lusaka entre Mário Soares e Samora Machel. Como referiu Melo Antunes, não era com meia dúzia de abraços que as coisas se resolviam.

Óscar Monteiro na Tanzânia
Após as negociações falhadas de Junho, Óscar Monteiro, realizava um périplo pela Europa Ocidental, com a finalidade de sensibilizar esses governos para a única solução possível.Havia o risco de abalar o prestígio internacional da FRELIMO, que ao continuar uma guerra com um regime estava preparado para negociar e implantava uma democracia, ao fim de longos anos, e por isso considerada uma organização radical e de carácter belicista. Risco acrescido a URSS e os Estados do Leste Europeu haviam reconhecido o novo Governo português.
O Ocidente não entendia porque razão haveria a FRELIMO de continuar a fazer a guerra a um Portugal que dava os primeiros passos rumo à democracia.
E um novo dado surge em Lisboa. O 1º Governo transitório, a 9 de Julho de 1974, demite-se. Um novo Governo toma posse a 18 de Julho.o major Melo Antunes é nomeado pelo 2º Governo provisório ministro sem pasta, encarregado pela descolonização. a 27 de Julho é promulgada uma lei, de três artigos, que cria um quadro jurídico no qual reconhece o direito à autodeterminação incluindo a aceitação da independência dos territórios ultramarinos. O império jurídico caminhava para o seu fim.
Com reservas, a FRELIMO reconhece esse importante passo, que já lhe tinha sido informalmente anunciado.
Aquino de Bragança informa Óscar Monteiro que havia preparado, aproveitando a sua estada na Europa, um encontro secreto entre ele e uma delegação portuguesa, que teria lugar em Amesterdão, na residência privada de uma médica. Foi organizado por Sietse Bosgra, activista de um Comité de Libertação. Melo Antunes e Almeida Costa e o embaixador Cunha Rego (em representação de Mário Soares)comparecem ao encontro clandestino com o solitário Óscar Monteiro. Na realidade a minha posição era ouvir, porque a posição da FRELIMO era claro. Teria a posição portuguesa evoluído? Portugal estava pronto para avançar para uma solução que respeita o direito à autodeterminação? Concordamos imediatamente em marcar um encontro para Dar-es-Salam,
Foi ainda acordado, a pedido da delegação portuguesa, que novos encontros se mantivessem secretos.
Na sequência do que fora acordado, a "Casa da Paz" nome árabe de Dar- es-Salam, recebe, de 30 de Julho a 2 de Agosto, Melo Antunes e Almeida Costa, chegaram, como combinado, de forma sigilosa. Reúnem-se com a FRELIMO com a FRELIMO. Afirma Melo Antunes: Vou dizer-lhes fundamentalmente o seguinte: nós temos a concepção de que não pode haver quaisquer espécie de dúvidas quanto à nossa vontade de descolonizar, isto é, à nossa intenção de reconhecer ao povo moçambicano o direito à autodeterminação.
Estavam encontradas as bases para um encontro possível. Duas semanas mais tarde, no mês de Agosto. nova delegação chega à capital da Tanzânia. desta feita, viajam também Mário Soares e Almeida Santos. O acordo estava, nos seus fundamentais aspectos, fechado. Faltava a cerimónia final, marcada para os inícios de Setembro, em Lusaka. Mas, para Melo Antunes o mais difícil estava para fazer: obter a aprovação do general Spínola.
Para os dirigentes moçambicanos, com a conclusão desta etapa, restava um curto prazo de tempo para prepararem um Governo de transição que assumie que a FRELIMOsse o controle do país e organizasse as bases do novo regime que iria vigorar a partir da independência.

Da Machava ao "Continental"

Nos finais de Agosto é mais do que certo que a FRELIMO e o Governo de Lisboa irão assinar o acordo com vista ao reconhecimento da independência de Moçambique e ao processo fe transferência de poderes.
Machel, em conferência de imprensa, na capital tanzaniana, em 22 de Agosto, torna público que as negociações com Portugal começam a 5 de Setembro em Lusaka e que a FRELIMO não vai a Lusaka negociar a independência, pois esta é um direito inalienável do povo moçambicano.
Na edição de 4-9-74, o Notícias transcreve um despacho do Daily Newes, editado na capital zambiana, em que define o programa de transferências de poderes de Portugal para a FRELIMO. Era tempo para festejar. Na capital decide-se organizar um mega comício no estádio da Machava.
Comício no estádio da Machava
Para o Notícias seria: uma manifestação patriótica sem precedentes na história revolucionária do povo moçambicano. Apenas meia verdade. a ideia dos organizadores, uma frente ampla, era que a duração do comício fosse igual à das negociações de Lusaka.
Para ajudar os manifestantes, o encarregado do Governo-Geral, Dr. Ferro Ribeiro, concedeu dispensa aos funcionários públicos para assistirem ao comício, do mesmo modo que foi assegurado o transporte gratuito para o estádio, que por ironia se chamava Salazar.
Samora Machel chega nesse dia a Lusaka, chefiando uma delegação de 22 elementos. O RCM, ciente do momento histórico que se vive, passa a transmitir apenas notícias notícias alusivas ao evento que marcou indubitavelmente a história do país. É a festa pela qual tanto se esperava. Existe, contudo, quem de forma organizada conspire contra essa realidade:Os terroristas tinham conquistado o poder. Era humilhante para aqueles que sempre acreditaram na propaganda oficial que a "destroçada FRELIMO pelas nossas forças".
Por outro lado, os grupos e individualidades de várias raças que andaram a conspirar,temiam possíveis ajustes de contas. 
Cronometicamente em Lusaka em Lusaka correu de pressa e bem. Por volta das 12horas, assinou-se o Acordo de Lusaka. Melo Antunes discursa com a solenidade que o momento exigia, com a comoção incontida dos presentes especialmente do presidente Kaunda. Samora Machel discursa pelos moçambicanos. A numerosa delegação portuguesa deixa Lusaka rumo a Portugal, ficando apenas em sua representação um tenente-coronel afecto ao Estado-maior de Nampula, Nuno Lousada.
Entre a vasta delegação da FRELIMO, entre jornalistas vindos de Moçambique e os convidados existe um ambiente de legitima descompressão. Um sentimento de vitória de que uma nova era se iria iniciar para todo um povo.
Jornalistas moçambicanos e membros da FRELIMO, presentes no Acordo de Lusaka
Na capital da colónia de Moçambique, o ambiente agitava-se, por um lado, de contentamento, por outro, de vingança. Para uns só um golpe de força poderia inverter a situação. O que se enquadrava nas palvras que o general Spínola havia dito a um grupo restrito de líderes dos movimentos, dias antes do início das negociações de Lusaka: Façam alguma coisa que mostre a vontade da Província para eu vos apoiar. Foi no Buçaco, onde Spínola descansava, sendo o grupo composto por Manuel Gomes da Silva,Velez Grilo, Vasco Ferreira Pinto.
No dia 6 de Setembro mais de cinquenta mil pessoas passam pelo estádio da Machava. Os corações alinhavam-se com o que era transmitido da State House de Lusaka, preparando-se para celebrar a já mais que esperada decisão-a paz estava feita. E a festa , mais reduzida, continuava na manhã de 7 de Setembro de 1974.s dias de hoje.
Num longo monólogo. Banda fez o historial das relações diplomáticas entre os dois países e lembra que éramos o único país africano a fazê-lo abertamente e não secretamente, como outros o podem ter feito. Lembra que desde 1964 fiz todo o possível para modificar as condições em Moçambique em favor dos africanos e que sempre considerei como artificiais as fronteiras entre o Malawi e Moçambique. Essas fronteiras não foram traçadas por Deus e nem pelos nossos antepassados. Foram estabelecidas pelos portugueses e pelos britânicos, como colonialistas. Sempre afirmei que o povo de Moçambique era o nosso próprio povo; carne da nossa carne; sangue do nosso sangue
Banda rejeita qualquer acusação de terrorismo e afirma-se não só empenhado na descolonização, como a pretendo muito depressa e nunca em velocidade de camaleão. E se eu soubesse de que Jardim estava a organizar qualquer acção a partir do Malawi para impedir a independência de Moçambique, nem sequer lhe falava. As relações entre Portugal e o Malawi ficaram turvas desde então.

O Golpe inesperado

Enquanto no estádio da Machava se festejava, em plena baixa da então Av. da República, diante dos emblemáticos cafés Continental e Scala, locais bastantes frequentados por elementos das chamadas forças anti-independência, terá passado uma carrinha hasteando uma bandeira da FRELIMO e levando de rastos a bandeira portuguesa. A carrinha era conduzida por jovens brancos.
Este episódio é verdadeiro. Estava lançado o petardo. Era difícil engolir, sem mais. Perseguem a carrinha e os seus ocupantes refugiam-se no edifício do Notícia, na baixa da cidade, que há muitos meses tinha sido declarado quase como a sede da FRELIMO. Os persiguidores partem os vidros da fachada do jornal e atiram granadas para dentro do edifício. Aliás, não era a primeira vez que o faziam. No dia seguinte, o Notícias e a Tribuna não saíram. O pessoal das oficinas, ou fica em casa, ou vai aderir ao movimento de contestação, que se inicia sem aviso prévio.
Os alvos principais e notórios dos contestatários, são atingidos. Primeiro incendeia-se a sede dos Democratas de Moçambique. Segue-se as instalações da Associação Académica de Moçambique. Nas primeiras da noite de 8 de Setembro a cidade é abalada por um enorme estrondo. O paiol militar de Benfica tinha misteriosamente explodido.
Às 14h30 uma multidão reúne-se na Praça Mouzinho de Albuquerque, um grupo parte para a cadeia civil, onde libertam os cerca de cinquenta elementos da PIDE que ainda restavam.

Foi aqui que tudo começou. O 7 de Setembro de 1974
Da Praça Mouzinho de Albuquerque às instalações do RCM, distavam cerca de 200 metros. A emissora relata em directo de Lusaka os acordos e os discursos feitos durante a assinatura dos Acordos. Caminham para o edifício da Rádio. Uma bandeira da FRELIMO flutua no mastro do edifício. Isto está tudo entregue. Manifestam a intenção de entrar nas instalações e daí ao facto consumado tudo se passou num ápice.
Tomam conta da emissão, e a partir das 18h30 começam a emitir, interrompendo a transmissão proveniente de Lusaka.
O Rádio Clube de Moçambique passa a chamar-se Moçambique Livre. Entoa-se o hino nacional português, o hino do Partido Comunista Português e a canção Grândola, Vila Morena. fazem-se apelos veementes para que os políticos se dirijam de boa vontade até à Rádio, pois desconhecia-se o que fazer e era preciso salvar Moçambique.
A emissão, segue neste estado de coisas, até que entra no "éter" a voz do Moçambique Livre, o locutor Manuel de apelido Gomes dos Santos, dirigente do FICO. Gradualmente, vão-se juntando outras figuras como Gonçalo Mesquitela, Deputado da extinta ANP e Velez Grilo, antigo dirigente do PCP. Mesquitela a parte política e Daniel Roxo a parte militar. O comandante de uma organização militarista de defesa, a OPVCD, adere ao movimento, como não poderia deixar de se esperar..
Mandam ocupar os CTT, o Aeroporto e barricar as entradas da cidade.
De um mero movimento de revolta de um sector da população, passa a ser uma rebelião que controla, a partir do dia 8 de Setembro de 1974, a cidade de cimento da capital moçambicana com muitas armas à mistura.

Lusaka a revolta de Samora

Enquanto o Rádio Clube era ocupado, em Lusaka os membros da informação moçambicana passeiam em amena cavaqueira pelos jardins da State House fazendo horas para o coktail da celebração. De súbito, um deles, que tinha estado em contacto com o Rádio Clube, tem conhecimento de que houve o golpe em Lourenço Marques e o alerta generalizou-se.
No salão nobre da State House o momento é de tensão e alguma desorientação.Não se sabia bem o que se passava, as informações eram diversas e sobretudo ampliadas, porque a mensagem transmitida por Moçambique Livre punha qualquer um preocupado. A falta de resposta por parte das forças policiais e militares ainda preocupava mais. Teriam sido aliciadas para o golpe?
Lourenço Marques, 7 de Setembro
Samora estava demasiado emotivo e reactivo. Com murros na mesa e mão na anca, ou de dedo em riste, grita com o solitário tenente-coronel Nuno Lousada ( a delegação portuguesa já tinha saído de Lusaka a caminho de Lisboa): A partir deste momento que nós íamos difundir uma mensagem histórica para o povo de Moçambique, que íamos difundir a ordem de cessar-fogo às FPLM, queremos interromper, para que o combate armado prossiga e se faça sentir em Lourenço Marques. E, neste momento que falo consigo Nuno Lousada, digo, Nampula está cercada pelas nossas forças. Vou dar ordem para o desencandeamento das forças armadas. Continua Samora: Nós vamos já enviar telegramas para os generais Spínola e Costa Gomes a acusá-los de traidores e nós continuamos o combate.
A posição do tenente-coronel Nuno Lousada nunca será esquecida por Samora Machel . Durante a sua única vista a Portugal, em 1983, no banquete de Estado retribuído por Moçambique a Portugal, Samora incluiu na lista de convidados Nuno Lousada, que será esquecido no banquete organizado pelo Estado português.

O caminho para a paz: o Governo de Transição

O recém-nomeado alto-comissário para Moçambique, o almirante Victor Crespo, fazia escala de transito em Frakfurt, vindo de Lusaka a caminho de Lisboa, quando recebe a notícia da revolta em Lourenço Marques. Dá conta das ordens que recebeu de Costa Gomes para partir com urgência com um batalhão de pára-quedistas, de forma a repor a ordem e a autoridade. O general Spínola proíbe o envio de pára-quedistas. E Victor Crespo, acompanhado pelo comandante Gomes Mota, parte então para Lourenço Marques que estava com o aeroporto encerrado aterra na Beira, não só por falta de combustível, mas para, a partir desta cidade, controlar a repentina rebelião e a loucura genuinamente laurentinos.
A juventude laurentina hasteano a bandeira de Portugal no 7 de Setembro
Contrariamente aos que os mentores do Moçambique Livre desejam, este estado de coisas ficou-se pela capital. Nem mesmo com a intervenção e apelos de de Uria Simango e de Joana Simeão. O golpe do Rádio Clube entra, a partir do dia 9, num drama. Começam as agressões provenientes do racismo e nesta guerra os pied-noirs estão à partida vencidos e irão levantar ódios e recalques. A população. A população dos subúrbios, contra-ataca e avança em massa um assalto à cidade do cimento. Do incitamento à coragem dos líderes activos da rebelião passou-se à sua fuga apressada, deixando para os inocentes o ajuste de contas.
No dia 13 de Setembro, Victor Crespo, ocupa o palácio da Ponta Vermelha. Era um sinal de que os acordos deviam ser cumpridos. Era uma manifestação de confiança, sobretudo dirigida à população da capital. O estado de anarquia em que se viveu, a partir do dia 26 de Abril, termina tragicamente a 11 de Setembro.
Joaquim Chissano, 1º Ministro do Governo de transiçãoao discursar na sua posse
A partir do dia 16 de Setembro chega ao hotel Cardoso, os membros da FRELIMO preparados para integrar o Governo de Transição, uma delegação chefiada por Joaquim Chissano como primeiro ministro. Começava uma nova era no país. O caminho era irreversível.
Alberto Joaquim Chipande havia chegado anteriormente à capital, indicado pela FRELIMO para a chefia da Comissão Militar Mista, criada pelos Acordos de Lusaka. 
Do discurso de Samora Machel, de 20 de Setembro, lido pelo primeiro ministro, recém empossado, Joaquim Chissano, destaca-se a seguinte frase, dirigida ao alto-comissário: o colonialismo está enterrado, a independência de Moçambique será um facto dentro de poucos meses. Voltemo-nos pois decididamente para o futuro.
General Joaquim Alberto Chipande
O trabalho desenvolvido pela Comissão Militar Mista foi uma foi uma acção extremamente importante, porquanto se iria passar da teoria à prática e pôr duas forças militares, a trabalharem em conjunto, de forma pacífica, de maneira a que uma substituição das forças de defesa fosse feita e estivesse concluída a 25 de Junho, data escolhida pelos Acordos de Lusaka, para a declaração da independência de Moçambique.
Tarefa que não foi fácil. Era necessário assegurar a ordem pública, desmobilizar os soldados moçambicanos incorporados no exército português.
Inicialmente, a Comissão Militar Mista admitiu a decisão de que estes passariam para as fileiras da FPLM. Mais tarde, os representantes da FRELIMO decidem pela negativa.
Num relatório sobre a extinção da Região Militar de Moçambique, está minuciosamente descrito todo este processo, que cobre o período desde os Acordos de Lusaka até à evacuação final.
Toda a transição poderia ter ocorrido de forma completamente desanuviada não fora o caso da revolta de uma companhia de Comandos, que na tarde de 21 de Outubro decidiu atacar uma unidade da FPLM, em guarnição ao jornal Notícias, em plena baixa da capital, no princípio da tarde.
Esta situação causou novo pânico e muitas e desnecessárias mortes e feridos
Comandos na baixa de Lourenço Marques, em 21 de Outubro de 1974
A este Governo era aplicável uma das frases de Churchill de que nunca tão poucos fizeram tanto. 
Com uma situação económica muito difícil, com a saída massiva de cidadãos portugueses para o seu país de origem, o encerramento de pequenas e médias empresas, dominadas por essa massa humana que regressava. 
O mesmo se passava em sectores de impotância vital como a saúde, a educação e a justiça, a gestão administrativa era feita um dia-a-dia, em que as vinte e quatro horas se revelavam manifestamente insuficientes.
Todo o Governo de Transiçao trabalhou com afinco. A tarefa de Chissano não era, de modo algum, fácil. Para além de, no terreno, ter de dirigir uma máquina que, por um lado, se desintegrava, com o abandono crescente de quadros,por outro, tinha de mostrar serviço que algo de novo sucedera e, sobretudo, prestar contas de forma regular a Samora Machel, que em Dar-es-Salam trabalhava afanosamente para ser o primeiro Presidente de Moçambique.
Joaquim Chissano e Victor Crespo os responsáveisdo Governo de Transição
A 23 de Maio de 1974 num memorável comício em Dae-es-Salam, Samora Machel despede-seda Tanzânia e agradece ao seu povo o apoio que havia prestado. Era a vitória de África. Era a vitória da razão. No dia seguinte, chega oficialmente a Moçaambique. Fica registada a hora em que pisa o solo moçambiacano. Pelas 14H12 de do dia 24 de Maio de 1974. Inícia uma viagem triunfal que o conduz à capital a 23 de Junho, para ser recebido em delírio nas ruas da cidade. Às zero horas do dia 25 de Junhoera hasteada a bandeira da Répública Popular de Moçambique. Nascia um novo Estado. Morria definitivamente um Império.
25 de Junho de 1974. A bandeira de Moçambique é hasteada.Nascia um novo Estado.Morria definitivamente um Império
                                    Fim 

Sem comentários:

Enviar um comentário

MTQ