A TALHE DE FOICE
Por Machado da Graça
No seu discurso sobre o estado da nação, Filipe Nyusi declarou que, embora não estivesse satisfeito com o tal estado, se sentia orgulhoso do trabalho realizado ao longo dos seus primeiros 11 meses na direcção do Governo. O que bastante me surpreendeu.
Orgulhoso de quê?
Se bem percebo a situação do nosso país, as duas principais questões que enfrentamos são a Paz/Guerra e a Economia. E, em ambas, estamos bastante piores do que estávamos quando ele tomou posse.
Comecemos pelo primeiro, a Paz/Guerra: Depois de todo o tipo de malabarismos perigosos do seu antecessor, que nos conduziram a quase dois anos de guerra, pudicamente baptizada de “hostilidades militares”, e depois da fraude eleitoral que agravou, de novo, o problema, todos ficámos com a esperança de que, mudando o timoneiro, mudaria o rumo do navio e seríamos conduzidos, finalmente, à Paz efectiva. E os dois encontros Dhlakama/Nyusi pareceram apontar nesse sentido. Tudo reforçado pela saída de Armando Guebuza da presidência do partido Frelimo e subida ao cargo de Nyusi.
Só que aí aconteceu alguma coisa nos bastidores que parou todo este processo prometedor e virou, outra vez, o navio Moçambique para o rumo que leva ao desastre. E acelerou os motores para lá chegar mais depressa.
Se os primeiros encontros Dhlakama/Nyusi tinham criado no dirigente da Renamo a confiança de que, com Nyusi, era possível conversar seriamente, a realidade rapidamente mostrou o contrário. Todas as propostas da Renamo, de se ultrapassar pacificamente a crise provocada pela fraude eleitoral, foram sendo liminarmente chumbadas pela bancada maioritária na Assembleia da República. Bancada que, pelo menos em teoria, obedece à direcção máxima do partido Frelimo, isto é, também em teoria, a Filipe Nyusi.
Simultaneamente fomos assistindo à compra desenfreada de material militar, sabe-se lá a que preço.
E começámos a ouvir declarações de altos dirigentes dos ministérios do Interior e da Defesa falando do desarmamento compulsivo das forças da Renamo.
E ouvindo histórias de tentativas de assalto às bases da Renamo, no centro do país, normalmente resultando em fuga das forças governamentais deixando mortos e feridos no terreno.
E passámos à fase de ir beber a experiência angolana.
Nessa fase, para além de ouvirmos Filipe Nyusi a gabar os resultados obtidos por Luanda e um famoso coronel na reserva a aconselhar, abertamente, a “savimbização” de Dhlakama, assistimos ao início da prática dessa nova política: as duas emboscadas contra Dhlakama, em Manica, e o assalto à casa dele na Beira. Sem qualquer sucesso, de resto, mas cavando muito fundo o fosso da desconfiança entre as partes.
E nisso estamos, com a pequenina luz ao fundo do túnel que foi o tímido conselho do Comandante em Chefe das Forças de Defesa e Segurança, aos seus subordinados, para que repensem a ideia do desarmamento compulsivo da Renamo.
Passemos agora à Economia. Em resumo, a dívida externa está encavalitada em cima dos limites entre o pagável e o impagável (com forte tendência para cair para o segundo lado...), o Metical caiu desastrosamente e os preços dos produtos de primeira necessidade subiram muito para além das possibilidades da maioria dos moçambicanos: energia, água, pão, tudo...
É verdade que toda esta situação foi herdada dos tempos do “filho mais querido na nação”, mas passou um ano e não vemos que estejam a ser tomadas as medidas fortes que a situação exige. Pelo contrário vão-se pondo paninhos com água morna na ferida enquanto nos cantam canções de embalar.
Grande parte do problema deriva da dívida externa e essa vamos sabendo, aos poucos, como foi aumentada.
E, se não sabemos ao certo, desconfiamos muito de que foi acrescida de forma descontrolada para que alguém metesse ao bolso fortes percentagens e luvas. Só que parece não haver coragem para ir verificar esses bolsos e exigir de volta aquilo que lá foi parar ilicitamente. Pelo contrário, a bancada parlamentar do partido Frelimo no Parlamento, teoricamente dirigida por Filipe Nyusi, faz todos os possíveis para impedir que se façam investigações sérias sobre esses assuntos.
Portanto, neste período de festas, com fome e a caminho de uma nova guerra, não posso deixar de perguntar: Orgulhosos de quê?!!!
SAVANA – 25.12.2015
Deslocados na Gorongosa repetem “Natal em branco”
Centenas de deslocados do conflito político-militar na Gorongosa, centro de Moçambique, repetem hoje um “natal em branco”, divididos entre a fome, a insegurança e a incerteza devido ao perdurar do diferendo entre o Governo e a Renamo.
“Queria que a situação político-militar ficasse resolvida (em 2016)”, disse à Lusa Bernardo Matchisso, que se refugiou na vila da Gorongosa em Outubro, após escapar a confrontos entre as forças governamentais e homens armados da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), o maior partido da oposição em Moçambique.
Confrontos entre as forças especiais da polícia moçambicana e a guarda da Renamo, resultantes de tentativas de desarmamento compulsivo do movimento, provocaram uma nova vaga de deslocados nos finais de Outubro nos distritos da Gorongosa e Inhaminga, em Sofala.
Centenas de famílias fugiram dos confrontos em Sadjundjira, no sopé da Serra da Gorongosa, onde o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, viveu escondido durante os primeiros 17 meses do conflito, até surgir em público em 4 de Setembro de 2014 para participar nas eleições gerais moçambicanas e onde regressou a 9 de Outubro após a invasão da sua residência na Beira pela polícia.
Os deslocados do conflito de 2013 e 2014 voltam este ano a enfrentar a fome, a que tentam escapar trabalhando na agricultura local a troco de comida.
“Queremos voltar para casa para vivermos como antes, porque a actual situação não nos dignifica”, disse à Lusa Inácio Baera, outro deslocado na vila da Gorongosa, que repete pelo terceiro ano consecutivo um “natal em branco” e que procura animar-se com a recordação das “festas com tudo em casa antes da guerra”.
No bairro Nhataca 2, a sul da vila da Gorongosa, onde o governo local tinha instalado o centro de trânsito para os deslocados, centenas de tendas militares foram substituídas por construções improvisadas e o desejo dos moradores em regressar a origem é ainda “atormentado” pela insegurança e incertezas apesar da pausa dos confrontos.
“No natal de 2014, esperávamos um 2015 tranquilo e de fartura, porque recuperaríamos a nossa vida. Mas 2015 foi pior. Depois da fome, ainda perdemos famílias pela guerra. As novas ameaças não trazem segurança e esperança” afirmou Faustino Baera.
As forças de segurança moçambicanas assaltaram a base da Renamo em Sadjundjira e desalojaram Afonso Dhlakama em 21 de Outubro de 2013, tendo o então ministro da Defesa e actual Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, justificado a acção como combate ao “terrorismo interno”.
Depois disso os incidentes violentos intensificaram-se em várias zonas do país, e só pararam quando foi alcançado um acordo de Paz, assinado em 5 de Setembro entre o então Presidente moçambicano cessante, Armando Guebuza e o líder da Renamo.
Os confrontos foram reeditados depois de a Renamo ter rejeitado os resultados das eleições gerais de Outubro de 2014 e exigir a criação de seis províncias autónomas sob seu governo.
Há um mês, Filipe Nyusi defendeu ponderação no desarmamento compulsivo da Renamo, como forma de dar espaço ao diálogo, mas o líder da Renamo – que não é visto desde a 9 de Outubro – não reapareceu e ameaçou, numa conferência de imprensa por telefone - governar as províncias onde reivindica vitória eleitoral a partir de Março próximo.
Lusa – 25.12.2015
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