segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Estes “sacanas” destes refugiados

13 DE SETEMBRO DE 2015

Tenho um amigo a trabalhar na Hungria, agora, neste preciso e delicado momento. É repórter de imagem da SIC, ou se preferirem cameramen. Está lá há pouco mais de uma semana, na Hungria, entenda-se.
Como é um daqueles amigos que realmente estimo e com quem realmente me preocupo tenho procurado saber dele com regularidade, sem ser chato nem o atrapalhar no trabalho de enorme importância que ele está a desempenhar. Não consigo sequer ter uma leve ideia do que os olhos dele vêm. Ainda hoje (4ª feira) levou um banho de gás lacrimogéneo, só para não ter a mania que é jornalista e que anda para aí a querer informar as pessoas do que se está ali a passar, o abelhudo.
Antes de se ir embora estava realmente apreensivo. Não porque tenha medo de trabalhar, de andar de avião, de dormir no chão, de ver a tristeza, a dor, o desalento e a desilusão, mas sim porque era e é de facto o trabalho mais importante da sua ainda curta mas já bem recheada vida profissional.
O meu amigo é um funcionário impressionante, daqueles com quem dá gosto trabalhar e sair em reportagem. É diferente da maioria dos seus colegas. Porquê? Porque é. Ponto.
É mesmo uma jóia de menino.
É assim porque tem na boca o coração. É assim porque tem nos olhos a preocupação de querer mostrar a quem cá está, cómoda e refasteladamente sentado no sofá, na cadeira do escritório, ou na secretária do trabalho, a emitir opiniões tão certas quanto despropositadas, sobre coisas que não percebe, não conhece, não sabe e não vê.
Claro que eu também cá estou, mas, ao contrário de toda esta gente que tenho visto a levantar vozes de Ira e raiva contra pessoas que nunca viram, conheceram, cheiraram, e sobretudo com quem nunca trocaram uma palavra que seja, a mim chega-me, porque a procuro, informação privilegiada do que se passa, por estes dias, na Hungria. E não são coisas nada agradáveis de se saber.
O R. tem-me contado coisas inacreditáveis.
Em primeiro lugar deve ser desde logo ressalvado que não tem conseguido dormir! E quando não dormes, alguma coisa de errado se está a passar contigo, tal é a necessidade imperiosa que o corpo tem de descansar. Rapidamente me apercebo de que a força e a violência do que vê e grava durante o dia é de tal ordem e índole que à noite, quando se estende estenuado na cama do quarto solitário de hotel onde está hospedado, já fisicamente exausto, não consegue pregar olho. Vira-se e revira-se. Tem vontade de chorar. Tem saudades da mulher que cá está, sozinha em casa, coisa de que não gosta particularmente. Hoje ela vem jantar connosco e isso descansa-o.
A impotência que o arromba e esbofeteia exprime-se com tamanha violência que, à noite, quando pára finalmente de trabalhar, perde ligeiramente o tino e sofre por não conseguir fazer absolutamente nada para atenuar, diminuir ou mesmo acabar de imediato com o sofrimento daquela gente.
O R. é assim mesmo. Querido, meigo, amigo, sempre pronto e desejoso de ajudar quem precisa, munido de um altruísmo difícil de replicar.
Diz-me então que o mais difícil de aceitar são as crianças e os seus olhos carregados de verdade e de tristeza, de medo, fustigadas por terror a mais para anos de vida a menos.
Diz-me também que há gente a enriquecer com isto tudo. Não estranho porque há sempre abutres nas tragédias. Há sempre quem ganhe com as desgraças dos outros e se sinta feliz e orgulhoso por assim ser.
Diz-me que cada pessoa paga quase 5 mil euros para chegar até aqui.
Diz-me que há agiotas a cobrar e à espera de receber o seu “dízimo” que, trocado por miúdos, mais não é do que as poupanças de toda uma vida, agora “gastas” na mais vil das despesas, a luta pela sobrevivência.
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Mas nisto os milhares de portuguesinhos inflamados e “ditadores” não pensam.
Somos um povo que agride muito melhor do que consegue proteger e defender. É histórico. Cultural.
Não fazemos ideia do que é viver e passar por isto que esta gente está a viver, mas, ainda assim, escolhemos, não poucas vezes, defender o indefensável, acreditar no inacreditável…
Os portuguesinhos que agora se revelam racistas, intolerantes, despóticos, alarves, munidos de uma sabedoria que assenta sobretudo nas opiniões dos outros e nunca, jamais, na própria cabeça, são os mesmos que se inflamam contra políticos, contra ordenados de futebolistas, contra tudo… fazendo rigorosamente nada que não… reclamar, injuuriar, criticar, ou seja, não fazendo absolutamente nada.
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Foto: Rogério Esteves
Mas já lá vamos…
Diz-me o R. que as horas que estas pessoas (importante lembrar que são pessoas, antes de serem migrantes, refugiados ou qualquer outra porra que se goste de lhes chamar, são pessoas caramba) passaram dentro de um barco foram as mais longas, mais terríveis, mais imprevisíveis de toda a sua vida.
Não são pedintes. Não são ladrões. Não são violentos. São educados. São letrados. São doutores, engenheiros e advogados. Admirados?
Entretanto vou espreitando o Twitter a cada hora que passa para saber se há novidades.
É de longe a plataforma que mais rapidamente difunde informação, que a dissemina, que a exporta e expatria pelo mundo fora. Só não sabe mais e não vê mais quem não quer saber e ver mais.
E o R. que não dorme, penso. Pobre coitado.
Faço-te um Gin triplo quando chegares e abrimos as garrafas de tinto que quiseres! Ouviste meu amigo?
Conheço-o bem e sei que, embora seja um miúdo de ferro, tudo isto tem de afectar, tem de marcar, tem de moldar, tem de mudar, tem de influenciar o olhar, tem de o fazer chorar!
Desespera por ver tanta criança infeliz. Tanta criança com fome, com frio, com bolhas nos pés de tanto andar, com ranho seco colado ao buço, remelosas que dói, com sede, mas ainda capazes de encontrar forças para sorrir.
Há semanas que não ouvem um rebentamento de uma bomba, que não vêm amigos morrer esmagados ou estilhaçados, que sentem o doce cheiro da liberdade, ainda que não percebam bem o que lhes está a acontecer e que raio é isso de liberdade afinal.
São as crianças que mais o impressionam e têm de impressionar. Porque nelas não há maldade, ganância, terrorismo ou extremismo. Nelas há tão somente a vontade de brincar e de satisfazer as suas mais básicas necessidades. Conforto, carinho, amor, segurança, felicidade e brincadeira.
Mas deixemos agora o R. por um pouco que já lá voltamos, creio que ele está a descansar e por isso vamos deixá-lo estar.
Entretanto, por cá, a coisa pinta-se de uma forma completamente inesperada mas não incompreendida.
Pelas redes sociais, um fenómeno e um mundo que adoro, admiro e onde estou activamente presente, mas que produz efeitos nefastos sobre as mentes das pessoas mais mal formadas, menos capazes de pensar pelo próprio cérebro e, sobretudo, que difundem a palavra de qualquer coisa que encontram postado, tuitado, partilhado ou publicado, como se fossem verdades incontestáveis. Vivem de axiomas e acreditam piamente no que dizem, sendo que nem sequer sabem o que estão a dizer ou mesmo o que estão a fazer. Nem sequer sabem o que pensam as suas próprias cabeças. Defendem e difundem aberrações escritas por terceiros, com notícias tantas vezes não verificadas, não confirmadas, nas diversas contas de origem extremamente duvidosa que existem nas redes sociais, sem sequer se darem conta do sentido escrito e lacto das anormalidades incríveis do que dizem. Mas atenção que estes “meninos” foram os primeiros a partilhar, a retweetar e a repostar, por exemplo, a fotografia da criança morta à beira mar numa praia da Turquia, de cara na areia, ainda vestido, abandonado ao destino que quis que ali se finasse a história da vida daquele menino. Porque isso sim, essa é a realidade desta gente…
Veiculam e partidarizam uma discussão que não tem sequer moralidade para existir.
E agora já não há charlies em lado nenhum…
Foto: Rogério Esteves
Foto: Rogério Esteves
É certo e sabido que todos temos o direito a pensar o que quisermos sobre o que quisermos, onde quisermos, como quisermos, mas uma coisa também devia ser certa, não temos o direito de ser gratuitamente maus, estúpidos, velhacos, desrespeitosos, racistas, xenófobos e sobretudo injustos para com quem nunca nos fez mal, nunca nos desrespeitou, nunca nos vilipendiou de forma alguma.
O medo do desconhecido produz no ser humano reacções tão estúpidas e abjectas que chego a pensar que na verdade não dou para este mundo. Não me revejo nestas práticas, nestas índoles, nestas manifestações odiosas e repugnantes contra pessoas indefesas, incapazes sequer de decidir o próprio destino.
Senhoras e senhores, informem-se! Por favor! Procurem informação para lá dos pasquins que vos enchem a mente de cocó! É tão fácil, tão simples, tão acessível. Hoje em dia só diz e defende merda desta cor, cheiro e consistência quem efectivamente quer ser estúpido, quem efectivamente quer ser e dizer merda. Porque se o maior valor humano é a defesa e o aproveitar da própria existência, da vida, da vivência, como é possível alguém defender que estas pessoas, estes “monhés” que vêm lá da Síria ou do cú de judas, que “cheiram mal”, que são todos terroristas e que se vão todos rebentar, porque eles passam a vida a rebentar-se por dá cá aquela palha, só por causa das sereias, perdão, das virgens prometidas.
Tanta ignorância em tão poucos caracteres.
Tanta alarvidade e tão pouca solidariedade.
Tenho esperança no futuro da humanidade.
Tenho esperança nas pessoas, nos homens, nas mulheres e sobretudo nas crianças.
Mas se a tenho é também porque tenho amigos como o meu querido R., que tem olhos limpos, carregados de esperança e bondade, de solidariedade, de altruísmo.
Obrigado meu amigo por tudo o que nos tem mostrado dia após dia, noite após noite.
Tu e a Cândida Pinto (citando o meu amigo e colega António Reis: “este nome deve pronunciar-se com reverência)” têm mostrado a Portugal que estamos “muito mal” na verdade…
Por fim, dizer apenas que, ao que parece, Portugal vai receber entre mil e três mil refugiados sírios (o número não é claro, não é redondo, nem é definitivo), num país com perto de 11 milhões de habitantes. Acham mesmo que eles nos vão roubar os empregos, que vão constituir organizações terroristas e que todas as mulheres passarão a usar Burkas?
Foto: Rogério Esteves
Foto: Rogério Esteves
Mais depressa me parece que veremos elefantes a andar de patins em Belém. Mas isso, isso não seria estranho para ninguém. Volta rápido meu amigo. E volta bem. Nós por cá vamos mantendo acesa a chama do orgulho que temos por ti, está bem?
Dá um beijo meu a todos e todas aqueles que encontrares ou para quem olhares.
Por vezes um olhar faz tanto ou mais do que uma palavra.

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