quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Conselho das Províncias pode aliviar a pressão secessionista em Moçambique

NO ENTENDER DO INVESTIGADOR DE POLÍTICA AFRICANA ANDRÉ THOMASHAUSEN

O voto maioritário em favor da oposição nas províncias de Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa é manifestação de determinadas expectativas e reivindicações dos eleitores, e a frustração dessas expectativas e reivindicações só pode provocar novas tensões e a contestação da actuação governamental a nível nacional, até ao ponto em que poderá haver apoios significativos de quebrar aunidade nacional e promover a constituição duma república secessionista.
Os resultados das elei­ções de 15 de Outu­bro 2014 aprofundaram a expressão territorial da divisão política de Moçam­bique.
Indiferentemente à con­testação dos resultados, em muitos aspectos justificada, os resultados atribuem uma vantagem incontestável ao partido da oposição Re­namo em Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa, onde a Renamo, com ou sem coligação com o MDM, pode bloquear os trabalhos das assembleias provinciais.
Esta expressão territorial dessa clivagem política profunda tem correlação com os níveis relativamente mais fracos de desenvolvi­mento económico e social justamente nesses territó­rios, Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa.
A votação em protesto con­tra o Governo nacional não teve expressão a nível do poder local nas eleições municipais porque a Renamo tinha boicotado as eleições autárquicas.
Assim existem uma distri­buição e concentração de pre­ferências e alianças político­-partidárias que não encontram expressão institucional efectiva.
Onde a oposição tem uma clara vantagem sobre o parti­do do Governo isso reflecte-se unicamente na composição das assembleias provinciais. Porém, como determina o Artigo 142 (Assembleias pro­vinciais) da Constituição, no seu número 2, a competência das assembleias provinciais é estritamente reduzida e li­mitada a fiscalizar e controlar a observância dos princípios e normas estabelecidas na Constituição e nas leis, bem como das decisões do Con­selho de Ministros referentes à respectiva província;e limi­tada a aprovar o programa do governo provincial, fiscalizar e controlar o seu cumprimento.
Desta forma, as assembleias provinciais estão condenadas a funcionarem como órgão de acalmação do Conselho de Mi­nistros e do governador provincial, nomeado pelo Governo nacional.
Esta regra constitucional do artigo 142 já não corres­ponde à realidade resultante da eleição por sufrágio livre e igual dos membros das as­sembleias provinciais.
O voto maioritário em fa­vor da oposição nas pro­víncias de Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa é manifestação de determinadas expectativas e reivindicações dos eleitores, e a frustração dessas expectati­vas e reivindicações só pode provocar novas tensões e a contestação da actuação go­vernamental a nível nacional, até ao ponto em que poderá haver apoios significativos de quebrar a unidade nacional e promover a constituição duma república secessionista.
As cinco variantes da Renamo
A Renamo desde o fim do ano de 2014 tem vindo a su­gerir cinco principais variantes de reformas institucionais para responder à anomalia acima identificada.
1) Estado secessionista
Em primeiro lugar tem havi­do apelos à constituição dum novo estado e de uma repúbli­ca secessionista. Estes apelos desanuviaram-se mediante a falta de reacções positivas na região e a nível internacional indicando assim o risco de uma tal estratégia vir a de­sencadear uma guerra seces­sionista com consequências desastrosas, tal como no caso da guerra do Biafra na Nigéria.
2) Regiões ou região autó­noma
Em segundo lugar, a Rena­mo fez exigências de que as províncias em que a oposição obteve clara vantagem eleitoral deveriam ser reconstituídas em regiões autónomas, seguindo o exemplo constitucional das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, em Portugal. O principal defeito desta proposta é de criar dois tipos ou duas categorias bem diferentes de ór­gãos da administração territorial, as províncias tal como existem e as regiões autónomas que se iriam sobrepor às seis províncias visadas (Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa) pondo em causa princípios fundamentais da Constituição tal como a unidade nacional, a proibição de discriminação na base da naturalidade, origem ou associação tribal, podendo encorajar uma “somalização” do país.
3) Proclamação de “outras autarquias” nos termos do artigo 273, n.º 4 da Consti­tuição
A sugestão é de se poder constituir as “regiões autóno­mas” desejadas pela Renamo em termos do número 4 do artigo 273 da Constituição, sobre as “categorias das autarquias locais”, conside­rando que este dispositivo da lei constitucional determina que “a lei pode estabelecer outras categorias autárqui­cas superiores ou inferiores à circunscrição territorial do município ou da povoação”. Assim, em vez de “regiões au­tónomas”, passariam as novas entidades administrativas a ser denominadas “províncias autónomas”, mas em termos de direito administrativo seriam consideradas “autarquias locais”.
A sugestão é da autoria dum professor da UEM, um ex-cooperante francês, Gilles Cistac. O plano sofre do de­feito fundamental de se tratar duma sugestão de aplicação oportunista e contra senso da lei constitucional, nomeada­mente do disposto no artigo 273 da Constituição. A restante redacção do artigo 273 define as autarquias locais como sendo os municípios (cidades e vilas) e as povoações (pos­tos administrativos) ficando assim excluído que as “ou­tras categorias autárquicas superiores ou inferiores à circunscrição territorial do município ou da povoação” poderiam incluir províncias.
A norma do artigo nunca fora concebida nem permi­te conceber a criação de estruturas administrativas paralelas ao nível das pro­víncias, ou criar autoridades “provinciais” que poderiam substituir-se às províncias existentes, sem alteração do texto constitucional.
Os efeitos práticos dum plano que inevitavelmente resultaria na criação de administrações provinciais paralelas e a con­correr uma com a outra, sendo uma vinculada ao Governo central e a outra a representan­tes ou delgados eleitos, seriam desastrosos para a boa admi­nistração e preservação dos mais básicos princípios do Es­tado de Direito. Inevitavelmente iriam provocar os mais sérios conflitos entre diferentes braços da administração estadual qua acabariam por paralisar todo e qualquer progresso do desen­volvimento humano e econó­mico. É alarmante imaginar-se que a mais simples actividade do cidadão iria ficar sujeita ao licenciamento e fiscalização por duas administrações que iriam concorrer uma com a ou­tra, ficando o indivíduo sujeito a obter licenças de ambas as administrações da Renamo e ainda da administração do Estado, vinculada ao Governo nacional (da Frelimo), podendo se imaginar facilmente que uma delas poderá cancelar ou retirar a sua autorização, enquanto a outra administração poderia decidir exactamente o contrário. Deve-se descartar por es­sas razões este “Plano Cis­tac”.
4) Reforma da Administra­ção Territorial
Para evitar o aparecimen­to de desigualdades funda­mentais na administração territorial, pode considerar-se uma reforma mais profunda, em que as 11 províncias de Moçambique poderiam ser transformadas e absorvidas em 4 regiões administrati­vas autónomas (região Norte constituída por Niassa e Cabo Delgado, regiões Centro Norte e Centro Sul, e região Sul).
As novas regiões administra­tivas autónomas corresponde­riam às tendências globalmen­te seguidas e implementadas em mais de 100 países para racionalizar, modernizar e des­centralizar a administração territorial do Estado. Este tipo de reforma constitucional iria beneficiar de vastos apoios materiais e técnicos de orga­nismos especializados nesta matéria do Banco Mundial, e de apoio dos maiores parceiros económicos de Moçambique. Porém, tratando-se duma re­forma constitucional e da or­ganização do estado bastante profundas, necessitará de ao menos um período de reflexão, adopção e implementação de dois a três anos.
5) Alternativa Conselho Nacional das Províncias
A quinta alternativa orienta­-se no modelo constitucional da África do Sul onde existe um segundo órgão legislativo que representa o poder e os interesses regionais constitu­ídos em províncias. O artigo 60 da Constituição da África do Sul estabelece um Conse­lho Nacional das Províncias constituído por dez delegados por cada província. Visto que na África do Sul os governos provinciais são eleitos pelas assembleias provinciais, não existe entrave contra a nome­ação de parte dos delegados para o Conselho Nacional das Províncias a partir do governo provincial. Em Moçambique onde o governador e o gover­no provincial são efectivamen­te nomeados pelo Conselho de Ministros a nível nacional, a nomeação dos delegados para um futuro conselho nacional das províncias teria de ser feita pelas assembleias pro­vinciais nas 10 províncias que têm assembleias provinciais.
Desta forma, um futuro con­selho nacional das províncias em Moçambique poderia criar a curto prazo e ainda no decorrer da actual legislatura um órgão cuja composição dependeria das assembleias provinciais e seria assim maioritariamente constituído por delegados per­tencentes à oposição. Em con­sequência, o lugar de presiden­te desse conselho nacional das províncias caberia ao primeiro e mais favorecido candidato dos partidos da oposição.
Em termos de protocolo, em estados com estrutura seme­lhante bicameral, o presidente da segunda câmara legislativa seria sempre o número 3, a seguir ao chefe do Estado e pre­sidente da assembleia nacional.
As funções do futuro con­selho nacional das províncias em Moçambique poderiam ser equilibradas e mistas, de participação no processo legis­lativo, com direito de veto sus­pensivo, direito de interpelação para a fiscalização de normas pelo Conselho Constitucional, bem como de fiscalização da boa governação, por exemplo na matéria de atribuição de licenças para a exploração dos recursos naturais e endivida­mento do país, e ainda de par­ticipação nas nomeações para o preenchimento de vagas no Conselho Constitucional, e ou­tros tribunais, e possivelmente um direito de veto em relação ao preenchimento de certos cargos tal como os ministérios­-chave da defesa, interior e finanças.
A opção da criação duma representatividade das assem­bleias provinciais a nível nacio­nal tem vantagens evidentes. Não requer uma reforma da administração territorial pro­funda e imediata. Pode ser implementada com relativa facilidade e em curto prazo por meio duma curta reforma cons­titucional que acrescentaria uns 4 ou 5 artigos a seguir ao artigo 199, artigos 199a, 199b, 199c, e 199d, bem como uma alteração do artigo 133 no que diz respeito à enumeração dos órgãos de soberania.
No mais importante, este pro­jecto ultrapassa um bloqueio ins­titucional corrente que pode pôr em perigo a unidade nacional.
O conselho nacional das províncias poderá aliviar a pressão secessionista, crian­do um órgão de expressão a nível da política nacional para as reivindicações agudas em certas regiões do país, desta forma reinseridas no debate e foco da política nacional. Este aspecto é fundamental em Moçambique onde todas as decisões orçamentais e sobre a concentração e distribuição do desenvolvimento são to­madas a nível central. Não é solução suficiente de o governo nacional tentar do seu melhor entendimento responder às carências a nível regional ou de certas províncias. É necessário permitir que os delegados elei­tos nessas províncias tenham a oportunidade de apresentar e defender posições e propostas próprias, ficando assim integra­dos no processo das tomadas de decisões e vinculados a essas decisões.
Dessa forma poderia conse­guir-se ultrapassar o sentimen­to de vitimização e exclusão da oposição, abrindo-se a oportu­nidade duma democracia mais participativa e inclusiva.
Em última consequência, a instituição dum conselho nacional das províncias iria contribuir de maneira decisiva ao melhoramento da imagem do país como destino saudável e de estabilidade para os gran­des investimentos projectados.
in AMI
CORREIO DA MANHÃ – 26.02.2015
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