por ANDRÉ MACEDO
Até ontem era só fumaça, mas agora há um início de negociação que tem de ser levado a sério. A Grécia pôs de parte um novo perdão de dívida, já não fala em cortes de cabelo ao mesmo tempo que se propõe aumentar a despesa pública, como se fosse possível ter o melhor de dois mundos - viver de financiamentos externos especiais e esbanjar dinheiro internamente. O ministro das Finanças Varoufakis sabe que a política não se faz assim, unilateralmente, é ler o blog que ele tem escrito nos últimos anos para se perceber que conhece os limites da retórica e os mecanismos da economia.
O problema da Grécia são vários, mas há um maior do que os outros: os 175% do PIB de dívida pública. Neste cenário, o que Varoufakis propõe faz sentido. Depois de cinco anos de austeridade sem fim à vista, a solução passa por criar dois novos tipos de dívida que permitam dar espaço à economia da Grécia para se reconstruir. Como se faz? Primeiro, alongam-se generosamente os prazos de pagamento (dívida perpétua) e cortam-se mais ainda os juros. Depois, emite-se outro género de obrigações vinculadas ao crescimento, isto é, o desembolso aos credores vai sendo feito à medida que o país gera riqueza, deixando espaço para que haja investimento e para que os choques possam ser absorvidos sem implicar mais cortes que fazem ricochete e deprimem mais o PIB. Sabemos bem o que isso é.
Como uma negociação tem duas partes, o ministro grego oferece em troca um compromisso-chave: a obrigação de manter saldos orçamentais primários positivos - contas públicas com superavit depois de expurgado o pagamento dos juros. Não é um compromisso qualquer, é uma prova de seriedade e um cinto que amarra as metas das finanças públicas. O Syriza até pode aumentar o salário mínimo, pode repor o valor das pensões e contratar funcionários públicos, mas terá de encontrar algum tipo de equilíbrio entre receitas e despesas, sendo esse caminho definido pelo governo grego, não pela troika.
Em 1952, quando os aliados perdoaram 50% da dívida pública à Alemanha, encontrou-se uma solução parecida para o que sobrou. Os alemães só pagariam anualmente o equivalente a 3% das receitas conseguidas com as exportações e apenas no caso de apresentarem uma balança comercial positiva. O incentivo para que os aliados comprassem o made in Germany era evidente e foi esta cenoura que ajudou a reconstruir a Alemanha como a conhecemos hoje - uma grande potência industrial.
No caso grego, falta conhecer os detalhes da proposta e os detalhes - juros, prazos, mecanismos de fiscalização - são o inferno e custam dinheiro, mas a ideia pode ser boa, o que não significa que não tenha riscos. Ter mão pesada junto das grandes empresas privadas, como anseiam os marxistas, parece sexy junto de algum eleitorado, mas tem perigos. No último mês e meio já fugiram dos bancos gregos 10% dos depósitos, se o Syriza aplicar um programa anticapital, mais dinheiro sairá, o que se refletirá nas contas públicas. Não há saídas limpas, mas agora talvez haja uma oportunidade para a Europa ser mais do que a Alemanha.
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