Por: Raúl Chambote, 16 Março 2015
Num tom provocador, escrevi e postei no meu perfil do facebook no dia 28 de Setembro de 2014
o seguinte: “Oh, candidatos às Eleições Presidenciais de 15 de Outubro de 2014, peço para que
cada um de vós os três (o da Frelimo, o da Renamo e o do MDM), coloque o seguinte nos vossos
futuros planos de governação, em caso de vitória eleitoral, uma meta: erradicar a palhota como
habitação nos distritos onde existem operações mineiras. Por exemplo em Tete, os distritos de
Moatize e Marara deviam ser declarados livre de palhotas até 2019; em Inhambane, os de Pande
e Inhassoro deviam ser declarados livres de palhotas até 2019; em Nampula, os distritos de
Moma e Nacala deviam ser declarados livres de palhota e finalmente, em Cabo Delgado, Palma
devia ser declarada livre de palhota até 2020. Será isso muito dificil de cumprir, oh meus
candidatos da Patria Amada?”. O fundamento da minha provocação basea-se no facto de que a
palhota, quer como habitação ou mero conceito, não consta nem no lêxico político moçambicano
como símbolo da nossa auto-estima e o Plano Quinquenal de Governo 2015-2019, embora
mencione a palavra habitação, ignora a questão da erradicação da palhota como habitação.
Porque me interessa a questão da palhota, os dados na imagem extraídos do Instituto Nacional de
Estatísticas (INE) ajudam-nos a compreender a dimensão do problema se tivermos que comparar
o número total da população na totalidade da extensão do Distrito de Moatize e os que ainda tem
a palhota como residência. Cfr. INE (2013)
Estatistica do Distrito de Moatize, Novembro 2013, nos Quadros 2.7 e 3.1.
MOATIZE EM 2014 População 327.437
Casas com parede de capim 2.524
Casas com parede maticada 28.559
Casas com cobertura de capim 40.738
Fonte: INE. III Recenseamento Geral da População e Habitação 2007
Logo que postei o texto, tive pelo menos, duas importantes contribuições. Primeira, do Silvestre
Baessa que propõe que os planos estratégicos provinciais e distritais deveriam incluir a
erradicação da palhota. Nesse ponto acrescento, erradicação gradual da palhota em toda extensão
duma província ou dum distrito. Mas como? Iniciemos primeiro com a planificação e depois
precisamos ter a vontade e firmeza de assim fazer, pois não consta em nenhuma política de
habitação de Moçambique manifesta vontade de erradicar as palhotas em Moçambique. Ouso
afirmar que palhota não é nenhum símbolo de auto-estima dos Moçambicanos, quer dos que
vivem nas zonas rurais quer das urbanas. E mais, já na 8ª Sessão do Comité Central da
FRELIMO realizada em Fevereiro de 1976 e a campanha de planificação no âmbito das Aldeias
Comunais lançada após o Seminário de Marrupa, nos remete a importância de planificação para
melhor respondermos o desafio milenar: erradicar a palhota como habitação em Moçambique.
Segunda, do Sérgio Padeiro, que questiona porque erradicar palhotas numas zonas enquanto se
exclui as outras. Interessante interpelação mas peca, por estar inserida numa justeza descontextualizado de principios de equidade, pelas seguintes razôes: (i) Moatize e Marara,
Pande e Inhassoro, Moma e Nacala; finalmente Palma, são os distritos onde operam algumas
das maiores companhias mineiras do mundo. Excluindo a lacuna de legislação nacional em
muitos aspectos em relação as comunidades hospedeiras dessas empresas, a inexperiência do
Estado em lidar com aquelas nesses assuntos, os interesses dos indivíduos que lidam com
processos de interação empresa-comunidade, reconfiguraram relações de poder viradas para
gestão de expectativas: impostos para o Estado, compensações para as comunidades. Quanto a
mim, essa é mera discussão fugidia sobre o papel e responsabilidade do Estado versus a
finalidade e o papel dessas empresas enquanto segmentos produtivos da economia. Há
necessidade de abordar, de forma pragmática a questão habitacional da população por ser
estrutural para que gradualmente se ajuste a dinâmica da presença dessas mineradoras. Portanto,
habitação diferente da palhota pode ser enquadrada de forma selectiva e gradual. Vozes se
levantarão defendendo que não se pode mudar os modos de vida das pessoas sem consentimento
daqueles. Seja como for, consultemo-los se é mesmo de livre vontade que as pessoas vivem em
palhotas. Presumir que o Estado pode fazer tudo para a população e ao mesmo tempo é pura
miragem. (ii) È momento oportuno para lembrar ao Governo da Frelimo que foi essa a sua visão
de transformação rumo ao desenvolvimento das zonas rurais desde que assumiu a direcção do
Estado Moçambique. Desenvolvimento e transformação é discurso oficial da Frelimo desde os
primórdios da sua existência. Por exemplo, as Aldeias Comunais foram propostas nesses moldes.
As fracassadas Aldeias do Milênio de Chibuto, Lionde, Cahora Bassa e outras, apesar de terem
sido colocados de lado as lições das Aldeias Comunais tinham, pelo menos na visão política
nacional, e não do Prof. Jefrey Sachs, essa visão de transformação. Agora que estamos em paz e
presença de poderosas empresas, da qual o Estado extrai rendimentos por via de impostos, é
chegado o momento de pensar seriamente sobre como se pretende transformar a estrutura
habitacional das pessoas nas zonas rurais. (iii) Uma coisa é iniciar a discussão da ideia, mas a
outra é tomar uma decisão sobre ela, que neste caso é da soberana responsabilidade do Estado
assim fazer em cumprimento do contrato social. Portanto, responsabilidade do Estado não deve
em nenhum momento ser confundida com a vontade das empresas no quadro de responsabilidade
social corporativa e/ ou plano de desenvolvimento social para o caso das mineradoras com
responsabilidade legal de fazer o reassentamento e restauração de modos de vida das pessoas
afectadas pelas operações mineiras. Portanto, não se trata de exclusão mas sim trata-se de definir
o ponto de partida de uma acção de longo prazo.
Numa insistência minha sobre o post, uma antiga estudante minha sugeria que seria melhor
ensinar as pessoas a aprender a construir as palhotas e que são boas para viver. Respeito o
comentário mas achei-o frágil por estar descontextualizado, pois a tal estudante nunca
experimentou em toda a vida dela o que significa ter palhota como residência. Por isso, mesmo
melhorada, uma palhota será sempre palhota. Ou engajamo-nos em transformação deveras ou
ficamos em insinuamos de que a população “sente-se melhor naquele meio ambiente” como
alguns tentam fazer passar a mensagem, remetendo a maioria no subdesenvolvimento quando o
discurso é pro-desenvolvimento.
Para terminar, tendo o novo Governo de Moçambique já sido formado, hoje reitero que gostava
de ver incluido no Plano Quinquenal do Governo 2015-19 a questão da erradicação da palhota
como habitação em Moçambique e não simplesmente a demarcação de 200.500 talhões e
construção de apenas 35.000 casas até 2019 (PQG, p. 20). O Governo de Moçambique pode
fazer mais. Ou pelo menos, que fossem declarados livres de palhotas como habitação os distritos
de Pande em Inhambane; Moatize em Tete; Moma em Nampula e Palma em Cabo Delgado em
2019. Só assim podemos testar nossa vontade e determinação de desenvolver Moçambique
transformando a vida das pessoas nas zonas rurais.
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