quinta-feira, 1 de outubro de 2015

KENNEDY E SALAZAR: AFRICA E OS AÇORES

 KENNEDY E SALAZAR: AFRICA E OS AÇORES de dois relatores que visitariam Angola e Moçambique. No seu lugar, o grupo afro-asiático passou uma resolução fortemente anti-portuguesa que exigia a imposição de sanções e condenava "o extermínio em massa da população indígena de Angola"123. Os Estados Unidos votaram contra a resolução, bem como Portugal, a Africa do Sul e os seus aliados europeus mais próximos. O fracasso da iniciativa americana foi outro ponto de viragem nas relações entre Lisboa e Washington, já que veio mostrar a Lisboa o limite da influência americana no Conselho de Segurança bem como a incapacidade das Nações Unidas de impor sanções a Portugal. Para os Estados Unidos a resolução falhada foi uma grande derrota para a política americana, que tentava colmatar a brecha entre os implacáveis portugueses e os estados africanos que cada vez ficavam mais impacientes. No dia que se seguiu à votação na ONU, foi um Holden Roberto frustrado que escreveu a Kennedy a partir de Nova Iorque. Aplaudiu a posição anterior dos americanos na ONU como um "indicador da vontade de aplicar a moralidade e a justiça, correndo o risco de serem duramente criticados... Hoje, por outro lado, há necessidades exclusivamente humanitárias dos nossos refugiados e estudantes que são descuradas e ajuda que é terminada devido a pressões do Departamento de Estado". Holden Roberto pediu uma reunião com um representante da Casa Branca para discutir apoio para Angola - "uma luta que com certeza ainda apoia". Em mais uma afronta para o nacionalista africano, o Departamento de Estado recomendou liminarmente à Casa Branca que "não desse qualquer resposta" à carta de Holden Roberto124. A Fachada Portuguesa Uma das razões porque a administração Kennedy permitiu que a questão do colonialismo deixasse de ser prioridade na lista da política externa americana, foi a nova medida do regime de Salazar de aparente estabilidade em Portugal e nas suas colónias. Salazar já não tinha de lidar com conspiradores no seio da sua administração e o conflito em Angola tinha abrandado de intensidade. Na verdade, Lisboa estava a desenvolver outros laços que iriam servir de travão contra os esforços americanos de exercer pressão sobre Portugal. Numa tentativa óbvia de espicaçar os 79 CONFRONTO EM AFRICA Estados Unidos, Portugal assinou um acordo comercial com Cuba, ao qual Franco Nogueira se referiu informalmente como "vantajoso para ambas as partes". Em Africa Portugal apoiava materialmente Moisés Tshombe, líder do movimento de secessão do Katanga, uma província rica em minerais no sul do Congo. Se Katanga fosse independente e se aliasse a Portugal, retiraria ao MPLA e à UPA um refúgio importante a partir do qual lançava ataques a Angola. Um Katanga independente era também contrário aos objectivos americanos e ao objectivo da força de manutenção da paz da ONU. Face às pressões americanas e às críticas do terceiro mundo, Portugal aproximou-se da França e da Alemanha. A atitude francesa para com Portugal era influenciada pelo seu interesse político e cultural em Portugal e pelo desejo francês de manter a África ligada à Europa e de limitar a penetração política e económica dos americanos no continente africano. A Alemanha compartilhava os argumentos de Portugal acerca da ameaça do bloco comunista. Além do mais, como a Alemanha não era membro das Nações Unidas, não era pressionada nem influenciada pelo "terrorismo psicológico" dirigido a Portugal por outros membros desta organização125. Enquanto Portugal manobrava através do seu isolamento internacional, o regime tinha cada vez mais dificuldades em manter a ordem interna. Um golpe militar na guarnição de Beja no dia de Ano Novo de 1962 teve uma liderança desastrosa e como tal foi rapidamente esmagado. O General Humberto Delgado, que tinha sequestrado o Santa Maria num gesto de desafio inédito contra o regime de Salazar, tinha regressado a Portugal via Marrocos e Espanha, para liderar o ataque. Em vez de mobilizar diversos oficiais que estavam insatisfeitos com as políticas de Salazar, os atacantes foram confrontados e derrotados por tropas leais que, ao contrário do que se esperava, não ficaram "neutras"126. A CIA atribuiu ao PCP o crédito de "dirigir e orientar" o golpe falhado. O PCP, encabeçado pelo advogado estalinista Álvaro Cunhal, era o principal inimigo do regime. Os seus quase oito mil membros eram altamente disciplinados e organizados. Apesar da vigilância opressiva da PIDE, o PCP tinha-se infiltrado eficazmente em grupos estudantis, de trabalhadores e intelectuais. Os restantes grupos anti-Salazar - os 80 KENNEDY E SALAZAR: AFRICA E OS AÇORES socialistas, alguns católicos e republicanos - não tinham o estatuto nem a organização do Partido Comunista, nem eram tão eficazes na sua oposição ao regime de Salazar e, como tal, estes grupos não tinham problemas em colaborar com os comunistas. Isto viria a ter um enorme impacto no período que se seguiu à queda da ditadura Salazar-Caetano. Ao golpe de Beja falhado seguiu-se meses mais tarde uma greve estudantil na Universidade de Lisboa. O regime de Salazar tentou esmagá-la de imediato e a polícia ocupou a universidade. Esta acção de força acabou por levar à demissão de Marcelo Caetano, reitor da universidade politicamente influente e antigo ministro da Presidência, porque achou que a sua autoridade tinha sido diminuída. A demissão de Caetano, entre acusações de que ele era incapaz de controlar os alunos na universidade, foi uma vergonha e outra potencial ameaça para Salazar. Três meses após a sua demissão da universidade, a sede da CIA em Lisboa indicou que Caetano se tinha juntado a um "grupo moderado da oposição" do qual faziam parte um antigo Presidente da República, Craveiro Lopes e o Ministro da Defesa demitido, Botelho Moniz. De acordo com a CIA, o grupo tinha já escolhido um "gabinete sombra" no qual Caetano seria o Primeiro-Ministro depois de se levar a cabo um "golpe rápido e sem derramamento de sangue". Este plano nunca chegou a ser executado, bem como outro que estaria a ser liderado pelo Ministro do Ultramar, Adriano Moreira. Os opositores ao regime de Salazar eram encorajados pela ideia de que Washington veria com bons olhos "um governo português estável mas menos reaccionário". Naturalmente que esperavam reconhecimento diplomático imediato por parte dos EUA assim que tomassem o poder127. Independentemente da verdade dos vários relatórios de golpes, Salazar reforçou a sua posição em Dezembro de 1962 ao fazer uma remodelação governamental profunda. Entre as mudanças contou-se a demissão do Ministro da Educação Lopes de Almeida e o Ministro do Ultramar, Adriano Moreira, que era visto por muitos no interior do regime como sendo "demasiado ambicioso e oportunista e independente ao ponto de ser suspeito...". Numa avaliação à remodelação, Roger Hilsman, director do Gabinete de Informação e Investigação, concluiu que "Salazar poderá estar a reunir o que ele considera ser a equipa de 81 CONFRONTO EM ÁFRICA defesa-ultramar mais forte e mais fiável, a prever uma deterioração da situação em Angola e Moçambique"128. A análise de Hilman foi muito acertada. Eml961, Salazar disse a Elbrickque com a independência da Tanzânia (então chamada Tanganica), que se aproximava, ele esperava um surto de violência em Moçambique, semelhante ao que tinha ocorrido em Angola. Na verdade, em Junho de 1962, a Frente para a Libertação de Moçambique (FRELIMO) foi criada em Dar es Salaam, a capital da Tanzânia. Sob a batuta de Eduardo Mondlane, que tinha frequentado a universidade nos EUA e estava numa licença do seu cargo de professor de sociologia em Syracuse, a FRELIMO estava preparada para declarar guerra aos portugueses em Moçambique. Em Angola a situação militar tinha chegado a um impasse. Para o Departamento de Estado parecia "improvável que os insurgentes angolanos ou os portugueses conseguissem resolver militarmente as insurreições que se avizinhavam". Em ambos os territórios, bem como na Guiné-Bissau, Portugal estava perante um futuro sombrio apesar da imagem positiva pintada pela sua propaganda oficial; no entanto, no seio da administração Kennedy, havia pouco incentivo para se continuarem a debruçar activamente sobre estas tendências129. Os Kennedys e Mondlane Apesar das dificuldades encontradas nas Nações Unidas e em Lisboa, os africanistas da administração Kennedy continuaram os seus esforços para reforçar a posição americana com a causa nacionalista na Africa portuguesa e ganharam um aliado em W. Averell Harriman, que foi nomeado Sub-Secretário de Estado para os assuntos políticos em Abril de 1963. Harriman, um diplomata e burocrata astuto, partilhava a preocupação do presidente em relação a Africa e conhecia bem as personalidades e questões do continente. Pouco tempo depois de se tornar Sub-Secretário, Williams propôs a Harriman um programa revitalizado para a crise que escalava na Africa portuguesa. Williams chamou a atenção para o facto da "abordagem suavizada" dos EUA em relação a Portugal em 1962 não ter conduzido a uma renovação do acordo dos Açores nem a uma melhoria das condições na África portuguesa. Williams disse a Harriman que Lisboa interpretava 82 KENNEDY E SALAZAR: AFRICA E OS AÇORES esta política como um "enfraquecimento" da posição americana, o que só encorajava o governo português a ser mais inflexível. Aos olhos dos estados africanos os EUA tinham feito um volte-face na sua política, agora favorável a Portugal. O Gabinete Africano sugeria que os EUA, de "forma discreta", incrementassem os contactos com os nacionalistas, aumentassem a assistência à educação e aos refugiados e continuassem a promover o diálogo entre os nacionalistas e os portugueses na ONU. Harriman aprovou as recomendações com o assentimento relutante de Rusk130. O apoio de Harriman surgiu numa altura propícia. Em Fevereiro de 1963, um delegado de Williams, Wayne Fredericks, sugeriu ao Procurador-Geral Robert F. Kennedy que talvez fosse boa ideia reunirse com Eduardo Mondlane, o recém-eleito presidente da FRELIMO. Fredericks sugeriu que o encontro tivesse lugar num local "neutro", como o Metropolitan Club ou talvez em Hickory Hill, a residência dos Kennedy. Depois da resposta positiva de Kennedy, Fredericks lembrou-o de que Rusk proibira altos funcionários de receber dirigentes nacionalistas. Kennedy deitou a Fredericks um olhar decidido e disse "recebê-lo-ei no gabinete do Procurador-Geral dos Estados Unidos. Tragam-no cá. Vai sentar-se onde estás sentado"131. Para evitar atritos com Rusk, Bali e outros, Fredericks conseguiu que Fritz Rarig, um empresário de Filadélfia que conhecia tanto Mondlane como Kennedy, acompanhasse o nacionalista moçambicano na sua reunião. Uma vez no gabinete de Kennedy, Mondlane, corpulento e volúvel, começou a criticar o papel cada vez maior da América no Vietname. Robert Kennedy interrompeu-o e disse que estava mais interessado nos problemas de Moçambique. O presidente da FRELIMO começou então a falar da situação em Moçambique e dos programas da FRELIMO para a educação de refugiados moçambicanos. Mondlane fez referência à "queda inevitável do domínio português" e disse que seria "trágico" se "indiferença e ignorância" juntamente com a necessidade expressa de "aplacar Portugal" evitassem que os EUA passassem "para a linha da frente na luta pela liberdade"132. No fim de uma hora de reunião, Mondlane e Kennedy tinham estabelecido uma forte relação baseada numa visão partilhada do futuro em Angola e Moçambique. Apesar do Procurador-Geral continuar a não 83 CONFRONTO EM AFRICA se comprometer de forma oficial em relação ao apoio americano, disse a Mondlane que pessoalmente queria ajudá-lo a ele e à sua família. Kennedy endossou então a Mondlane um cheque de quinhentos dólares que havia recebido por uma palestra que tinha dado133. Alguns dias mais tarde, Fredericks organizou uma reunião entre Mondlane e Harriman na elegante casa de Georgetown deste último: no fim da reunião de duas horas, ambos os homens nutriam respeito profundo e mútuo um pelo outro. Para Mondlane as suas relações com Kennedy e Harriman eram oportunidades preciosas para ter uma visão mais ampla e um ponto de vista superior do funcionamento da política externa dos EUA referente à Europa, à União Soviética e a Africa. Para estes estadistas americanos, era uma oportunidade de interagir com um indivíduo que achavam poder vir a ser um dos governantes africanos mais importantes134. A seguir à reunião com Harriman, Fredericks perguntou a Rusk e a Bali se estariam interessados em conhecer Mondlane. Por respeito para com a delicada opinião portuguesa, ambos recusaram. Rusk tinha reservas acerca do "desempenho" de Mondlane e comentou que este era uma entidade desconhecida ao passo que para Bali uma reunião desse tipo teria pouco sentido135. No entanto Robert Kennedy não concordou. Na sua opinião, a única abordagem correcta à questão colonial era colocar-se do lado anti colonialista. Seria preciso assistência encoberta caso se desejasse manter uma relação com Portugal, enquanto se criavam novos laços com futuros dirigentes. Da mesma forma, em Washington achava-se que se poderia evitar a guerra nas colónias se os movimentos nacionalistas desenvolvessem fortes estruturas políticas, organizacionais e educativas. Isto permitiria que os movimentos se tornassem alternativas legítimas ao governo colonial e uma força que teria de ser aceite pelos portugueses136. Alguns dias depois da reunião, Robert Kennedy enviou uma nota a Mennen Williams e disse-lhe que tinha ficado "muito impressionado" com Mondlane. O seu programa de educação parecia merecer a atenção americana e auxílio "onde fosse possível". Cari Kaysen, assistente de McGeorge Bundy, teve também uma reunião com Mondlane e achou que este era "muito impressionante, sincero, inteligente" e "de diálogo 84 KENNEDY E SALAZAR: AFRICA EOSA CORES fácil". Mondlane granjeou respeito não só devido às suas capacidades de liderança, mas também por estar prestes a trocar uma vida segura na Universidade de Syracuse por um futuro muito incerto. Em Abril de 1963, estava a pensar-se em prestar secretamente assistência a Mondlane: "cinquenta mil dólares para manter a gente dele quieta e ficarmos por cima". Harriman negociou este auxílio com a administração enquanto Kaysen assegurava a um Bali céptico de que "a gente da Agência está inteiramente confiante de que o conseguem fazer sem levantar ondas"137. Numa carta confidencial a Robert Kennedy, Rarig pediu veementemente apoio secreto para Mondlane. Em retrospectiva, o seu ponto de vista é mais interessante do que a influência que exerceu: "O dinheiro não lhe deveria ser dado com base no pressuposto de que podemos controlar Mondlane. Na verdade, seria um erro tentar controlá- lo porque diminuiríamos a sua utilidade para nós. A verdade é que não o podemos controlar; só podemos confiar nele.... O apoio a Mondlane seria um bom investimento para nós porque o seu programa representa a maior e única esperança para uma solução relativamente pacífica para o problema de Moçambique"138. No fim dessa Primavera a CIA entregou a Mondlane um subsídio de sessenta mil dólares, através do Instituto Afro-Americano em Nova Iorque139. A 10 de Junho de 1963 a Fundação Ford atribuiu uma bolsa de 99.700 dólares ao Instituto Afro-Americano para ajudar a formação de refugiados moçambicanos no Instituto de Moçambique em Dar es Salaam140. Este apoio monetário americano ajudou Mondlane a consolidar a sua liderança na FRELIMO, apesar de não depender especialmente do dinheiro. A FRELIMO recebeu ainda apoio logístico e político da União Soviética e da China, bem como de países da Europa Oriental e Ocidental. Durante os anos 60, a FRELIMO foi o único movimento de libertação em África a receber apoio simultaneamente dos Estados Unidos, da União Soviética e da China141. Ainda assim, o Gabinete Africano do Departamento de Estado, com o apoio vital de Harriman, Robert Kennedy e outras individualidades no NSC, fazia parte de uma minoria cada vez mais reduzida de membros da administração que estava preparada para aceitar os riscos de se alinhar com grupos do futuro, por contraste com "ligações a amigos do passado". 85

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