Magistrados são acusados de não terem cumprido a lei ao manterem segredo de justiça por demasiado tempo, comprometendo assim as garantias de defesa do ex-primeiro-ministro.
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que permite aos advogados de José Sócrates acederem por fim a todo o processo em que o ex-primeiro ministro é arguido contém duras críticas não apenas aos investigadores liderados pelo procurador Rosário Teixeira, mas também ao juiz de instrução criminal Carlos Alexandre, que tem viabilizado os pedidos do Ministério Público destinados a manter o caso em segredo de justiça.
“Ou existem razões plausíveis de direito que mexem com a investigação (…) ou não faz qualquer sentido” manter o sigilo, escrevem os juízes Rui Rangel e Francisco Caramelo, “sendo ilegal abrir esta ‘auto-estrada’ de um segredo sem regras e sem ‘portagem’”. Para os magistrados, mais grave ainda é o facto de esta “’auto-estrada’ do segredo sem regras” ter “passado sem qualquer censura pelo juiz de instrução, desprotegendo de forma grave os interesses e as garantias de defesa do arguido – que, volvido tanto tempo de investigação, desde 2013, continua a não ser confrontado, como devia, com os factos e as provas que existem contra si”.
Mais adiante, noutra das partes do acórdão a que o PÚBLICO teve acesso, pode ler-se que “nada justifica que uma investigação que se iniciou em 2013 se tenha mantido todo o tempo em segredo” e criticam-se as justificações “genéricas, vagas e indeterminadas” usadas pelo Ministério Público para manter o sigilo. Tanto o pedido feito pelos procuradores para não ser levantado o segredo de justiça como o próprio despacho de Carlos Alexandre viabilizando essa pretensão “não cumpriram os ditames legais, porque para além de não se encontrarem fundamentados assentam num pressuposto errado que fere a lei e os princípios gerais de direito”. Afinal de contas, dizem Rui Rangel e Francisco Caramelo, o sigilo não pode servir de “arma de arremesso ao serviço da ignorância e do desconhecido”.
E lamentam ainda que em Portugal não existam maiores exigências de robustez jurídica relativamente às acusações contra os arguidos. Usando uma terminologia cara aos advogados de José Sócrates, os magistrados do Tribunal da Relação de Lisboa criticam os “truques” e as “estratégias” do investigador que vitimizam os arguidos.
“O nosso processo penal tem que ser democrático não só nos seus princípios mas sobretudo no exercício constante da sua prática”, advertem. Para concluírem com uma citação do Padre António Vieira: “Quem levanta muita caça e não segue nenhuma, não é muito que se recolha de mãos vazias”.
José Sócrates foi detido há perto de um ano por indícios dos crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva. Está agora em prisão domiciliária e obteve nesta quinta-feira uma "vitória" judicial, ao ver o Tribunal da Relação decretar o fim do segredo de justiça interno, o que permite que significa que os nove arguidos e os assistentes vão poder consultar todos os elementos recolhidos pela investigação desde o início do inquérito.
Os advogados de José Sócrates alegam que esta decisão obriga à libertação de José Sócrates, o que vão solicitar já nesta sexta-feira.
Vários magistrados ouvidos pelo PÚBLICO consideram, contudo, essa interpretação incorrecta, sublinhando que a decisão da Relação só afectará eventuais recusas aos pedidos de consulta dos autos, uma matéria directamente relacionada com o segredo de justiça e não os restantes actos do processo. com Mariana Oliveira
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