Inês, de dois anos de idade, tosse esgotada e com febres altas, enquanto se esconde nos braços de Cacilda. Tem asma, e o forte odor das estradas de terra batida, que as levam em direcção à Estrada Nacional número 1, pioraram o seu estado. A mulher que lhe abraça, com ternura, é uma tia. Teve de sair do coração de Homoíne com a sobrinha. A irmã, prestes a entrar em serviço de parto, disse-lhe que devia partir com a sua filha sem olhar sequer para trás. “Salve a minha filha”, suplicou-lhe. Aos seus 17 anos de idade, Cacilda cuida de Inês como uma mãe desde que deixou a irmã num posto de saúde sem parteiras e entregue ao deus-dará.
Ainda não estamos em guerra, diz o discurso oficial, mas Inês já se converteu numa das sobreviventes desta "paz". Enquanto falam de ladrões de gado e de um conflito circunscrito a um espaço específico do território nacional, já há escolas vazias e destroçadas em nome da paridade. Famílias desfeitas e uma fome sem fissuras em vários distritos. E com este desgraçado diálogo de surdos espera-se que a cifra de crianças como Inês aumente consideravelmente.
Dizer, portanto, que Moçambique está à beira do abismo não constitui nenhuma novidade, mas a reactivação das bases da Renamo ao longo do país dá mais força ao pronunciamento. A descida ao inferno vai-se consumando pouco a pouco à medida que o conflito se alastra para a região sul do país, mas a violência vem-se reproduzindo faz tempo como se tivesse um guião escrito. Infelizmente, a insegurança voltou, fazendo com que o país retrocedesse duas décadas.
Quando estes pequenos episódios do drama de pessoas como Inês e Cacilda passam despercebidos das grandes manchetes dos nossos jornais que advogam lutar pelos fracos é preciso questionar as nossas prioridades enquanto humanos. Ou seja, quando a mãe de Inês morre porque as parteiras deixaram o posto de saúde nas costas para salvar as suas próprias vidas, a sua filha passa a ser simplesmente menina de ninguém, sem nome, sem registo, sem identidade, e também sem futuro. Abandonada à sua sorte e enxotada de forma cruel da terra onde nasceu, Inês sobreviverá apenas por inércia na mais absoluta miséria. E agora, para aumentar mais o seu sofrimento, recebe a notícia de que a mãe perdeu a vida.
Assim, como Inês, já há órfãos da paridade, mas depende de todos nós alterar o destino destas crianças. Inês já ofereceu a sua mãe, mas sem que as mães de quem alimenta o conflito armado – dos dois lados – tenham o mesmo destino é impossível justificar o barulho das armas.
Texto de 2014
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