quinta-feira, 1 de outubro de 2015

“A literatura moçambicana é um espaço de partilhas”


Sangare Okapi
Sangare Okapi é um poeta e, agora, co-organizador da obra Antologia inédi­ta: outras vozes de Moçambi­que, com uma nova geração de poetas. Nesta entrevista, Okapi explica qual é a relevância de a obra recém lançada levantar re­flexões sobre a estética de uma outra poesia produzida em Mo­çambique e as razões que contri­buíram para que optassem nos autores selecionados.
Acreditam que esta antologia é uma contribuição para pensar a estética da outra poesia pro­duzida em Moçambique e daí entrever o futuro. Qual é a rele­vância disso?
Indubitavelmente. Repito, indubitavelmente: a literatura moçambicana sempre foi um espaço de mistura de escritores e jornalistas que tiveram uma conciliação que é condição ine­quívoca de partilhas, utopias, devaneios e experiências múlti­plas e contínuas. Quero com esta afirmação lembrar vozes que da literatura habitaram a também casa do jornalismo, vice-versa, com um profundo paternalismo intelectual e cultural. E se agora pergunta a relevância disso, res­pondo sem receio que foi através da imprensa que se ousaram essas vozes, das revistas especi­ficamente literárias, antologias e mais tarde livros que os legiti­maram o lugar estandarte que consagram. A Antologia Inédita­-Outras Vozes de Moçambique é grandemente herdeira desse núncio “histórico-literário”.
E por que razão optaram por uma antologia cujos poemas, pelo menos uma boa parte, já foram publicados em livro?
Caçamos com o gato que te­mos. Lembro-me com certa nos­talgia quando vagabundeávamos pelos corredores da AEMO nos anos 90, trazendo no regaço iniciático e incipientes manus­critos, de termos tido o encora­jamento da Professora Doutora Ana Mafalda Leite nos seguintes termos: leiam e escrevam que o futuro dirá. Foi assim, que nos finais da década 90 assistimos o surgimento de um Guita Jr. do Xiphefo e um Amin Nordine, a solo do Vertical. Não tardou, nos anos subsequentes veio a tenrei­ro Aurélio Furdela e Ruy Ligeiro com De Medo Morreu o Susto e Pais de Medo, respectivamente. Como pode depreender uma nova lufada de ar na literatura moçambicana que supostamen­te se pretendia morta. E morta, se pensarmos nos exíguos espa­ços de páginas literárias na im­prensa, a falta de credibilidade de outras vozes e os quinhentos exemplares domésticos para o consumo... volvido sensivelmen­te uma década, nada do que jus­to, anunciar estas vozes canoras e, ainda inéditas nesta sumptuo­sa montra que é a literatura mo­çambicana…
 “A literatura moçambicana é um espaço de partilhas” É o início de um movimento?
Sim, movimento. Mas movi­mento no sentido de exercício de pensar diferente – permita o neologismo – o nosso espaço geoliterário sem o falso alarme de gerontofobia. Há aqui uma consciência assumida do fazer literário que ao mesmo tempo que denuncia, convoca e anuncia aquilo que de for­ma segura se designaria Estesia. Sem anular propostas anteriores que funcionam indiscutivelmen­te como matriz para a sedimen­tação do signo qualidade na (ou da) literatura moçambicana.
Ao mesmo tempo que este livro nos premeia com poemas inéditos, traz-nos o feedback dos poemas já publicados em li­vro. Quiseram legitimar a vossa opção e, consequentemente, a “grandeza” dos autores?
Não convenientemente os auto­res, todavia celebrar efusivamen­te a sua poesia que marca, sem dúvida o grande tempo do seu Tempo: títulos que numa primei­ra leitura parecem divergirem mas convergem na sua estrutura temática. Basta admirar Mina­rete de Medo e Outros Poemas, O País do Medo, Pátria Que me Pariu, Inventário de Angústias…

Parece haver nesta obra a necessidade de enaltecer a ideia de que existe uma nova poesia e de que a críti­ca literária moçambicana não se esvaiu. É consciente?
Não arriscaria dizer que exista uma nova poesia. De modo al­gum, na medida que se calhar o novo nos encaminhasse a novas propostas estéticas. Porém, sim, novos são os autores e as obras de que a crítica já começa a pres­tar atada atenção. Isso, sim… O resto fica pelo rasto que o cara­col deixar por si.
Porquê trazer tantos poemas de um mesmo autor, num uni­verso em que temos tantos poe­tas?
Por razões que se prendem aos critérios estabelecidos. Era pertinente desenhar uma matriz que nos orientasse. Por exemplo, a selecção foi orientada pela lei­tura que pudemos fazer da críti­ca à obra publicada. Esta matriz permitiu esta­belecer um equilí­brio, alguma coerência nos tex­tos a escolher para cada autor, de forma que se pudesse ter uma imagem das principais preocu­pações estéticas.
Neste livro, Ruy Ligeiro apa­rece com uma escrita que é mis­tura de muitos saberes. Com a escolha da sua poesia, quiseram levar aos leitores do futuro al­gum passado?
Boa parte da poesia coligida na antologia é, certa forma, uma longa estrada que nos encami­nha a passado: faz jus a memória colectiva, a guerra civil. E não se pode de maneira nenhuma esfumar-se com o tempo, pois deixou frutos imputrescíveis e sementes assassinas, recorrendo à sugestiva metáfora do Gemuce, no País. Portanto, Ruy Ligeiro é vítima disso que resgata no seu O País do Medo.

 Sugestões artísticas para os leitores do jornal O País?
A Morte sem Mestre, de Her­berto Helder, e Debaixo do Si­lêncio Que Arde, de Mbate Pe­dro.

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