Quarta, 24 Junho 2015
DE há uns tempos a esta parte os moçambicanos e outros indivíduos que aqui vivem têm enriquecido o seu vocabulário com uma expressão/designação que há 15 anos era uma raridade ou mesmo desconhecida. Refiro-me a designação “sociedade civil (SC)”. Exceptuando os mais informados ou os indivíduos envolvidos na dita cuja, arrisco a afirmar que muita boa gente não sabe o que é isso de “sociedade civil”.
Vale a pena acrescentar, antes de “entrar” no fulcro da questão, que a proliferação nos últimos tempos de movimentos ditos da sociedade civil, lembra o nascimento e proliferação entre finais da década de 1990 e princípios da de 2000, como autênticos cogumelos, das chamadas organizações de combate ao HIV/Sida. Muitas delas patrocinadas e financiadas por organizações não-governamentais ou instituições de cooperação dos países do primeiro mundo.
A velocidade com que nasceram e ainda nascem “hoje” os grupos de sociedade civil no nosso país encontra paralelo com a velocidade com que nasceram as organizações que diziam pretender contribuir para o combate contra a que é apelidada de epidemia do século. Sabe-se hoje que o balanço das actividades dessas organizações no combate ao HIV/Sida diz respeito é francamente negativo. Frustrante. De tal maneira que alguns dos doadores retiraram os apoios e, como consequência, muitas dessas organizações “evaporaram-se”…
Como que para substituir aquelas nasceram os grupos da chamada “sociedade civil”. Cada um com os seus propósitos específicos. E, mais uma vez, patrocinados, suportados e financiados pelo Ocidente…
Mas, afinal, “sociedade civil” o que é? Para que serve? Quem é que pode ser membro dos grupos?
Em jeito de respostas: “sociedade civil” é uma expressão que indica oconjunto de organizações e instituições cívicas voluntárias, irmanadas pelo objectivo de promover e defender interesses comuns. Pode-se considerar ainda “sociedade civil” como um movimento em que se baseiam os alicerces de uma sociedade em funcionamento. A forma do seu funcionamento está, digamos, em oposição ao funcionamento das estruturas de um Governo, dos partidos políticos ou outras instituições cujas actividades contam com a ajuda dos Estados.
Vale a pena referir que as primeiras definições da “sociedade civil” surgiram com o filósofo escocês, Adam Ferguson, que produziu e publicou a primeira obra literária intitulada “Ensaio Sobre a História da Sociedade Civil”, em 1767. Numa fase já mais adiantada, o conceito de “sociedade civil” foi desenvolvido por Immanuel Kant, sendo que para ele a “sociedade civil” devia igualmente estar baseada no direito. Em termos de filiação, julgo ser útil informar que qualquer cidadão pode ser membro de um grupo da chamada “sociedade civil”, desde que comungue dos propósitos para os quais é criado.
OS PROPÓSITOS DA SC EM MOÇAMBIQUE
Em termos teóricos e baseando-me nos enunciados extraídos, uns, de estudos realizados sobre o tema, outros, a partir das “apresentações” de alguns grupos integrantes da tal de SC, pretende-se que estes movimentos sejam participantes e credíveis nos processos de desenvolvimento democrático moçambicano; pois ela deve constituir-se em valor acrescentado e que, por isso, contribuem ou devem contribuir para a credibilidade do processo da construção da democracia no país.
Tal contribuição deve concretizar-se através da sua participação em assuntos de natureza social, política e económica, quebrando de certa forma o monopólio do Estado na gestão da coisa pública. De acordo com alguns dos estudos consultados, os objectivos atrás enunciados só podem ser alcançados quando a SC assumir o papel de parceiro forte na gestão dos assuntos do Estado sem que para isso tenha de o substituir.
Olhando para o panorama nacional, principalmente nos dias que correm, ocorre-me questionar, qual é de facto o papel da “nossa sociedade civil” na construção da democracia em Moçambique? Qual o seu impacto na arena política do país? Estará esta SC a servir de facto os interesses da sociedade ou os grupos que a constituem, não passarão de uma reprodução de organizações políticas que almejam, por isso, o poder político?
Marcelino Silva - marcelinosilva57@gmail.com
Lixeira de Hulene: impacto socioeconómico (Concl.)
Quarta, 24 Junho 2015
6. SE de facto efectivar-se o encerramento da lixeira de Hulene, as mais de 300 pessoas que nela trabalham vão conhecer o desemprego. Trata-se de pessoas que ganham a vida com base na recolha de resíduos sólidos recicláveis, tal como plástico, papelão, vidro, metal, entre outros, chegando até a trabalhar cerca de 12 horas ao dia, tal como refere o Professor Doutor Gustavo Djedje, director da Faculdade de Ciências de Terra da Universidade Pedagógica – Maputo, contratado para o estudo pelo Conselho Municipal da Cidade de Maputo, como refere o apontamento de reportagem de um informativo electrónico de 10 de Abril de 2015, editado por Anchieta Maquitela.
7. Segundo os dados do estudo do professor Djedje, os catadores de lixo têm aquela actividade como a única fonte de sustento das suas famílias. “O elevado índice de desemprego no país não deu outra escolha a estas pessoas senão catar lixo para posterior venda (…) elas não usam máscaras e por isso facilmente contraem doenças como tuberculose, diarreias, cóleras, gripes, náuseas constantes”, sublinha Djedje.
8. E, se o encerramento daquela lixeira é uma vitória por parte dos residentes daquele bairro e bairros afins, culminando, automaticamente com a cessação da “república autónoma da lixeira de Hulene” sugerida por Maússe, surge em contrapartida um outro problema: qual é o destino que seguirão aqueles catadores – crianças, jovens, adultos, idosos até aos sessenta anos – que trabalham naquele lugar e têm a venda de lixo como base de sustento e garantia existencial?
Ainda na mesma linha da pergunta acima, surge mais uma pergunta: se de acordo com o estudo de Djedje, apesar de existirem pessoas com nível de licenciatura, de médios, muitos dos catadores de lixo só têm até 6.ª classe, entanto que nível de escolaridade, que tipo de trabalho que se pretenda honesto e lícito poderão executar essas pessoas por forma a garantir sua subsistência e de seus respectivos agregados familiares?
9. Na sequência, lendo as laudas do estudo encabeçado pelo professor Djedje, consta que quando a lixeira encerrar as mulheres deslocar-se-ão para uma nova, que em termos probabilísticos fundar-se-á no bairro de Matlhemele, algures no município da Matola. E quanto aos homens, estes arranjarão uma outra base de sustento, assim refere professor Djedje, algo que me põe muito céptico em termos de efectividade. Sobre isso, perguntaria ao professor Djedje, no caso dos homens, que base seria essa? Seria lícita ou ilícita? Atentaria ou não às populações dos seus bairros de origem? O crime nos bairros aumentaria ou não? Portanto, quais seriam os inúmeros impactos consequentes do encerramento desta lixeira?
10. Doutro, vestido da lupa de futurologia proposta pelo filósofo moçambicano Severino Elias Ngoenha em sua obra “Das Independências às Liberdades” de 1993, suponho que em termos de previsões os homens tornar-se-ão criminosos; as crianças pedintes de rua numa primeira fase e posteriormente criminosos, visto que a vida nas ruas e ambição vai coagi-los; as mulheres senão conseguirem ter uma vida digna vendendo em mercados próximos, o mais provável é enveredarem pelos caminhos sombrios da prostituição; e se os homens tornam-se assaltantes, é óbvio que nos bairros o crime vai aumentar, podendo até filiarem-se nas redes de sequestradores, dos arrombadores de residências e de contentores nos mercados, dos assaltantes asfixiadores nos becos dos nossos bairros carecidos de urbanidade organizacional e de um patrulhamento eficiente e eficaz.
11. Assim, arrolados todos esses factos e previsões indicados neste nosso texto, é preciso que os responsáveis pela gestão da coisa pública acelerem o mais breve possível o encerramento daquela lixeira como forma de salvaguardar a saúde dos moradores de Hulene e dos bairros afins; é preciso igualmente que se proíba a construção de habitações em volta da nova lixeira que se vai fundar, porque não raras vezes as pessoas é que vão atrás do perigo e quando este rebela-se, de seguida culpam o Governo.
12. E, por último, como forma de evitar o desencaminhamento daqueles jovens catadores de lixo, a edilidade podia criar meios de ajudá-los formando-lhes em cursos intensivos de carpintaria, serralharia, mercearia, electricidade, etc. Aspectos que não precisariam de acontecer se o nosso Estado promovesse e investisse um pouco mais numa educação técnico-profissional (saber fazer), ao invés de escolas públicas de regime geral em que o estudante estuda 12 anos (de 1.ª à 12.ª classe), mas nada sabe manejar.
13. Excelências, uma sociedade para avançar, não precisa que todos nós sejamos doutores. A sociedade precisa de todo o tipo de profissionais: massa pensante e maioritariamente massa fazedora. Platão, Booker Washington e os positivistas também defendiam isso. E, a nossa educação será que observa isso? – Um tema por debater em próximos artigos.
IVAN DÁRIO MAÚSSE
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