Por Adelino Timóteo
Opinião
Meus irmãos sul-africanos,
não creio que vocês padeçam
de suposta amnésia existencial,
enquanto violentam os moçambicanos.
Mas vejamos: em todo
o vosso acto, com que golpeiam
os moçambicanos, mais do que
a dor que vocês nos causam,
expõem-nos as sequelas do
Apartheid, a luta em que estávamos
irmanados, e de que vocês,
infelizmente, se esqueceram.
Nestes corpos que vemos massacrados
pelas vossas mãos, expõem
a memória cruel das mãos
que vos chacinavam, da mesma
forma que vós nos chacinais. Essas
vossas mãos transformaram-
-se para além do que se podia
supor. E agora espelham semelhante
carga inegável do mesmo
ódio com que, em Fevereiro de
1981, um destacamento especial
das Forças de Defesa e Seguran-
ça (SADF) do regime racista da
África do Sul lançou um ataque
contra as residências do Congresso
Nacional Africano na Matola,
nos arredores de Maputo.
Parecem aquelas mesmas
mãos do Apartheid em incursões
militares aqui em Maputo.
As mãos xenófobas deixam nos
moçambicanos impressões digitais
cruéis, da mesma forma que
as mãos racistas as deixaram no
seu rasto de destruição no Choupal,
por destruidoras que são.
Ainda me resistem na memó-
ria as imagens fotográficas, no
jornal “Notícias” e na revista
“Tempo”, dos rostos dos soldados
sul-africanos, com rostos
pintados de graxa, abatidos
na Matola, depois de assassinarem
os nossos e os vossos.
Eu era miúdo. Lembro-me
muito bem dessas imagens de
terror, das tropas sul-africanas,
dirigidas por Pieter Botha e
Magnus Malan, a lançarem
ataques contra o país, através
de lança-granadas e armas ligeiras.
Não são diferentes,
porquanto mostram os corpos
dos nossos concidadãos mortos
pela vossa intolerância.
Se as mãos do Apartheid nos
assassinavam por alegado pretexto
de perseguirem membros
do ANC refugiados em Moçambique,
e que lutavam contra o
referido regime segregacionista,
tornam-me impossível discernir
o que preside ao vosso ódio,
pois muitos destes a quem matais
ressuscitaram de outras tantas
mortes e golpes dos bóeres.
Foram milhares de vezes que
nós morremos, por servirmos a
vossa causa. Morremos quando
o Apartheid assassinou a professora
da UEM, Ruth First, morremos
na tentativa de homicídio
contra Albie Sachs, na capital.
Nós morremos milhares de
vezes em “raids” do Apartheid
contra a nossa indústria, na
Matola. Ressuscitámos porque
sabíamos que não havia tempo
para morrer. A nossa missão
era libertar-vos. Era uma
causa prioritária e superior.
Onde começa o humanismo
está a ponta do fio para contar
a história. E, nisto, o nosso
internacionalismo, a nossa
fraternidade, nunca pesou
para o lado das contrapartidas.
Sempre teve valores altos.
Esta carga de violência com
que vocês nos expulsam da vossa
terra não difere em nada da
forma como a Polícia racista
vos confinava nos guetos, perseguia
os nossos cidadãos indocumentados
e os repatriava às
sexta-feiras, através da fronteira
comum da Ressano Garcia.
Talvez haja na vossa amnésia
uma forte cegueira.
Mas quero recordar-vos que
esses cidadãos que vós matais
são os mesmos que acenaram
com benevolência à nata de dirigentes
do ANC no nosso país,
entre os quais Lennox Lagu,
Joe Slovo, Frenny Ginwala,
Esop Pahad, Jacob Zuma. Estes
a quem vós assassinais não
têm tempo para morrer, porque
revivem a amargura com que,
depois dez anos nas masmorras
do Apartheid, Zuma aqui chegou
e encontrou acolhimento.
Recordam-se do Zuma a
conduzir um Volkswagen, sem
ameaça de nenhuma ordem?
O Thabo Mbeki e muitos
jovens estudantes e combatentes
na clandestinidade devem
estar lembrados da forma
como aqui foram acarinhados
e passaram momentos de lazer,
em cumplicidade com familiares
de muitos dessas vítimas
da vossa irracionalidade.
Em Maputo, muitos guerrilheiros
e comandos das células
clandestinas do ANC e do PAC
usufruíram da cúmplice protec-
ção dos moçambicanos, que também
se incorporaram na vossa
causa. Talvez muitos de vós não
sabeis que esses a quem vós matais
eram aqueles que serviam os
vossos líderes, em casas atribu-
ídas pelo Estado moçambicano
(alguns contam-me, em depoimentos,
que, antes de fazerem
o sorteio, chegavam a possuir
chaves de três moradias deixadas
por portugueses) no Triunfo,
Sommerschield, Polana, defronte
da Escola Internacional e nas
avenidas “Mateus Sansão Mutemba”,
“Julius Nyerere”, etc.
Enquanto o Apartheid atacava
o país, os valentes filhos desta terra
a quem agora apedrejais baptizavam
uma avenida de Maputo
com o nome de Albert Luthuli,
primeiro presidente do ANC.
Essa herança de luta gerou
matrimónio entre os dois Estados
e os dois povos e sedimentou,
através do calor e sangue
comuns, como o forte e indestrutível
betão que vós estais a
destruir sem razão aparente.
Há uma pergunta que me não
cala no fundo da alma: Porquê,
meus irmãos sul-africanos,
matam moçambicanos? Why,
my south african brothers,
do you kill mozambicans?
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