Sangare Okapi é um poeta e, agora, co-organizador da obra Antologia inédita: outras vozes de Moçambique, com uma nova geração de poetas. Nesta entrevista, Okapi explica qual é a relevância de a obra recém lançada levantar reflexões sobre a estética de uma outra poesia produzida em Moçambique e as razões que contribuíram para que optassem nos autores selecionados.
Acreditam que esta antologia é uma contribuição para pensar a estética da outra poesia produzida em Moçambique e daí entrever o futuro. Qual é a relevância disso?
Indubitavelmente. Repito, indubitavelmente: a literatura moçambicana sempre foi um espaço de mistura de escritores e jornalistas que tiveram uma conciliação que é condição inequívoca de partilhas, utopias, devaneios e experiências múltiplas e contínuas. Quero com esta afirmação lembrar vozes que da literatura habitaram a também casa do jornalismo, vice-versa, com um profundo paternalismo intelectual e cultural. E se agora pergunta a relevância disso, respondo sem receio que foi através da imprensa que se ousaram essas vozes, das revistas especificamente literárias, antologias e mais tarde livros que os legitimaram o lugar estandarte que consagram. A Antologia Inédita-Outras Vozes de Moçambique é grandemente herdeira desse núncio “histórico-literário”.
E por que razão optaram por uma antologia cujos poemas, pelo menos uma boa parte, já foram publicados em livro?
Caçamos com o gato que temos. Lembro-me com certa nostalgia quando vagabundeávamos pelos corredores da AEMO nos anos 90, trazendo no regaço iniciático e incipientes manuscritos, de termos tido o encorajamento da Professora Doutora Ana Mafalda Leite nos seguintes termos: leiam e escrevam que o futuro dirá. Foi assim, que nos finais da década 90 assistimos o surgimento de um Guita Jr. do Xiphefo e um Amin Nordine, a solo do Vertical. Não tardou, nos anos subsequentes veio a tenreiro Aurélio Furdela e Ruy Ligeiro com De Medo Morreu o Susto e Pais de Medo, respectivamente. Como pode depreender uma nova lufada de ar na literatura moçambicana que supostamente se pretendia morta. E morta, se pensarmos nos exíguos espaços de páginas literárias na imprensa, a falta de credibilidade de outras vozes e os quinhentos exemplares domésticos para o consumo... volvido sensivelmente uma década, nada do que justo, anunciar estas vozes canoras e, ainda inéditas nesta sumptuosa montra que é a literatura moçambicana…
“A literatura moçambicana é um espaço de partilhas” É o início de um movimento?
Sim, movimento. Mas movimento no sentido de exercício de pensar diferente – permita o neologismo – o nosso espaço geoliterário sem o falso alarme de gerontofobia. Há aqui uma consciência assumida do fazer literário que ao mesmo tempo que denuncia, convoca e anuncia aquilo que de forma segura se designaria Estesia. Sem anular propostas anteriores que funcionam indiscutivelmente como matriz para a sedimentação do signo qualidade na (ou da) literatura moçambicana.
Ao mesmo tempo que este livro nos premeia com poemas inéditos, traz-nos o feedback dos poemas já publicados em livro. Quiseram legitimar a vossa opção e, consequentemente, a “grandeza” dos autores?
Não convenientemente os autores, todavia celebrar efusivamente a sua poesia que marca, sem dúvida o grande tempo do seu Tempo: títulos que numa primeira leitura parecem divergirem mas convergem na sua estrutura temática. Basta admirar Minarete de Medo e Outros Poemas, O País do Medo, Pátria Que me Pariu, Inventário de Angústias…
Parece haver nesta obra a necessidade de enaltecer a ideia de que existe uma nova poesia e de que a crítica literária moçambicana não se esvaiu. É consciente?
Não arriscaria dizer que exista uma nova poesia. De modo algum, na medida que se calhar o novo nos encaminhasse a novas propostas estéticas. Porém, sim, novos são os autores e as obras de que a crítica já começa a prestar atada atenção. Isso, sim… O resto fica pelo rasto que o caracol deixar por si.
Porquê trazer tantos poemas de um mesmo autor, num universo em que temos tantos poetas?
Por razões que se prendem aos critérios estabelecidos. Era pertinente desenhar uma matriz que nos orientasse. Por exemplo, a selecção foi orientada pela leitura que pudemos fazer da crítica à obra publicada. Esta matriz permitiu estabelecer um equilíbrio, alguma coerência nos textos a escolher para cada autor, de forma que se pudesse ter uma imagem das principais preocupações estéticas.
Neste livro, Ruy Ligeiro aparece com uma escrita que é mistura de muitos saberes. Com a escolha da sua poesia, quiseram levar aos leitores do futuro algum passado?
Boa parte da poesia coligida na antologia é, certa forma, uma longa estrada que nos encaminha a passado: faz jus a memória colectiva, a guerra civil. E não se pode de maneira nenhuma esfumar-se com o tempo, pois deixou frutos imputrescíveis e sementes assassinas, recorrendo à sugestiva metáfora do Gemuce, no País. Portanto, Ruy Ligeiro é vítima disso que resgata no seu O País do Medo.
Sugestões artísticas para os leitores do jornal O País?
A Morte sem Mestre, de Herberto Helder, e Debaixo do Silêncio Que Arde, de Mbate Pedro.
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