07.03.2015
AFONSO CAMÕES
A poucos meses de eleições, o Parlamento entretém-se a elaborarsobre o enriquecimento ilícito, numa perigosa tentativa de inversão do ónus da prova, e anda o país a discutir caráteres e reputações. É um debate que voa raso e que é muito poucochinho para a enormidade dos verdadeiros problemas que tocam a vida dos portugueses - os que cá estão e os que, tendo partido à procura de uma vida melhor, querem voltar um dia comhorizontes de futuro, para si e para as suas gentes.
E vale a pena esse debate? Sim. Um dos traços mais humanos do Cristo bíblico é-nos contado por Marcos, o evangelista. "Virando-se para os seus discípulos, perguntou-lhes Jesus: Quem dizem por aí que eu sou? E vós, quem dizeis que eu sou?".
Caráter é aquilo que somos. Reputação é o que os outros pensam que somos. Ora, em política, a reputação precede todos os valores.
Um país que convive com a prisão preventiva de um antigo primeiro-ministro, detido sob graves suspeitas, mas sem culpaformada, deve saber como um boato plantado durante um baile da corte pode arruinar a reputação e o futuro de uma virgem e promissora donzela. Sócrates, o José, já conhece esse fel e está a pagar por ele.
Ao sétimo dia, Pedro Passos Coelho veio ontem dizer, "com humildade", não se orgulhar das falhas na sua carreira contributiva. Foram precisos sete dias para que alguém lhe lembrasse a frase com 2500 anos proferida pelo outro Sócrates, o filósofo, e que assume hoje uma oportuna atualidade: "A maneira de se ter boa reputação reside no esforço em ser aquilo que se deseja parecer". Até porque é mais fácil lidar com uma má consciência do que com a má reputação.
Num tempo e num país atreitos ao moralismo justiceiro, não há rasto de políticos imaculados, lavadinhos em água benta. Queremo-los honestos, sim, com planos para mobilizar o país e capazes de os executar.
Mas nem Pedro nem nenhum político que tenha feito do combate à evasão fiscal a sua bandeira, e que atua com desprezo pelos contribuintes quando estes são penhorados por qualquer pequena dívida, têm autoridade moral para exigir aos outros o que não exigem de si próprios. Quem faz e vota leis para os outros não se pode justificar com a ignorância da lei ou esquecimentos legais. Sobretudo se tem ambições políticas.
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