Escritor e neurologista, que sempre escreveu sobre as doenças dos outros, “despede-se” da vida com um artigo no The New York Times. “Foi um enorme privilégio e uma aventura”, diz.
O neurologista e também escritor anglo-americano Oliver Sacks, tornado famoso no mundo das artes pelos seus livros e pela adaptação cinematográfica de alguns deles, como Despertares (Awakenings, 1973), sofre de cancro terminal e restam-lhe apenas algumas semanas de vida.
A revelação foi feita pelo próprio num artigo publicado esta quinta-feira noThe New York Times, com o título A minha própria vida (My own life): “Há um mês, sentia-me bem, com uma saúde mesmo robusta. Aos 81 anos, ainda nado uma milha por dia. Mas a minha sorte começou a andar para trás – há poucas semanas, soube que sofro de metástases múltiplas no fígado”, escreve Oliver Saks. E explica que esta doença é o desenvolvimento de um tumor raro num olho que lhe tinha sido diagnosticado – e de que tinha sido tratado – há nove anos. Mas não escapou à recidiva. Mesmo se só em casos muito raros é que aquele cancro dá origem a metástases – “Estou entre os 2% de desafortunados” a quem isto pode acontecer, explica o médico-escritor.
Num discurso simples e directo, ao mesmo tempo racional e emotivo, Sacks faz uma radiografia optimista da sua vida. “Acima de tudo, fui um ser com sentidos, um animal pensante, neste maravilhoso planeta, e isso, em si, foi um enorme privilégio e uma aventura”, escreve o autor de Despertares – o livro foi editado em Portugal pela Relógio d’Água, em 1992, e dois anos antes tinha sido adaptado ao cinema por Penny Marshall, com Robert De Niro e Robbin Williams nos protagonistas.
Despertares conta a situação de um homem que ficou em estado catatónico na sequência de uma encefalite epidémica, mas que depois consegue recuperar usufruindo de um novo medicamento – uma história com traços biográficos, já que foi o próprio Oliver Sacks que encontrou o medicamento com que tratou vários pacientes naquele estado, nos anos 1960.
No seu artigo – cujo título vai buscar ao filósofo escocês David Hume (1711-1776), que viveu uma situação terminal idêntica à sua –, Oliver Sacks avança mesmo como vê o tempo que lhe resta para viver. “Sinto-me muito vivo e espero que o tempo que me resta me permita aprofundar as minhas amizades, despedir-me daqueles que amo, escrever mais, viajar se tiver forças para isso, alcançar novos níveis de conhecimento e compreensão”.
Além disso, anuncia a publicação, já em Abril, das suas Memórias, estando também a terminar outros livros. Mas Oliver Sacks não ilude, também, os seus sentimentos mais profundos perante a doença. “Não posso fingir que não tenho medo. Mas o meu sentimento predominante é o da gratidão. Amei e fui amado; recebi muito e dei alguma coisa em troca; li e viajei, pensei e escrevi. Relacionei-me com o mundo, essa relação especial que só os escritores e leitores têm”.
Nascido em Londres, a 9 de Julho de 1933, Oliver Sacks formou-se em Medicina na Universidade de Oxford, tendo-se radicado nos EUA em meados da década de 60. Exerceu medicina e leccionou neurologia em diferentes escolas americanas, a última das quais a Faculdade de Medicina da Universidade de Nova Iorque.
Paralelamente à carreira profissional de médico e professor, a partir da década de 70 escreveu vários livros, alguns deles a partir da sua experiência pessoal e profissional, como é caso de Despertares, O Homem que Confundiu a sua Mulher com um Chapéu (também adaptado ao cinema, em 1987, por Christopher Rawlence), ou A Ilha sem Cor e a Ilha das Cicas (também editados entre nós pela Relógio d'Água). Foram feitos outros filmes baseados em livros seus, como À Primeira Vista (1999), de Irvin Winkler, com Val Kilmer e Mira Sorvino, ou o mais recente A Música Nunca Acabou (2011), de Jim Kohlberg, com J.K. Simmons no protagonista.
Autênticos "contos clínicos", as suas obras descrevem a realidade mental quase surreal dos doentes neurológicos. Sobre o que lhe está a acontecer agora, escreveu que é nosso destino, como humanos, vivermos a nossa própria morte: “Tenho estado cada vez mais consciente, nos últimos dez anos, das mortes entre os nossos contemporâneos. A minha geração está de saída, e cada morte foi sentida como uma ruptura, como se parte de mim se estivesse a despedaçar. Não vai haver ninguém como nós quando desaparecermos, mas também nunca há ninguém como os outros. Quando as pessoas morrem não podem ser substituídas. Deixam buracos que não podem ser preenchidos, porque é o destino de todo o ser humano - o destino genético e neurológico - ser um indivíduo único, encontrar o seu próprio caminho, viver a sua própria vida, morrer a sua própria morte.”
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