28/5 às 7:28 · Editado ·
O Instituto Negrofilo, que mais tarde veio a ser conhecido como Centro Associativo dos Negros de Moçambique, foi fundado em 1932. Samuel Dabula nasceu em 1915.
Em alguns spots da RM, produzidos no âmbito do centenário deste proto-nacionalista, diz-se que ele foi fundador do Centro Associativo. Pode-se assumir e acreditar que Samuel Dabula fundou o Centro com 17 anos? Ou estaremos perante (mais um) caso de falta de pesquisa histórica?
Era bom que os conhecedores se pronunciassem, para que não se reinvente a história. Samuel Dabula possui méritos próprios para não precisar de ser atrelado à força a factos a que não esteve ligado.
Daniel Alexandre Mondlane E caso pra dizer com as tecnologias de ponta, tornamo nos preguicos. Paste copy ou algo semelhante
Elidio Cuco Bom so posso passar a bola para meu amigo Egidio Vaz e para o meu antigo Professor Rui laranjeira, alias este ultimo fez apresentacao no dia da homenagem.
Horácio André Cuna Pois é, Excia. É bom que os conhecedores se pronunciem mesmo, a bem da verdade. É certo que 17 anos de idade é muita juventude para ter criado o Instituto, mas quando me lembro que Adelino Chitofo Gwambe criou a espinha dorsal da FRELIMO - a UDENAMO - com apenas 20 anos, sinto-me tentado a pensar que sim, o Dabula pode ter criado o instituto com aquela tenra idade.
Maitu Buanango Caro Dr Gabriel Muthisse, concordo parcialmente com o Horacio Andre Cuna, Nao sei se a colocacao da sua questao ee a mais correcta de todas, pois, estaa implicita a ideia de que nao acredita que o perecido Dabula, com a idade que mencionou, tenha tido logrado tal feito. sendo assim, o ideal seria, na minha modesta opiniao, que nos apresentasse aqui elementos factuais que comprovem o contrario, mais do que levantar meramente questoes retoricas. Afinal o seu cepticismo estaa em volta da idade? Me parece que se for so este o argumento em voga, pode nao ser suficientemente forte, tendo em conta o contexto. quando fala de reinvencao da historia pode significar que conhece a verdadeira historia, sendo assim, nao seria sensata a sua colocacao, no lugar levantar-se suposicoes? Peco desculpas se nao estiver a contribuir.
Gabriel Muthisse De acordo com dados que tenho, Samuel Dabula se liga ao Centro Associativo dos Negros de Moçambique em 1943, quando é convidado pela respectiva direcção para as funções de professor da escola primária que a Associação detinha. Não encontrei nenhum dado que ligue esta personalidade à fundação do centro.
Gabriel Muthisse Caro Maitu Buanango, a ciência se faz, também, de questionamentos.
Bayano Valy não sei, caro Gabriel. mas lembro-me que alguns dos dirigentes da frelimo estavam a entrar na idade de adulto quando começaram a se juntar ao movimento revolucionário. dá para pensar
Maitu Buanango De facto, caro Gabriel Muthisse, desde que os questionamentos tenham alguma disciplina e rigor cientificos.
Gabriel Muthisse Há livros, Bayano Valy, que falam da fundação do Centro. Leia as Memórias de Raul Honwana. Leia também o livro de Rocha, sobre associativismo em Lourenço Marques. Nenhum deles, que eu me lembre, fala de Dabula como fundador do Centro. Muito menos das associações que antecederam o Centro.
Gabriel Muthisse Maitu Buanango, eu não faço ciência no Facebook. Não sei se você escreve teses aqui.
Julião João Cumbane Aqui deu para eu esboçar um sorriso!...
Maitu Buanango Caro Juliao Joao Cumbane, confesso que, tambem, nao me aguentei e dei uma risada...esse foi um flagrante tremendo de alguma escassez de argumentacao. enfim, sao coisas que acontecem a todos nos, incluindo aos grandes, como foi o caso.
Julião João Cumbane (Risos)
Dino Foi bwakakakakakakaka
Bayano Valy por isso mesmo, não sabia. vou ler
Daniel Alexandre Mondlane E quem foram os fundadores do centro associstivo dos negros ilustre muthisse.
Maitu Buanango sim, caro Gabriel Muthisse, peco desculpas se tiver exagerado, mas pelo que me lembre, quem falou de ciencia aqui, foi a V. Excia, Com todo o respeito e protocolo observado!
Julião João Cumbane (Risos) Gabriel Muthisse e Maitu Buanango, permitai que eu ouse dizer-vos que se "ciência" tiver a haver com a "produção e partilha de conhecimento, segundo o método científico", então pode fazer-se muita "ciência" no Facebook!
Maitu Buanango Risos, caro Julião João Cumbane, o ilustre Gabriel Muthisse ja nos apresentou o seu conceito de ciencia, o que nos resta e' respeitar a posicao dele, concordando ou nao. Ate porque, o mesmo fez a questao de sentenciar o angulo da sua abordagem conceptual.
Frederico Pereira Parece que quando se escreve a história, exalta se as pessoas, acontecimentos, duma forma épica, esquecendo se da rasteira das contas, de facto 17 anos é muito pouco! Mas culpados são os que não contam bem a história. Moçambique ha muitos casos destes.
Frederico Pereira cabe aos criticos da história pesquisarem! quanto ao centro ele foi fundado, no âmbito .......e ......
Filipe Ribas A idade, no caso vertente, não me parece relevante. Aos 17 anos, no tempo colonial, estando no quarto ou quinto ano do liceu, como muitos da minha geraçäo, já se era homem para muitas lutas. A Pide prendeu tantos com idade abaixo desta.
Quanto ao Dabula na fundaçäo do Centro, é uma questão de pesquisar, para não juntar uma inverdade às muitas que a nossa história contém.
Nhecuta Phambany Khossa O Arquivo Histórico deve ter dados sobre o assunto, incluindo publicações de jornais da época, relatando este facto.
Daniel Andicene Caro Muthisse, eu posso concordar porque ate Samora Machel comecou a dirigir com cerca de 20 anos de idade. O meu pai mesmo, foi a Luta de Libertacao Nacional, em 1964 com 18 anos de idade. Eu fui fundador do Grupo "Os Crocodilos" na zona de Janaque, distrito de Gondola, em 2001, tinha apenas 17 anos, por isso meu caro Gabriel Muthisse, eu posso concordar plenamente.
Daniel Andicene Mas deixemos os peritos trabalharem na materia pra apurarmos dados exequiveis
Gabriel Muthisse Caro Filipe Ribas, concordo, em parte, contigo. Mas, conhecendo parte do percurso de Dabula, embora sem datas, é de duvidar da sua participação na fundação do Centro. Teve, primeiro, de completar a quarta classe (e está não se fazia com 10 anos, como agora!). Teve, depois, de ir a Alvor, para fazer o curso de professorado. Depois, foi colocado como Professor numa escola rural de Marracuene. Não é possível que tenha completado todo este percurso antes dos 17 anos.
Só um pouco mais tarde é que Samuel Dabula foi colocado como Professor primário numa escola de Nhlanguene, onde mais tarde veio a ensinar Miguel Guebuza, o pai do Presidente Guebuza.
Foi desta escola que, em 1943, veio a ser convidado para o Centro Associativo.
Os meus dois livros que contêm dados sobre a fundação do Centro foram-me surripiados. Procurei-os hoje, para conferir a lista dos fundadores.
Mas, a confiar na minha memória, na altura da fundação do Instituto Negrofilo Samuel Dabula ainda não fazia parte da elite de assimilados de Lourenço Marques
Filipe Ribas Aqui estão, de facto, os inexoráveis dados que fazem meritoso o seu post Gabriel Muthisse. Dito o que me retiro de vez, que amanhã vou a Universidade de Manjacaze, para uma temporada de inculturaçäo de três dias. De alguma coisa voltarei mais erudito.
Sergio Matsinhe E porque nao ter fundado?com qts anos marcelino se juntou a frelimo?magaia?joana simeao?entre outros
Gabriel Muthisse O Sergio Matsinhe devia ver os comentários anteriores
Daniel Andicene Documentemo-nos. Alias, uma analise-critica-analise nunca e' mau porque traz a tona dados escondidos em baixo da garrafa
Sergio Matsinhe Tem razao,n vi,farei ja!
Amilcar Joaquim Inguane So espero que essa (in)verdade não se perpétua por mais anos sem um esclarecimento devido por parte daqueles que a promoveram..... espero que não fique carimbado na nossa historia como a inverdade do primeiro tiro do início da luta armada pela Frelimo
Cesar Ngozo Assunto!!!
Eusébio A. P. Gwembe Horácio André Cuna, é falsa a ideia de que Adelino Gwambe criou a espinha dorsal da Frelimo. Foi Baltazar Changonga, em 1959, quando criou Associação Nacional Africana de Moatize, onde fora enfermeiro de 1924-1954. Foi Baltazar que escreveu, em finais de 1960, para Mondlane, (e não Samuel Gideon Mahluza como disse numa entrevista); enquanto Marcelino dos Santos, na Tanzania ido de Rabat, já estava a desenvolver a ideia de unir os movimentos maconde em clivagens: Li a carta, inclusive a resposta de Mondlane, que se comprometia ir a Tanganyika logo que estivesse de férias. Quanto o assunto levantado por Gabriel Muthisse, foi mesmo em 1932 que a portaria 1617, de 12 de Março, oficializou o Centro Associativo dos Negros de Moçambique. Quando os estatutos da Associação foram alterados, a Portaria 3490 de 17 de Agosto de 1938 reconheceu-os. A portaria 18.802 de 31 de Julho de 1965 é extinto pelo seu apoio à Frelimo. Samuel Dabula entrou em 1943 quando a organização já estava em pleno funcionamento.
Horácio André Cuna Aprender, aprender, e aprender sempre. Eusébio A. P. Gwembe, permita-me uma pequena questão, para melhor compreender a sua intervenção: É falso que a UDENAMO tenha sido criada por Gwambe ou é falso que a UDENAMO tenha sido a organização mais relevante na formação da FRELIMO, a ponto de ser suplantada pela Associação Nacional Africana de Moatize (de que nunca ouvi falar, confesso a minha ignorância)?
Eusébio A. P. Gwembe Teve expressão pelas razões de que Mondlane e Marcelino dos Santos, sobretudo este último, tiveram que filiar-se a ela nas suas pretensões de unir os movimentos. Tinha mais pessoas escolarizadas do que os restantes movimentos. Basta referenciar que os dirigentes da Tanu, por exemplo, não eram moçambicanos, haviam sido propostos pela TANU.
Horácio André Cuna Não se referiu ao seu fundador. Já agora, sabe dizer, nem que seja por alto, o número de membros de cada um dos três movimentos na altura da união?
Eusébio A. P. Gwembe Sim, Horácio André Cuna. Vou entrar ao meu arquivo da Torre do Tombo para compilar as diferentes discussões em torno da União. A primeira união foi feita em Accra, Ghana, sem presença de Mondlane. E não foram os três movimentos mas dois porque Baltazar estava a espera da resposta de Mondlane com quem não concordou na questão de Luta Armada a ponto de mandar retirar 12 de seus colegas que Mondlane os tinha enviado para treinos militares (um assunto grande este). Mateus Michinji Mole, presidente do Manu, Lourenço Milinga Milinga, seu secretário Administrativo, Hlomulo Chitofo Gwambe da Udenamo e Calvino Zeque Mahayeye, assinaram o documento da primeira união.
Horácio André Cuna Sei da união de Accra, que entretanto não prevaleceu, daí me referir especificamente a de Dar-es-Salaam, onde estiveram três movimentos. Aguardo por mais detalhes, assim que sair do seu arquivo da Torre do Tombo... Cptos e votos de bom fds
Eusébio A. P. Gwembe Desculpe ao Gabriel Muthisse por fugirmos ao tema da postagem: Horácio André Cuna, na falta de tempo para compilar aproveito colocar aqui o primeiro grupo executivo da Frelimo.
Amilcar Joaquim Inguane Parabéns Eusébio
Horácio André Cuna Obrigado pela partilha. Sempre pensei que o primeiro secretário para defesa e segurança tivesse sido o Filipe S. Magaia.
Eusébio A. P. Gwembe Filipe Magaia entrou na Terceira remodelação, em Maio de 1964, Horácio André Cuna. Substituiu a Leo Milas que estava a acumular entre propaganda e segurança.
Horácio André Cuna Obrigado, Gwembe.
Ndaneta Mbuya Nkulo Vendo e aprendendo com os lucidos
Eusébio A. P. Gwembe Vou ver se localizo, entre o que tenho, os nomes dos fundadores do Centro Associativo dos Negros de Moçambique. Lembro-me ter lido.
Gabriel Muthisse Muito obrigado Eusébio A. P. Gwembe.
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Edmundo Galiza Matos adicionou 2 fotos novas — com Gabriel Muthisse e 6 outras pessoas em Matola 700.
Por Luís Loforte
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Quando me formularam o convite para ser um dos oradores desta evocação ao Mestre Samuel Dabula Nkumbula, a primeira dentre várias perguntas que eu coloquei foi: em que qualidade o faria?
Respondeu-me o Celso Muianga, a quem desde já agradeço o simpático convite, que o orador pode posicionar-se entre uma ou mais das circunstâncias seguintes: tê-lo conhecido, ter com ele trabalhado ou, finalmente, ter escrito algo sobre ele.
Pareceu-me um leque de opções suficientemente acolhedor para eu tentar caber nele, ainda que a custo.
Já escrevi sobre o Mestre Dabula, em livro e em programas radiofónicos, e nesta última circunstância em parceria com o meu irmão mais novo, aqui presente, o Edmundo Galiza Matos. Foi, pois, nesta condição que decidi aceitar o repto, mesmo acreditando que não venha acrescentar valência substantiva ao que pessoas mais abalizadas já disseram ou venham a dizer. E não são poucas, nem são de pequena monta: Joaquim Alberto Chissano, Pascoal Mocumbi, José Craveirinha, Armando Emílio Guebuza, Eneas Comiche.
Se conheci o Dabula? Bem, conheci-o, sim, mas com natural distanciamento, quer ditado pela diferença de idades, quer ainda porque os contextos históricos e sociais em que vivemos eram diversos.
Para quem viveu nos subúrbios de Lourenço Marques, sabe como as crianças se impunham parar de jogar à bola quando uma pessoa respeitável passava pelo recinto. A poeira podia deslustrá-la, ou a bola, acidentalmente, lhe podia atingir. Ai de nós se aos nossos pais chegasse tal deslize!
Foi pois nestas circunstâncias de respeito reverencial que conheci o Mestre Dabula, no Xikossi, jogando à bola, o mudhikatla, o Xidronke. Mas também conheci-o virtualmente nas emissões da Voz de Moçambique. Cabe aqui referir que esta virtualidade começara em Inhambane, nas sessões de escuta familiares da Hora Nativa, a predecessora da Voz de Moçambique, cujas emissões se destinavam à população indígena.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Entendo que este colóquio não visa apenas evocar o Mestre Dabula, mas também revisitarmos a História, encararmos presente, e com isso projectarmos o futuro. Se não formos honestos para com os factos que a nossa memória registou, então não vale a pena revisitarmos a nossa História. E não vale a pena justamente porque quem revisita a História certamente procura reconciliar-se com ela. Como diria o poeta José Craveirinha, “Frágil é o presente sem passado. Medíocre é o futuro sem presente. Triste é o Homem sem memória.” Nenhum moçambicano quererá, disso tenho a certeza, ser frágil, ser medíocre e viver triste.
Quando ingressei na Rádio Moçambique, passam já quase 40 anos, e apesar de saber ir servir a Emissão A, o foco inicial foi conhecer os míticos locutores da Voz de Moçambique: Samuel Dabula Nkumbula, Albino Ribeiro Pachisso, Silvestre Mabuyángwè, Ilda Estêvão Macunguel, Joana Mariana Belém, Felicidade Timóteo Komari, Hassan Zubair, Guidione Vasconcelos Matsinhe, Evódia Raul Gueija Phessane, Matânia Odete Dabula, João Sáite, Andrade Matsinhe, Ernesto Miguel Likaunga, Rosa Maria, Mateus Bushili, Judite Taimo, Manuel Bonomar, Jonas Akungono, Maria Consolação, Augusta Cipaco, Ester Lilinga. Eram eles que habitavam o meu universo radiofónico de então, e por isso precisava de os conhecer, rapidamente. À medida que os ia conhecendo, não foi a todos infelizmente, fixei que a vivacidade da maioria contrastava com o recolhimento do Mestre Dabula, mantendo assim intacta a tal distância que nos separava já desde os subúrbios laurentinos. E pelos mesmos motivos? Ou seja, pelo respeito reverencial que eu nutria por ele? Isso não podia colher porque agora tinha pela frente um homem fugidio, taciturno, ausente, em tudo contrastando com aquilo que eu sabia ter sido: atleta, encenador, regente de grupos corais, activista de tudo e mais alguma coisa relacionados com a cultura. Mas então o que é que poderia explicar aquele seu desvanecimento? Por então, temos que dizê-lo, as pessoas não faziam perguntas. Apenas se perguntavam.
Um e outro dos meus colegas mais velhos, e à medida que a confiança mútua subia de nível, foram-me adiantando e por artifícios diversos aquilo que pensavam vir a contribuir para dissipar as minhas inquietações. Sendo porém verosímil o que me diziam, a verdade é que sentia que algo de supletivo se me faltava revelar. Há momentos na vida em que a verdade, sozinha e sem complemento, não nos satisfaz.
E depois o tempo e a vivência na Rádio Moçambique vieram fazer luz a algumas das minhas dúvidas, a vacilações quanto a aceitar como verdade acabada aquilo que me davam a consumir sobre o Mestre Dabula. Mas a tomada de consciência em relação ao problema vinha de trás, embora ténue. Vinha do tempo em que o Mestre Dabula ainda vivia e se apresentava, episodicamente e muito debilitado, ao serviço.
O Mestre Dabula sofria de recorrentes problemas cardíacos. Era um problema antigo, congénito, o que quer dizer que os mais velhos, das lides religiosas e associativistas, nomeadamente da Igreja Presbiteriana e do Centro Associativo dos Negros da Colónia (Província) de Moçambique tinham dessa enfermidade pleno conhecimento e plena consciência. Mas ainda que não tivessem podido saber no passado, a verdade é que o Mestre Dabula trabalhava uma semana e parava duas, arrasado, com as tentativas de cura nos hospitais a serem devidamente registadas como razão justificativa para continuar a receber o seu salário.
Entretanto, pessoas houve, na Rádio Moçambique e no Chamanculo, que entendiam que Samuel Dabula fora agente da PIDE/DGS. No Chamanculo, pasme-se, chegou-se a propalar a ideia de que a casa do Mestre Dabula era um arsenal de armas, nomeadamente, de bombas. Não fora a pronta e corajosa resistência da população local, a sua residência tinha sido invadida, assaltada e vandalizada. Ponto em comum dessas acusações é que nem na Rádio Moçambique, nem no Chamanculo, alguém terá adiantado qualquer prova para as sustentar. Mas a coisa não parou por aí.
Pelos corredores da RM, o decrépito coração do Mestre Dabula não carregou apenas essa sórdida acusação. Suportou também a carga da humilhação por parte de algumas personalidades que tomaram a Independência como um instrumento de sublimação de recalcamentos, de frustrações e de preconceitos mal superados. Não o consubstancio por razões de tempo.
Mesmo para aqueles que o não soubessem, e eu era um deles, começava a ficar claro que havia ali uma atitude revanchista, de tentativa de reabrir feridas e disputas tribais que em certas épocas podem ter abalado os meios religiosos e associativos do tempo colonial. Os livros que vamos lendo e os depoimentos que vamos ouvindo, hoje, parecem indiciar que essas dissensões terão sido muito sérias. Tão sérias que me leva a defender que talvez nelas pudessem, os investigadores, encontrar explicações mais consistentes para prisões e no geral acontecimentos trágicos ainda pouco esclarecidos da história da luta de libertação na clandestinidade. E voltemos ao curso desta comunicação.
Mas se no geral o que dissemos pode ser considerado especulativo, o que se seguiu, porém, tratou logo de o legitimar, revelando-se como face de uma mesma moeda.
As mesmas pessoas que humilhavam o Mestre Dabula, e sem cuidarem de perscrutar a história da radiodifusão no nosso país para saberem como tudo se terá passado, meteram-se numa outra empreitada revanchista: subalternizar a língua ronga como primeiro passo para a sua eliminação da Emissão B, a sucedânea da Voz de Moçambique.
Começou-se por estabelecer que a língua padrão do canal passava a ser o tsonga, falada em Gazankulo, África do Sul, e pretensamente raiz dos idiomas falados no Sul de Moçambique. Tudo deveria mudar e novos locutores seriam admitidos. O alcance da medida estava por demais claro. Registaram-se mais de trezentas candidaturas. Curiosamente, o primeiro classificado só seria chamado ao provimento do lugar após intervenção pessoal de Rafael Magúni. E qual era a razão da recusa? Porque, entretanto, se descobriu que a origem étnica do vencedor era …ronga. O critério era outro, não a competência! Ainda assim, e à socapa, os outros apurados não o foram por critérios objectivos, mas escolhidos a dedo, na base da origem, da afinidade e do nepotismo, o que se reflectiu, e muito, na qualidade radiofónica da Emissão B por muitos anos. Fica no entanto a certeza de que ninguém é capaz de dizer quais teriam sido as consequências da luta pela primazia tribal na nossa estação pública se a visão clarividente de Rafael Magúni não tivesse imperado e combatido, energicamente, aquelas práticas, e em alguns casos até aquelas personalidades. É também por esta vertente que Rafael Magúni deverá ser lembrado na história da Rádio Moçambique.
Foi aliás dessa acção do Magúni que o Mestre Dabula viria a beneficiar de algum alívio e de alguma alegria. Mas foram sol de pouca dura. O coração estava por demais desgastado e não permitiu que ele vivesse por mais tempo esse alívio e essa alegria. Parou de pulsar em 17 de Setembro de 1978, aos 62 anos. Tinha os anos que conto neste momento. Portanto, ainda razoavelmente remendado!
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Da mesma forma que eu referi que ninguém pôde apresentar provas contra Samuel Dabula, também não tenho a pretensão de dizer que ele não foi aquilo de que o acusavam. Longe disso. E não falo de uma prova para uso jurídico, até porque a acusação nunca teve um cunho jurídico, mas de uma prova destinada a sossegar espíritos, as consciências. Acusar sem provas é submeter alguém a um calvário sem fim. O calvário de Cristo teve princípio, meio e fim, e ainda hoje o podemos consagrar, simbolicamente, todas as quaresmas. O do Mestre Dabula parece não ter fim, a avaliar por esta luta incessante dos filhos, e não só, para lhe limpar a honra conspurcada. De qualquer forma, é um facto inexorável que vozes autorizadas nos levam fortemente a duvidar das que o acusaram sem provar fosse o que fosse.
Joaquim Alberto Chissano, insuspeito nacionalista desde os primórdios da luta organizada pela Independência de Moçambique, escreve no seu livro “Vidas, Lugares e Tempos”, o seguinte:
“Havia os que, acreditando na Independência Nacional para cada país africano, pensavam que o tempo não era oportuno porque «ainda não estávamos preparados». Estes apoiariam qualquer iniciativa independentista, mas não seriam os primeiros na linha da vanguarda.
Dentre os velhos, recordo-me do Professor Samuel Dabula, homem bem informado e de certeza nacionalista de primeira linha. Ele falou-me um dia, aconselhando-me calma. Estava feliz por ver-nos, o Pascoal Mocumbi e eu prestes a partirmos para Portugal, para a Universidade. «Calma. Estamos a ir para lá. Basta termos cinquenta de cada, cinquenta médicos, cinquenta advogados, cinquenta engenheiros, cinquenta veterinários, enfim, cinquenta, cinquenta, cinquenta, pronto proclamaremos a Independência». Este tipo de assuntos era abordado quase sempre sem debate, com medo de prolongarmos a conversa. Mudava-se de conversa antes que as paredes ouvissem. De resto, eu não tinha opinião formada sobre como chegar à Independência. Contudo, o conselho do Velho Dabula reforçou a minha convicção de que Moçambique também devia ter a sua Independência.” Fim de citação.
Ora, se Samuel Dabula e Joaquim Alberto Chissano se calavam, “antes que as paredes ouvissem”, lógico será concluir que nem um, nem outro fossem as tais “paredes”. Portanto, da PIDE!
De resto, cometem um erro lamentável os que avaliam o passado apenas pelos olhos do presente, e não o fazem situando-se no tempo em que os fenómenos ocorreram. Em todas as épocas, repito, em todas as épocas, as reivindicações são sempre feitas mesclando-as com o discurso oficial. Doutro modo, estaríamos perante um suicida, ou perante alguém que mete pedras no sapato que em princípio o deveria ajudar a caminhar.
Sirvo-me ainda da obra de Joaquim Alberto Chissano para me sustentar:
“O Sidónio Libombo, o Inácio Mabote e o Gabriel Simbine lembraram-se de alguns acontecimentos ocorridos durante a vigência da sua participação na direcção do núcleo [NESAM], tais como: a reacção activa dos estudantes negros em protesto contra a proibição dos negros de acesso aos restaurantes e às casas de cinema; por exemplo, a Direcção foi comer no Restaurante Galo D’Ouro e no Café Olímpia depois de uma séria discussão com as respectivas gerências. ” Fim de citação.
Joaquim Alberto Chissano não o diz, na minha opinião porque achou desnecessário, mas é para todos perceptível que o Sidónio Libombo, o Inácio Mabote e o Gabriel Simbine não discutiram com as gerências do restaurante e do café socorrendo-se das cartilhas do nacionalismo. Tal como em muitos casos do género, ao longo da vigência do colonialismo, aqui, na Beira, em Nampula e em todo o lado, e ainda que o horizonte temporal e político fosse a emancipação de Moçambique, a reivindicação de um direito fazia-se com astúcia, com artimanha, com inteligência, tudo feito na base de que éramos todos portugueses, pondo os portugueses, portanto, a provar do próprio veneno, nomeadamente, o de que todos gozaríamos do mesmo estatuto de cidadania portuguesa. Sabia-se que eles não aceitariam, como nunca aceitaram um tratamento igualitário, apesar de o proclamarem nas Nações Unidas e noutros fóruns internacionais. Mas era preciso embaraçá-los, aborrecê-los, irritá-los, numa espécie de guerrilha psicológica. E isso não era fácil, requeria coragem, pois tratava-se, no fundo, de uma afronta ao colonialismo.
Tudo nos conduz a acreditar que o Mestre Dabula foi exímio neste jogo de rir, mas chorando por dentro, de morder e soprar de seguida, de virar à direita mas deixando sinaléticas de que quem o seguisse deveria virar à esquerda, de meter o canto alentejano, as janeiras, o vira do Minho e o bailinho da Madeira num reportório dominado pela marrabenta, n’fena, ngadlha (xigubu) ou xiparatuane, tudo com vista a despertar o nacionalismo nos mais jovens do seu tempo.
Mas os jogos de cintura do Velho Dabula não deixavam de transportar consigo o risco. Risco no lugar e no tempo em que o fazia, mas também no futuro que se adivinhava, pois facilmente os colonos o podiam acusar de sublevação, como certamente o acusaram, como também o acusaram de colaboracionismo com o colonialismo os ambiciosos do país independente. E Samuel Dabula correu esse risco, viveu desse risco e morreu nesse risco. Em permanência. Bem-haja, Samuel Dabula Nkumbula. O país agradece e se curva perante a sua memória.
"E porque não faz sentido acreditar que algum dia possam merecer evocação honrosa aqueles que humilharam o Mestre Dabula, termino fazendo minhas as palavras do Dr. Ruy Baltazar dos Santos Alves, proferidas em 2008:
“Diversos são os ínvios caminhos através dos quais se vai escrevendo a História. Para muitos, a história recente de Moçambique só se escreve em termos epopeicos, exaltando feitos e figuras, criando estereótipos, mitificando factos, e deixando na penumbra ou no esquecimento largas zonas do combate libertador ou protagonistas que também participaram na conquista da Independência da nossa pátria. Oficializa-se, assim, uma deformada visão necessariamente empobrecida e redutora da nossa história.”
Muito obrigado pela disponibilidade e atenção!
Maputo, 26 de Maio de 2015
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