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Joaquim Francisco Gimo é diretor do Conselho Fiscal da ADEMIMO, a Associação de Deficientes Militares e Paramilitares de Moçambique. Gimo lutou pela independência do seu país e na guerra civil que a seguir durou 16 anos.
Pouco tempo decorreu desde a independência de Moçambique até estalar a guerra civil no país. Foi nesse segundo conflito que Joaquim Francisco Gimo perdeu parte do seu braço esquerdo. Ainda que, durante a guerra dos 16 anos, a causa da unidade nacional tenha sido posta em causa, diz o ex-combatente, o seu sacrifício valeu a pena: Moçambique é um Estado independente e os moçambicanos são livres.
Quando foi mobilizado para se juntar ao movimento de libertação nacional, era ainda rapaz.
DW África: Como começou o seu envolvimento?
Francisco Gimo (FG): Estava a estudar, mas tínhamos padres que eram missionários. Então, mobilizavam-nos para estarmos a par da guerra que tínhamos. Logo, achei melhor seguir os padres. Um dos padres era o padre Mateus Gwengere. Aos poucos, por ouvir, mais duas, três vezes, fiquei sensibilizado. E nós fazíamos o trabalho com eles, mas não era muita gente, duas pessoas.
DW África: Depois dessa fase de mobilização dos seus colegas de escola e também na sua comunidade, foi para o Malawi para receber treino. O que aprendeu nesse ano?
FG: Primeiro, tinha de receber a política da FRELIMO. Depois de receber a política, íamos aos treinos. Depois de treinarmos, tínhamos a fase de preparação física. Depois disso, quando as pessoas já conseguiam ver que merecíamos, éramos preparados. Fiquei um ano completo.
DW África: Do Malawi regressou a Moçambique em 1973 e foi lutar para a província central de Sofala. Como foi viver no mato e viver em combate?
FG: Viver no mato, viver em combate é um sacrifício, é um sofrimento. Mas nós tínhamos que nos habituar, porque estávamos no tempo da guerrilha, nós sentíamo-nos orgulhosos, porque éramos fortes e tínhamos um objetivo a alcançar. O objetivo é este: libertar a província de Sofala. Dito e feito: quando ficámos na província, pouco a pouco conseguimos libertar a província de Sofala e a guerra entrou.
DW África: Utilizou agora uma expressão chave durante a guerra de libertação que é libertar. Fale-me um pouco das zonas libertadas.
FG: As zonas libertadas existiram. As zonas libertadas são aquelas zonas em que a população em si acreditava na FRELIMO e nessas zonas libertadas tínhamos socorro imediato em questão de material, quando aparecia, e mesmo alimentação. As pessoas que viviam nas zonas libertadas são essas que às vezes nos ajudavam a carregar para as nossas bases. E alguns agora são intelectuais, estão a trabalhar bem, já estudaram, já são licenciados.
DW África: Entre as zonas libertadas e os países vizinhos, por exemplo, o Malawi, Zimbabué, as distâncias eram muito grandes. Mas era desses países vizinhos que os guerrilheiros e os combatentes da FRELIMO conseguiam as armas e a alimentação. Como era feito, então, em situação de guerra, esse abastecimento?
O apoio das populações locais e daqueles que se foram juntando à luta de libertação nacional foi crucial para a vitória sobre o exército português
FG: Eles traziam próximo das zonas libertadas, através da população, através dos soldados. Íamos buscá-los para as bases. Esses foram muito válidos para nós conseguirmos a guerra em Moçambique. Soldados com os cidadãos com boa fé, buscávamos a pé e carregávamos para as bases. Não tinha alternativa.
DW África: Existe algum episódio da época da luta de libertação que o tenha marcado?
FG: “Ya”. Depois de termos uma ação combativa que não nos custou muito tempo, foram cinco minutos, nós assaltámos aqueles, sentámos, ficámos alegres todos, quase. A partir dali eu senti, afinal, às vezes, sentimos quando há gente que morre, mas a guerra é tal e qual no cinema quando você se habituar. Quando entrei, era criança, cresci lá. Para nós era um divertimento. Naquele dia eu senti muito orgulho, muito alegre. Nunca esqueço, nunca vou esquecer! Até aos meus filhos eu conto.
DW África: Era no mato que estava na província de Sofala no dia 25 de abril de 1974 quando se deu a Revolução dos Cravos em Portugal. Como recebeu a notícia da revolução?
FG: Se houvesse uma fotografia da altura, eu mostrava que alegria todos os soldados tinham. Primeiro porque, depois de tanto sacrifício, depois de ouvirmos aquela revolução, nós sentimos que, pelo menos, vamos ter uma liberdade. Nós depois de ouvirmos, não ouvimos bem, queremos ver na verdade. Mas dito e feito: apareceu e ficámos muito alegres com os portugueses quando chegou aquela revolução.
DW África: O que é que a independência de Moçambique trouxe de bom para o país e os moçambicanos?
FG: A independência trouxe consigo boas coisas. Nós desde há muito que tínhamos Cahora Bassa, mas não chegava às comunidades a energia, mesmo água. São 500 anos que o colono ficou, mas não conseguia fazer isto. Mas em poucos anos já uns estão a aproveitar esse efeito, já é uma vantagem. A outra vantagem é que não tínhamos escolas. As pessoas começam a formar-se agora, licenciam-se aqui. Porque era difícil a pessoa sair daqui para doutorar fora, se não fosse uma pessoa aliada aos colonos.
DW África: A independência trouxe alguma coisa de mau?
FG: Depois da independência aparece outra guerra. Essa guerra, outra, que apareceu criou muitos problemas: muitos de nós perdemos a vida, muitos de nós ficámos deficientes.
DW África: Exatamente, logo a seguir à independência, começou a guerra civil que durou 16 anos. E foi nessa guerra que perdeu parte do braço esquerdo. Afinal, hoje em dia, pode dizer que valeu mesmo a pena lutar pela unidade nacional que depois se viu fragilizada durante a guerra civil?
FG: Claro, não há coisa que apareça sem sacrifício. Fez parte do sacrifício que eu fiz e eu senti-me orgulhoso. Perdi uma parte física, mas libertei o país e o país está em paz.
DW África: Considera haver erros cometidos que poderiam ter sido evitados?
FG: Por exemplo, não haver mais guerra. Onde aparece uma guerra, não há boa coisa. Há destruições, há mortes, as pessoas não ficam livres.
DW África: Falou há pouco do padre Mateus Gwengere. Apesar de ter contribuído para a luta de libertação, houve um momento em que ele passou a ser visto por altos representantes da FRELIMO como um traidor. O que aconteceu?
FG: Era um conflito entre os dirigentes, em que se observou que ele já era inimigo da FRELIMO. Os trabalhos que ele fez serviram de muito para a FRELIMO. Porque muitos alunos, mesmo a população, foram [juntar-se à luta de libertação] por influência dele. Mas como era um poder que toda a gente queria, tinha de aparecer esse fenómeno.
DW África: Luta pelo poder: na altura da luta pela independência, os ideais que guiavam, se não todos, pelo menos uma parte dos combatentes da FRELIMO e do movimento nacionalista, prendiam-se com a unidade nacional, com uma causa a nível nacional. Vê os ideais da luta armada refletidos no Moçambique de hoje?
FG: Não estão refletidos. Não estão a ser respeitados. Se respeitássemos a unidade nacional, não poderiam aparecer outras guerras. Porque somos moçambicanos, somos iguais, então quando aparece guerra, a unidade nacional não está a ser considerada. A [ideia] da unidade nacional foi de que todos nos unamos e lutemos por um único objetivo que é libertar o país. Libertámos.
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- Data 25.06.2014
- Autoria Marta Barroso
- Palavras-chave 40 anos; Revolução dos Cravos; Moçambique; independência; Francisco Gimo
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