OPINIÃO
Um acordo, provisório, entre a zona euro (ZE) e o novo Governo da Grécia sobre o programa de ajuda externa ao país foi finalmente alcançado, a muito custo, sem o qual estaríamos à beira de mais uma brutal convulsão na ZE e na União Europeia (UE), com consequências económicas, sociais e políticas impossíveis de antecipar.
Houve algumas virtudes no penoso processo de negociação a que assistimos: a primeira foi a de que caiu o véu que encobre o nebuloso processo de tomada de decisões europeias. A Grécia não esteve a dialogar com a Comissão Europeia, com o Conselho de ministros da UE ou com o Eurogrupo: esteve e está sobretudo a dialogar com a Alemanha.
Desde a crise internacional de 2008 que a UE se passeia na borda do abismo. Passados sete anos – com gravíssimos sinais de instabilidade nas suas fronteiras a leste e a sul, com mais desempregados do que muitos dos seus países membros têm de população, com metade das suas economias enterradas em recessão e deflação e a Alemanha a produzir os maiores excedentes de toda a sua história – nada parece alterar o estilo nem os métodos de decisão. O tom violento utilizado nos últimos dias por alguns ministros das Finanças da ZE, que chegaram a mandar o Governo grego para casa refletir melhor, é uma caricatura tão grosseira quanto chocante do que é a Europa hoje.
É suposto o Syriza ser o lado “radical” desta estranha história. Mas, ouvindo as declarações do seu ministro das Finanças Yanis Varoufakis, por um lado, e as do seu homólogo alemão Wolfgang Schäuble, por outro, ninguém diria que o radicalismo está do lado grego. De facto, após uma entrada inicial em funções reportada como de ruptura, o Governo grego baixou de tom e desdobrou-se em gestos de aproximação ao Eurogrupo, garantindo o pagamento da dívida e reformas estruturais, embora exigindo que não voltasse a ser-lhe imposta uma agenda recessiva que impedisse o país de pagar a dívida e perpetuasse a grave crise social. Radical?
Onde estiveram os governos socialistas enquanto força política alternativa? Talvez tenham sido mais activos do que pareceu, mas também pareceu que alguns dos seus ministros das Finanças não quiseram arriscar distanciar-se da Alemanha de Schäuble.
Onde estiveram, também, os países que podiam testemunhar sobre a violência e ineficácia da austeridade imposta pela troika (de credores)? É que o falhanço da troika não aconteceu só na Grécia. Em Portugal, o discurso intransigente tornou-se para o Governo a única saída possível, porque reconhecer os erros cometidos na Grécia equivaleria a ter de admitir que, também em Portugal, havia uma alternativa à receita da troika e que “ter ido para além dela” pode ter sido um grave erro. É chocante ver a ministra das Finanças a ser passeada pela Alemanha enquanto prova de que a austeridade funcionou porque o custo da dívida baixou - apesar de tal se ter ficado a dever a Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu – e que a recessão e o desemprego não contam!
Uma segunda virtude deste processo foi o regresso da Comissão Europeia às negociações, ainda não a liderá-las, é certo, mas pelo menos a enquadrá-las sem uma colagem total à Alemanha. A verdadeira agenda de compromisso estava desde o início na proposta do comissário (socialista) Pierre Moscovici, que Varoufakis aceitou subscrever, mas que foi retirada pela ZE. Segundo, porque em contraste absoluto com a Comissão Barroso, Juncker fez o mea culpa essencial ao reequilíbrio político da agenda europeia, ao abordar criticamente o método e o conteúdo das políticas impostas pela troika. Foram palavras sérias, decentes e necessárias.
Uma terceira virtude é que se tornou finalmente evidente que os problemas que a Grécia enfrenta não dizem apenas respeito aos gregos mas à totalidade da ZE, que terá de ser corresponsável pela sua resolução, da mesma forma que contribuiu para o seu agravamento. Porque o que se convencionou chamar "crise das dívidas soberanas" esteve intimamente associado a uma crise financeira (e bancária). E se a Grécia, tal como outros países periféricos, se endividou para lá do razoável, também houve bancos que concederam e promoveram agressivamente esse endividamento.
Convém aliás lembrar à opinião pública da Alemanha e dos outros países “austeritários” que parte substancial dos dois resgates gregos – 240 mil milhões de euros – serviu para reembolsar dívida contraída junto dos bancos da Europa mais a norte. Os gregos estão assim em parte a pagar o salvamento dos bancos alemães e franceses - e a integridade da ZE - por via de uma austeridade punitiva que provocou uma perda de riqueza de 25% em 5 anos, a explosão do desemprego para 25% da população activa – incluindo metade dos jovens –, o agravamento da pobreza e uma verdadeira crise social.
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