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quarta-feira, 23 de outubro de 2013
800 anos de Independência de Portugal
Escrito por Oliveira Salazar
Winston Churchill |
Não foi por acaso que Franco Nogueira atribuíra a Oliveira Salazar uma espécie de instinto divinatório a par de uma capacidade profética relativa a certos e determinados acontecimentos da cena internacional. Assim, o instinto divinatório de Salazar tornou-se particularmente visível no decorrer do acordo concedido à Inglaterra com vista à concessão de facilidades nos Açores (18 de Agosto de 1943). Ou seja: perante as pressões do Estado-Maior e sobretudo de Churchill para tal efeito, Salazar conduziu duramente as negociações de modo a poder salvaguardar os interesses portugueses até ao momento em que, intuindo um ataque anglo-britânico aos Açores, fez finalmente uma concessão para a entrada em vigor do acordo luso-britânico.
O telegrama de Churchill para Campbell, desconhecido por Salazar, fala por si: «Tenho de lhe dizer que esgotei aqui todos os argumentos em favor de um arranjo com os portugueses através de negociações. Se Salazar não aceitar a nossa última oferta, eu receio nada mais poder fazer. Então os acontecimentos seguirão o seu próprio curso. Lamentá-lo-ei profundamente, mas Salazar ter-se-á mostrado incapaz de estar à altura das circunstâncias». Aliás, este telegrama também permite entrever como Churchill estava sob a influência de Roosevelt no que toca à projecção de uma nova ordem internacional a ser implementada no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. E se há quem duvide de um tal plano na esfera internacional, é porque ignora os encontros secretos entre Churchill e Roosevelt em navios de guerra ingleses e americanos ao largo da Nova Escócia. De resto, foi aí que Churchill compreendeu que o Império Britânico iria ser substituído por uma nova ordem internacional ditada pelo sistema financeiro de Nova Iorque.
De resto, diz-nos ainda Franco Nogueira: «Dirige-se Salazar aos Congressistas, e acentua que as suas palavras são "tanto para nosso uso como entendimento alheio". Muitas realidades estão sendo reveladas pela guerra, no plano económico e social, e algumas serão confirmadas pela paz. Mas "considero exagero pensar que tudo na vida nacional depende ou há-de depender da ordem internacional futura". No conjunto dos povos, nem todos os problemas são idênticos, nem todas as soluções são uniformes; e nem seria desejável que o fossem. Por isso, e quanto a Portugal, importa o "estudo dos princípios e meios de acção pelos quais nos propomos manter dentro de nós a ordem política e jurídica, a ordem social e económica, a ordem religiosa e moral", e isso porque precisamente todos estes aspectos estão dentro daquela "zona que nos parece irredutível, porque essencial à soberania e inacessível à actuação internacional". Mas outros conceitos são possíveis, e têm sido enunciados: "o da internacionalização dos interesses nacionais ou o da constituição de superestados, dirigentes, guardas e defensores do mundo". Três grandes afinidades - os eslavos, os anglo-latinos, os americanos - poderão emergir desta guerra; mas no fundo o conceito de "nação continuará a aparecer como núcleo primário, vivaz, irredutível e inassimilável"; e ao Estado caberá a sua representação, "sem que possam contra ele valer ou invocar-se os laços de empreendimentos ou organizações, mesmo que supranacionais". Neste particular, na hipótese de a guerra terminar "por inequívoca derrota alemã", estão criadas as condições para três grandes hegemonias, correspondentes ao Império Britânico e Europa, aos Estados Unidos, e à Rússia. E o risco consiste em aqueles países se colocarem "entre a tentação de continuar a guerra na paz e a de buscar a paz como única finalidade para que seria desculpável ter feito a guerra" (...) Parece dever -se considerar luminosa esta síntese de Salazar, e profética. "Continuar a guerra na paz" quer dizer ser a sociedade internacional do após-guerra condicionada e determinada pela continuação da luta entre hegemonias ou impérios que, sem usarem meios militares convencionais, nem por isso deixam de se combater, e de definir por esse combate os seus amigos ou inimigos. Será a guerra fria. E "buscar a paz como única finalidade para que será desculpável ter feito a guerra" quer dizer erigir a paz em valor supremo, acima do direito e da justiça, donde resulta que tem razão quem tiver força para impor a sua paz e a sua justiça, e será agressor o que procurar resistir em legítima defesa» (in Salazar, III, As grandes crises, 1936-1945, Livraria Civilização Editora, 1983, pp. 528-529).
11/9/2001 (embate de dois aviões nas Torres Gémeas em Nova Iorque) |
Mas é caso para perguntar que tipo de internacionalismo se nos depara nos dias que correm. Ora, a nosso ver, trata-se de um internacionalismo que deixou de ter hegemonias ou imperialismos nacionais a condicionarem a sociedade internacional, para simplesmente dar lugar a poderes e organizações apostadas na destruição de toda e qualquer soberania nacional. E os Estados Unidos, considerados a única superpotência hegemónica com o desaparecimento da União Soviética, estão também em vias de verem completamente destruída a sua independência enquanto país livre e soberano.
Aliás, basta, para o efeito, tomar em consideração as mensagens de algumas personalidades americanas sobre o iminente colapso dos Estados Unidos, tais como Edward Griffin, Edwin Vieira, Jr., Aaron Russo, Alex Jones, David Ray Griffinou Ron Paul (ver também o britânico David Icke e, a propósito dele, o filme de Chris White). Atente-se igualmente nos avisos e prevenções oriundos da John Birch Society na pessoa de Arthur R. Thompson, no que sobretudo respeita ao governo mundial sob a égide das Nações Unidas. Estamos, portanto, perante uma elite globalista conduzida por dinastias metacapitalistas que controlam as principais indústrias da comunicação social, como o Washington Post, o New York Times, o Wall Street Journal, o Daily News, a National Review, além de grandes redes televisivas dos Estados Unidos como a NBC, a CBS e a ABC, só para dar alguns exemplos no outro lado do Atlântico.
Além disso, existem várias organizações que procuram absorver e destruir todo e qualquer resquício de soberania nacional que, porventura, ainda exista no concerto internacional, entre as quais se contam o Clube Bilderberg, a Comissão Trilateral e o Conselho das Relações Exteriores sediado em Nova Iorque e financiado pelas fundações Ford, Carnegie e Rockefeller, assim como por trustsde relevo internacional: IBM, ITT, Standard Oil of New Jersey (Exxon), etc. E com vista ao processo de subversão interna de povos, culturas e nações, ressalta ainda uma série de objectivos que passam pela repressão da prosperidade (Crescimento Zero), pela criação artificial de crises sucessivas para sujeitar as pessoas a dificuldades contínuas, pelo controlo centralizado da educação segundo directrizes da UNESCO, pelo governo mundial da ONU que se prepara para cobrar um imposto directo aos "cidadãos do mundo", bem como por um único sistema jurídico à escala planetária (o Tribunal Internacional de Justiça) e um Estado de Providência socialista mediante o controlo centralizado das políticas externas e internas de todos os Estados, etc.
Depois, quanto à ONU, existem objectivos de longa data para o desmantelamento de todas as forças armadas nacionais com vista a promover o aparelho militar das Nações Unidas em nome da paz, da liberdade e da segurança internacionais. Mais: um tal objectivo está plenamente de acordo com a concretização de um programa de desarmamento global sujeito a controlos internacionais draconianos. E, no final, ninguém poderá mais possuir armas de fogo nem armas brancas para uso e defesa pessoal, excepto a polícia e os militares.
Há muita boa gente que acredita que a estrutura política, económica e dos serviços de subversão e de informação da Rússia desapareceu da noite para o dia. Mas há ainda quem atente no facto de que o sistema não se alterara, nem os seus beneficiários: «O antigo coronel do KGB, Viktor Kichikhin, que serviu na primeira Directoria Principal, responsável por coacção ideológica, testemunhou o processo em primeira mão: "Em 1989-1990, a maior parte das empresas conjuntas soviético-ocidentais foi criada pela nossa directoria, à excepção das que foram constituídas directamente pelo Comité Central do PCUS".
O processo estava tão integrado que o antigo general do KGB, Timofeyev, fez o seguinte comentário: "O mercado está ocupado pelo aparelho dirigente e pelo KGB, porque têm a oportunidade de controlar o processo de privatização e a criação de novos empreendimentos. Têm as licenças e a influência. Isto não é tanto para o bem do partido mas antes para a autopreservação", e acrescentou, "há indubitavelmente aqui um elemento de uma retirada organizada... em que as forças em retirada procuram manter um elemento ou ordem e a possibilidade de preservar um núcleo, e depois talvez, a seu tempo, regressarem ao passado» (in Daniel Estulin, Os Senhores da Sombra, Publicações Europa-América, 2010, p. 71).
E mais nos diz Daniel Estulin: «A máfia russa, conhecida comoVorovskoi Mir, ou "Mundo dos Ladrões", uma federação informal de mafiosos soviéticos, percebeu de imediato que a "retirada" docomunismo anunciava um glorioso mundo novo de ordem criminosa que a favorecia» (ibidem, p. 71).
Posto isto, convém relembrar que o internacionalismo foi uma constante ao longo de todo o século XX, de que um dos mais atentos observadores foi, sem dúvida, Oliveira Salazar, a avaliar pelas suas palavras relativas ao conflito internacional travado na Guerra Civilde Espanha (1936-1939):
«Temos reivindicado como atributo indispensável da independência política a nossa independência mental e moral, o nosso poder de revisão e de crítica das ideias feitas, das nocões assentes, dos compromissos tomados, dos conluios de interesses, das sombras, dos vaticínios, das tétricas profecias. E contrariamente aos que puderam confundir independência e isolamento ou hostilidade, verificou-se, ao pormos claramente sobre a mesa das conferências os dados da nossa experiência - as nossas razões - que mantínhamos mais firmes as amizades antigas e granjeávamos novas simpatias e o respeito de todos.
Temos procurado que os princípios políticos e morais que seguimos e a que estamos ligados se distingam por uma vez corajosamente das fórmulas vazias, hipócritas, a ameaçarem converter a vida internacional em fariseísmo intolerável, em sábio processualismo inútil, já sem poder sequer salvar as aparências. A esses altos princípios da vida social, entre os indivíduos e entre os povos, entendemos que tudo o que lhes é inferior se deve sacrificar; mas o o que por vezes se sacrifica são realidades tangíveis a concepções abstractas sem alicerces na razão nem vida no espírito dos homens.
Temos em terceiro lugar e semelhantemente ao que praticamos na ordem interna, defendido que a ordem internacional seja de direito e de facto resultante da conciliação de interesses nacionais, fora da abusiva intervenção de grupos ou partidos de uma outra nação, convencidos de que por outro modo só se conseguiriam multiplicar as dificuldades existentes e de que piores que nacionalismos, mesmos agressivos, são alguns internacionalismos da hora presente. Minando-se a segurança interna dos Estados, debilitando-se a coesão nacional, permitindo-se a criação de partidos políticos como acção e influência exterior, não se caminhou para uma Humanidade mais amiga, mais fraterna ou pacífica, mas para a hegemonia de um partido que, parodiando a raça eleita do Senhor, promete sacrílegamente a todos os povos a redenção pelo crime...» (in «A Guerra de Espanha e a Suspensão de Relações Diplomáticas, in Discursos e Notas Políticas, II, 1935-1937, Coimbra Editora, pp. 223-224).
Oliveira Salazar foi, de facto, na cena interna e internacional, o maior Estadista do século XX ao salvaguardar a existência histórica e espiritual de Portugal sem procurar agredir, minar e destruir as demais soberanias nacionais no concerto da civilização ocidental. E fê-lo sem vacilar num contexto em que o mundo mergulhava cada vez mais numa guerra total - política, económica, psicológica, militar - consagrada ao caos, à anarquia e à subversão revolucionária no seio dos Estados e da população mediante o controlo dos meios de comunicação social, do aparelho administrativo e governamental, do sistema educativo, bem como através do incitamento à desordem civil, à chantagem, à difamação, ao assassínio político, à desinformação e ao uso e manipulação de elementos internos de uma nação para servir os interesses de um internacionalismo inimigo dos povos. Este último aspecto podemos encontrá-lo perfeitamente descrito por Oliveira Salazar no âmbito das eleições de deputados para a Assembleia Nacional em 1961, numa altura em que já tinha despoletado, por instigação do exterior, o terrorismo em Angola:
«... Ao que todos podemos assistir a presente campanha foi na verdade triste e altamente preocupante: os problemas básicos de política internacional e ultramarina foram versados de modo a não servir, antes a prejudicar os interesses da Nação. A argumentação repetida foi a dos inimigos de Portugal; e não pode constituir honra para ninguém que as oposições sejam saudadas pelos que combatem contra Portugal aqui, na ONU ou no Ultramar. Conhecimento mais completo dos motivos da campanha movida contra o País nos meios internacionais e que conduziram e alimentam a guerra contra territórios portugueses, aconselharia as oposições a maior discrição e a não serem cá dentro o joguete de grandes interesses em causa. As oposições tiveram a maior dificuldade em sacar do imbróglio das suas concepções o reconhecimento da integridade da Nação como imperativo dos Portugueses, e do dever de a defender; mas os que não são cegos compreendem que, pelos caminhos entrevistos e mal definidos, não se chegaria a garanti-la efectivamente, como todos disseram desejar.
Entretanto a nossa gente bate-se e morre em Angola, como já se bateu e morreu noutras partes do território ultramarino. Bate-se e morre pelo Governo actual? Que ideia! Vai bater-se amanhã pela democracia? Que engano! Bate-se e bater-se-á com este ou outro Governo pela Nação que é uma realidade tangível, e que o povo sente bem na pureza do seu instinto patriótico e à margem da torcida filosofia dos doutores.
Diante de coisas tão sérias como sermos ou não sermos, cumprirmos ou não cumprirmos a nossa missão no Mundo, eu sou o primeiro a não estranhar que o Chefe de Estado não tenha entregue o Governo aos oradores da oposição.
Temos pois de concluir que foi cometido grave erro por alguns condutores do povo, e que tem de ser o mesmo povo, cerne da Nação, a corrigir agora tal erro no acto eleitoral. Ele tem de corroborar por votações maciças uma política de salvação nacional; ele tem de destruir a ideia que pudesse ficar deste debate de um país dividido que não conheceria o seu norte. O que se passou há-de entender-se apenas como a infelicidade de alguns pastores se haverem perdido nos caminhos da serra, sem terem conseguido extraviar o rebanho.
O povo português compreende a minha linguagem. Sabe que nada me interessa senão servir o melhor possível o interesse comum. E se eu lhe digo que a retaguarda é para ser defendida tal como a frente em África ou na Índia, é porque sei que isso é condição da vitória e esta tem de ser ganha por todos (in «Apelo ao Povo», palavras proferidas por Sua Excelência o Presidente do Conselho, Prof. Oliveira Salazar, ao Microfone da Emissora Nacional, em 9 de Novembro de 1961, SNI).
Não há dúvida: Oliveira Salazar agiganta-te cada vez mais perante os pigmeus da política criminosa que nos últimos quarenta anos entregaram Portugal aos poderes e organizações do globalismo invasor. Foi, além do mais, o último grande Estadista português que ficará na memória de gerações futuras - caso as haja! - que procurem estudá-lo e compreendê-lo de um modo objectivo, sério e fora da engenharia ideológica e universitária que tudo falsifica, distorce e avilta. Quanto aos pretensos e nominais democratas de ontem e de hoje, ninguém se lembrará deles senão pelas piores razões, factos e crimes que numa só palavra se podem sintetizar no seguinte: TRAIÇÃO de LESA-PÁTRIA.
800 anos de Independência
Torre de Belém |
Serei muito breve, pois toda a palavra a sinto inferior ao momento e todo o discurso se me afigura profanar o recolhimento das almas e a comunhão espiritual desta hora. Por todo o Portugal do continente, das ilhas, do ultramar, e em terras hospitaleiras de todas as partes do mundo, milhões de portugueses se recolhem, de alma ajoelhada diante deste castelo, e comungam connosco nos mesmos sentimentos de devoção, de exaltação, de fé.
Nem eu sei o que havia de dizer. Em vão procuro, no tropel de ideias e de emoções, focar pensamento ou imagem, facto ou anseio, nome ou sentimento que aos outros sobreleve e me prenda. Passam pelo espírito séculos em revoada - oito séculos da vida de Portugal - com seus reis e seus cavaleiros, seus descobridores e seus legistas, seus capitães e seus nautas, seus heróis e seus santos, sofrimentos e glórias, esperanças e desilusões. Passam séculos, e o português a expulsar o mouro, a firmar a fronteira, a cultivar a terra, a alargar os domínios, a descobrir a Índia, a apostololizar o Oriente, a colonizar a África, a fazer o Brasil - glória da sua energia e do seu génio político. Para tanto discutiu nas Cúrias e nos Concílios, ensinou em escolas e Universidades de fama, fez uma língua e uma cultura, pintou obras primas antes dos maiores mestres, prodigalizou-se em maravilhas de pedra, cantou em versos imortais a sua própria epopeia - ainda hoje tão simples e tão modesto que é pobre em face dos opulentos e fraco junto dos poderosos. Abisma-se a inteligência a perscrutar o mistério, confunde-se com a desproporção dos meios e dos resultados, extasia-se ante a permanência do milagre, e não se sabe que homem, idea, rasgo ou sacrifício há-de pôr acima dos mais - a não ser exactamente o facto fundamental e primeiro de haver a raça portuguesa estabelecido o seu lar independente e cristão nesta faixa atlântica da Península. Quis o povo ser independente, livre no seu próprio território, e quiseram os reis que ele fosse, conquistando-lhe e mantendo-lhe a independência; e porque mandava em seus destinos, a Nação definiu um pensamento de vida colectiva, um ideal de expansão e de civilização a que tem sido secularmente fiel.
Mosteiro dos Jerónimos (Belém |
Nas nações, como nas famílias e nos indivíduos, viver, verdadeiramente viver é sobretudo possuir um pensamento superior que domine ou guie a actividade espiritual e as relações com os outros homens e povos. E é da vitalidade desse pensamento, da potência desse ideal, do seu alcance restrito ou universal e humano que provém a grandeza da nação, o valor da sua projecção na terra. Ser escasso em território, reduzido em população ou em força ou em meios materiais não limita de per si a capacidade civilizadora: um povo pode gerar em seu seio princípios norteadores de acção universal, irradiar fachos de luz que iluminem o mundo.
Para isso nos serviu a liberdade; de nós se não pode afirmar que não soubemos que fazer da nossa independência: trabalhando e recebendo em nossa carne duros golpes, descobrimos, civilizámos, colonizámos. Através de séculos e gerações mantivemos sempre vivo o mesmo espírito e, coexistindo com a identidade territorial e a unidade nacional mais perfeita da Europa, uma das maiores vocações de universalismo cristão.
Eis porque esta solenidade é ao mesmo tempo acto de devoção patriótica, acto de exaltação, acto de fé.
Primeiro: acto de devoção. Cobrimos de flores, trazidas dos quatro cantos do mundo, as pedras mortificadas sobre que se ergue este castelo, como se piedosamente se beijassem as feridas de um herói ou se alindasse o berço de um santo. Vimos de longe, alguns de muito longe visitar a velha casa de seus velhos pais, a cidade augusta onde primeiro bateu, com o coração do primeiro rei, o coração de Portugal. Sabemos dever-lhe o que fomos, e o que somos dele vem ainda - vivermos livres na nossa terra e honrados na terra alheia.
Acto de exaltação. A Pátria Portuguesa não foi o fruto de ajustes políticos, criação artificial mantida no tempo pela acção de interesses rivais. Foi feita na dureza das batalhas, na febre esgotante das descobertas e conquistas, com a força do braço e do génio. Com trabalho intenso e ingrato, esforços sobre-humanos na terra e no mar, ausências dilatadas, a dor e o luto, a miséria e a fome, almas de heróis amalgamaram, fizeram e refizeram a História de Portugal. Não puderam erguê-la com egoísmos e comodidades, medo da morte e da vida, mas lutando, rezando e sofrendo. Cada um deu, na modéstia ou grandeza dos seus préstimos, tudo quanto pôde, e por esse tudo lhe somos gratos. Do fundo porém dos nossos corações não podem deixar de erguer-se, ao comemorarem-se oito séculos de História, hinos de louvor aos homens mais que todos ilustres que os encheram com os seus feitos. Acto de exaltação.
Gualdim Pais |
Mas nós realizamos hoje também acto magnífico de fé: fé na nossa vitalidade e na capacidade realizadora dos portugueses, fé no futuro de Portugal e na continuidade da sua História. Não somos só porque fomos, nem vivemos só por termos vivido; vivemos para bem desempenhar a nossa missão e perante o mundo afirmamos o direito de cumpri-la. Com a solidez das raízes seculares ligados à História Universal, que sem nós seria ao menos diferente, sentimos com a glória desta herança as responsabilidades e o dever de aumentá-la. Estamos aqui precisamente por confiarmos nos valores eternos da Pátria; e quando dentro de pouco - e nenhum de nós pode mais reviver este momento - subir no alto do castelo a bandeira sob a qual se fundou a nacionalidade, veremos, como penhor que conforma a nossa fé, a cruz a abraçar, como no primeiro dia, a terra portuguesa (in Discursos e Notas Políticas, III, 1938-1943, do Castelo de Guimarães, no dia 4 de Junho de 1940, começo das festas centenárias, na cerimónia comemorativa da fundação da nacionalidade, Coimbra Editora, pp. 255-259).
quinta-feira, 26 de setembro de 2013
Carta de Oliveira Salazar para Roswell Gilpatric (ii)
Escrito por Oliveira Salazar
«Para nós, Portugueses, nascidos no século XII, iniciadores, com os Descobrimentos, no século XV, da Idade Moderna, universalizadores conscientes da civilização ocidental (até aí reduzida aos limites europeus) - para nós, Portugueses,discriminação racial, descolononização eautodeterminação são, portanto, palavras cínicas, injuriosas, que afrontam a nossa inteligéncia e magoam profundamente a alma desta velha e nobre Nação cuja carne e cujo sangue se fundiram, amorosamente, cristãmente, nas cinco partes do mundo, como todas as raças e cores, naquela liberdade, igualdade e fraternidade que só o tálamo conjugal realiza e a família consagra a sublima.
Suprema hipocrisia! Monstruosa afronta - ouvirem, calados, injuriar e difamarPortugal, países que nunca deixaram os pretos e os vermelhos entrar onde estivessem brancos e que os conservaram, até hoje, isolados, como gado!
(...) Isto, quanto à discriminação e à descolonização. Mas o espectáculo é mais degradante ainda no que toca à chamadaautodeterminação, porque na África negra nunca houve Nações nem Estados subjugados por forças estrangeiras como sucede, por exemplo, em nossos dias, na Hungria e na Roménia; quando lá estávamos, no século XV, havia apenas vastíssimos territórios despovoados, aves do céu e animais do mato e, nalguns pontos, tribos selvagens coabitando com os gados, submersas na mais triste barbaria, sem a menor ideia de Estado ou de Nação.
E é, por isso, espantosa a hipocrisia e o cinismo com que hoje, volvidos cinco séculos, se finge que os Portugueses interromperam, em Angola e Moçambique, o curso histórico de duas Nações de pretos que é preciso deixar, agora, autodeterminarem-se democraticamente, pela via do sufrágio universal, libertando-lhes a Pátria oprimida e enriquecendo o Mundo e a ONU com mais duas Nações livres...
Mas ainda quando se abstivesse, para efeitos de discussão, da nossa franca política de assimilação que faz dos pretos e brancos de Angola e Moçambique portugueses tão lídimos como os da Europa, ficaria lugar à pergunta decisiva: onde está a Nação? No conjunto das tribos rivais, que lá fomos encontrar, há quinhentos anos, guerreando-se, por natureza, mutuamente, como está sucedendo, ainda agora, no chamado Congo Belga? Na diversidade infinda de línguas, dialectos, feiticismos e raças?
Não, meus senhores! A única noção de território nacional, unidade de língua e religião, de Estado e de Nação, que existe em Angola e Moçambique é aquela que nessas Províncias criaram, no decurso de cinco séculos, tal qual como em todas as outras, os Portugueses de sempre. De modo que quando os nossos inimigos falam em libertar as Nações de Angola e Moçambique pretendem, apenas, esbulhar Portugal, com a colaboração de meia dúzia de pretos assoldadados no estrangeiro, de duas das suas Províncias ultramarinas.
Autodeterminação! Mas autodeterminação de quem? De uma dúzia de negros, mais ou menos bacharéis, "membros do Partido", "democratas" sem concidadãos? Deixemo-nos de hipocrisias: noventa e tantos por cento dos pretos de toda a África não estão em condições de se autodeterminarem e nem sequer pensam nisso. Sucede-lhes precisamente o mesmo que acontece aos índios americanos e aos párias da Índia do Sr. Nehru, sem que ninguém tenha visto, até agora, sinais de que os filantropos, tão preocupados com os negros de África, estejam dispostos a deixá-los autodeterminarem-se, organizando-se em Nações independentes...
(...) Descolonização e autodeterminação são expressões políticas que tanto o grupo de Nações ocidentais como o das que alinham com a Rússia proclamam por sinónimos de libertação de todos os povos e estados oprimidos pela força imperialista das Nações colonizadoras. Posta assim a questão, não há homem bem formado nem país civilizado que não adira logo à beleza do princípio e à justiça dos seus objectivos. Mas como tanto do lado da Rússia como entre nações ocidentais há práticas e factos que desmentem, na realidade e em absoluto, conforme atrás dissemos, a exactidão dos princípios, segue-se que temos de procurar, para além das aparências ilusórias, o fio condutor das realidades dolorosas. E essas conduzem-nos à conclusão de que descolonização e autodeterminação são apenas a cínica e hipócrita cobertura doutrinária do pavoroso necolonialismo materialista e económico, que se propõe partilhar o Mundo à sombra da bomba atómica...
Costa Brochado, «Teoria da Unidade Nacional e realidades da África Portuguesa», conferência proferida no salão nobre da Câmara Municipal de Braga, na noite de 30 de Novembro de 1961, a convite daquele Município e da delegação bracarense da Sociedade Histórica da Independência.
Torre de Belém |
«Nós somos uma velha Nação que vive agarrada às suas tradições, e por isso se dispõe a custear com pesados sacrifícios a herança que do passado lhe ficou. Mas acha isso natural. Acha que lhe cabe o dever de civilizar outros povos e para civilizar pagar com o suor do rosto do trabalho da colonização. Se fosse possível meter alguma ordem na actual confusão da oratória política internacional, talvez se pudesse, à luz destes exemplos, distinguir melhor a colonização do colonialismo - a missão humana e a empresa de desenvolvimento económico que, se dá, dá, e se não dá, se larga. Muitos terão dificuldade em compreender isto, porque, referidas as coisas a operações de deve e haver, motivos havia para delinear noutras bases a política nacional».
«O Ultramar Português e a ONU» (Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente do Conselho, Prof. DoutorOliveira Salazar, na sessão extraordinária da Assembleia Nacional, em 30 de Junho de 1961).
«Se entre americanos e russos existe vocação comum, é ela, por certo, a de exploradores, caçadores ou colonos que uns e outros obstinadamente manifestaram desde o princípio da sua história. Desbravadores e migradores, os dois povos sempre foram impelidos a conquistar novos territórios. Se não fosse essa espontânea tendência, explicar-se-ia mal a rapidez com que foram exploradas e colonizadas as imensas regiões da Sibéria e da América.
(...) Existem muitas outras semelhanças entre os Estados Unidos e a Rússia, semelhanças que os escritores alemães muitas vezes sublinharam. Para Spengler há em primeiro lugar "a mesma vasta extensão que exclui a possibilidade de ataques eficazes dos inimigos; há depois o socialismo de Estado, ou antes o capitalismo de Estado, quase semelhante à fórmula existente na Rússia, representado pelo conjunto dos trusts que dirigem e regulam toda a produção e o seu escoamento, até aos mais ínfimos pormenores, correspondente às organizações económicas russas. O lema dos sovietes: A Ásia para os asiáticos, corresponde exactamente nos seus pontos essenciais à concepção da doutrina de Moroë: Toda a América para o potencial dos Estados Unidos".
Quanto a Keyserlig, depois de notar que a"atmosfera psíquica da América se parece com a da Rússia e com a da Ásia setentrional", observa: "A psicologia de um Gengis Can, que devastou o mundo num furacão, de um Pedro o Grande ou de um Lenine, que ditaram a sua vontade pessoal a milhões de homens, ou a de um presidente de trust americano, que considera 'sem Deus' toda e qualquer nação que não lhe compra o seu petróleo, são, neste particular, absolutamenteidênticas"».
Henri Massis («A Nova Rússia»).
Winston Churchill com uma pistola-metralhadora "Thompson" |
«(...) As enormes quantidades de armamento apreendidas pelas nossas Forças Armadas nas três frentes da Guiné, Moçambique e Angola, são na sua esmagadora maioria provenientes da URSS. Com elas, poderíamos já equipar alguns batalhões de infantaria e apontam a origem comum dos tão falados nacionalismos. E não se pense que são armas antiquadas ou excessos de armamento da segunda guerra mundial. A par da tão espalhada pistola-metralhadora "Thompson", de origem americana e tornada célebre pelos "gangsters" de Chicago, e que a própria China já fabrica sem respeito pelo "copy right", aparecem as mais modernas armas que equipam o exército russo, desde a pistola "Tokarev" à espingarda automática "Kalashnikov" e desde as granadas F-1 aos canhões sem recuo de 57 milímetros.
Este enorme arsenal que mostra bem quão vinculadas estão às ideologias comunistas, os chamados movimentos libertadores das nossas Províncias, é pago, pelo menos em parte - oh! Santa ingenuidade - pelos bons dólares com que os EUA inundam os pseudo-nacionalistas, mormente os da Frelimo, tanto da simpatia americana, já porque o sr. Mondlane foi professor numa universidade estadunidense, já porque é casado com uma senhora natural da grande potência ocidental. E não seria nada "shoking" ter como primeira presidente dum hipotético Moçambique independente uma "american lady" (...)».
Alpoim Calvão («Reflexões sobre o Tempo Presente», in Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa,Alpoim Calvão, Honra e Dever, Uma Quase Biografia»).
Carta de Oliveira Salazar para Roswell Gilpatric (ii)
d) Assume o mais alto interesse o ponto que em seguida levantou o Príncipe Radziwill: a intenção em que o Presidente Johnson ou o Secretário de Estado Rusk estariam de pronunciar um discurso em que se inserisse uma referência ou parágrafo sobre política portuguesa, de modo que nos fosse possível transcrever e usar tal referência ou parágrafo com utilidade política. Depois de quanto se tem passado, não oculto a V. Excia. que os termos a usar são da maior importância, e terão de ser ricos de significado em favor de Portugal porque de contrário será preferível que nada seja dito. Chamo a atenção de V. Excia., neste particular, para alguns factos. Há dias o New York Times publicou um artigo em que lançava uma luz de alguma forma optimista sobre a actual situação portuguesa. Não podia comprometer o Governo Americano, pois a crónica era assinada pelo correspondente do jornal em Lisboa. Mas para destruir o valor do artigo logo «alguns funcionários» do Departamento de Estado fizeram declarações transmitidas pelas agências internacionais em que se procurava destruir o efeito favorável a Portugal que acaso aquele artigo pudesse ter produzido. No dia 18 do corrente (mês de Março de 1965), de novo o Sr. Mennen Williams pronunciou um discurso onde afirmou, entre outras coisas, que os Estados Unidos estavam usando toda a sua «força de persuasão», que é como quem diz, pressão sobre Portugal, com o fim de levar este a aceitar imediatamente os princípios referentes a autodeterminação, independência, etc. Notamos assim a persistência do desagrado oficial perante notícias favoráveis a Portugal que acaso surgem na imprensa dos Estados Unidos: mas antes havia-nos sido dito que o Governo Americano sentia dificuldade em nos apoiar porque tal apoio suscitaria críticas na imprensa. Eu menciono estas circunstâncias apenas para sublinhar de novo a importância do que for dito pelo Presidente Johnson ou pelo Secretário de Estado Rusk e neste ponto limitar-me-ei a algumas sugestões. Nós sabemos que os Estados Unidos perfilham de longa data alguns princípios, que aliás
O maçon Lyndon B. Jonhson |
basicamente também nós partilhamos, e de modo algum pretenderíamos que o Governo Americano os negasse. Mas o governo pelo consentimento dos governados pode ser realizado por mais de uma forma, e decerto nos territórios portugueses muitos factores o confirmam; multirracialismo incontestável da política portuguesa pode sem embaraço ser apoiado pelos Estados Unidos; o valor da posição anticomunista de Portugal em África deve poder ser aceite pelo Governo Americano; e reconhecer os direitos humanos, promover a educação e o desenvolvimento económico, político e social são outros tantos elementos incontroversos que, em conjunto com os demais, podem também ser considerados. O princípio de reconhecer incondicionalmente a cada cabeça um voto, reclamado pelos povos africanos, não é aceite em nenhum país civilizado; mas quem pode negar que as províncias ultramarinas têm o direito de participar e participam efectivamente na constituição dos orgãos superiores do Estado - na eleição do Presidente da República, dos deputados à Assembleia Nacional, dos procuradores à Câmara Corporativa, em perfeita igualdade com os cidadãos de qualquer outra região do País? No entanto, em documentos recentes se apelidavam de «pequenas reformas» as regras jurídicas que entre nós há muito regulam estas matérias. Eu creio que nem o Presidente Johnson nem o Secretário de Estado terão diculdade em encontrar uma fórmula comummente satrisfatória para apresentar a política ultramarina portuguesa, e levá-la ao conhecimento da opinião pública americana. e) Por último, o Príncipe Radziwill informou-me de que, se o Governo Português fizesse a concessão respeitante ao Loran-C, o Governo dos Estados Unidos passaria a apoiar incondicionalmente a posição portuguesa na ONU. Não neguemos a importância desta promessa. Somos lógicos: consideramos muito grave e importante o facto de os Estados Unidos votarem contra Portugal: igual importância atribuímos ao facto de os Estados Unidos passarem a votar a favor de Portugal. Mas temos de ver que as Nações Unidas não têm hoje a importância que tinham há dois ou três anos: estão desprestigiadas e desvalorizadas: e assim tudo que nelas se passa se encontra igualmente diminuído. E pelo que respeita a agências especializadas daquela organização já os Estados Unidos e outras nações ocidentais têm seguido a linha de defesa dos direitos de Portugal. Mas nem por isso, sobretudo tendo em conta a eventual reorganização das Nações Unidas, deixa de ter o maior interesse a sugestão transmitida pelo Príncipe Radziwill. Tenho de acentuar, porém, a gravidade da concessão do Loran-C: se a fizer, aumentam muito os riscos e a vulnerabilidade de Portugal, que decerto se torna alvo ainda mais importante das armas comunistas em caso de crise séria ou de guerra. E daí não tira Portugal qualquer benefício substancial directo. Nestas circunstâncias, ocorre-me se procure noutros campos uma contrapartida material da nossa concessão à instalação do Loran-C. Estes os problemas de que se ocupou o Príncipe de Radziwill. Não me falou o Príncipe no problema da base dos Açores, cuja utilização pelos Estados Unidos sem qualquer contrapartida na actual conjuntura e desde há muitos anos provoca na opinião pública portuguesa perplexidade e impaciência. Não se tornará possível em tal matéria prolongar indefinidamente a situação actual, sendo indispensável a negociação de um arranjo pelo qual a contribuição dada pela base dos Açores e pela instalação do Loran-C para a segurança dos Estados Unidos encontre uma razoável compensação em meios que nos permitam prover à nossa própria segurança em territórios que são objecto de ataque.
Acrescentarei ainda mais dois ou três pontos dentre os mais recentes. Um cidadão americano ilustre, da maior integridade e cultura, e do mais puro patriotismo, visitou Angola não há muito, e demorou-se longamente na província. Visitou depois, como era natural, os funcionários consulares do seu país. E um destes disse-lhe que a situação em Angola era muito tensa, e que se estava ali à beira de um colapso, que podia sobrevir de um dia para o outro. Perante a incredulidade do referido americano, o funcionário consular dos Estados Unidos especificou alguns dos factos que julga prováveis e que provocarão o colapso de Angola: uma iminente revolta do Exército, a inflação na Metrópole, a «repressão sangrenta» de uma próxima revolta de estudantes. Acrescentou o funcionário americano, muito naturalmente, que tem informado Washington da situação. Não desejo fazer comentários: mas ocorre-me a observação que V. Excia. fez, quando aqui esteve, de que reparara não eram fidedignos os relatos dos funcionários consulares americanos em Angola e Moçambique. Pergunto se não será perigoso os próprios Estados Unidos tomar decisões com base em situações irreais e em juízos nascidos apenas de sentimentos hostis e de ideias feitas. Na semana última passou por Lisboa um grupo de funcionários norte-americanos, que vinham de uma longa digressão por Angola e Moçambique, empreendida, segundo nos foi dito, para se informarem das realidades. Em reunião no Ministério dos Estrangeiros, com o respectivo Ministro, e perguntados acerca das suas impressões, só um desses funcionários falou para limitar-se a dizer que ficara impressionado com o muito que ainda havia a fazer em Angola e Moçambique. Sem dúvida; mas foi tudo. Aqueles funcionários nada mais viram, nada mais encontraram que fosse digno de elogio ou crítica. Na troca de impressões que se seguiu foi patente a hostilidade de muitos, e sobretudo foi visível que se deslocaram a África com ideias já assentes e inteiramente cegos para realidades que não se conformem com as suas teorias. A Portugal é dito com frequência que nem tudo o que por nossa parte dizemos ou fazemos será inteiramente exacto; mas àqueles funcionários parece não ocorrer que o mesmo se poderá e deverá dizer quanto ao que sustentam e defendem, sobretudo em face de desastres sucessivos que temos presenciado.
Quero por último sublinhar a V. Excia. as minhas preocupações com os perigos em África. Temo-nos cansado a vincar a infiltração comunista em África, e hoje parece que todos partilham do mesmo modo de ver. Mas parece que alguns se conduzem ainda como se tudo corresse em África no melhor dos mundos. Há dias, o Sr. Rusk disse que era do interesse de todo o mundo livre deter a agressão no Vietname. Não o será também em África? Ou continuará a julgar-se que destruir Portugal em África contribui para deter a agressão comunista naquele continente? Ou também que Portugal, destruído em África com o assentimento e até o apoio do Ocidente, estará disposto a continuar a cooperar na defesa do mesmo Ocidente, se verifica que no fundo esta é só a defesa de alguns? Peço-lhe que me desculpe, meu caro Senhor Gilpatric, a franqueza desta carta, mas pensei que, se não houvesse de escrever francamente, não mereceria a pena ocupar o seu tempo com uma carta tão longa. Aliás julgo que só com absoluta franqueza seria viável chegar a resultados positivos nas relações entre os nossos dois países» (ibidem, pp. 26-29).
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Carta de Oliveira Salazar para Roswell Gilpatric (i)
Escrito por Oliveira Salazar
A 20 de Dezembro de 1922, o New York Times reportava que Henry Ford, um dos mais proeminentes produtores da indústria automóvel, estava a financiar na Baviera o movimento revolucionário anti-semita de Hitler. Aliás, a composição do Mein Kampf fora igualmente baseada em diversas passagens do livro de Henry Ford, O Judeu Internacional. De resto, não fora por acaso que H. Ford chegara a ser condecorado pelos nazis com a Grã-Cruz da Águia Germânica (1938), especialmente destinada a estrangeiros ilustres.
A razão do anti-semitismo de Henry Ford parece ter estado no facto de certos círculos financeiros judaicos também puderem lucrar com a guerra. Deste modo, só os círculos industriais anti-semitas, como os Morgan e os Ford, poderiam lucrar à conta da destruição e da miséria alheia. Um tal critério fora também aplicado à União Soviética, nomeadamente quando Henry Ford construiu, no decénio de 1930, a primeira instalação moderna de construção automóvel localizada em Gorki, ou até quando produziu, nos anos 50 e 60, os camiões para os Norte-Vietnamitas transportarem armas e munições para serem usadas contra os americanos.
Na verdade, se os industriais nazis foram condenados no Tribunal de Nuremberga, mal se compreende que os seus colaboradores, como a família Ford, tenham sido efectivamente poupados, a não ser que a explicação passe por estarem directa ou indirectamente ligados à elite financeira de Wall Street . Tudo aponta, pois, para o facto dos industriais alemães que financiaram Hitler terem sido directores de cartéis com participação, associação e direito de propriedade de origem americana. Ou seja: a maior parte das multinacionais em causa não era genuinamente alemã, até porque, salvo as devidas excepções, tais multinacionais tinham sido construídas com empréstimos americanos nos anos 20.
Convém notar que o livro de Antony Sutton não é uma acusação contra toda a indústria financeira americana, mas tão-só contra firmas controladas por certas e determinadas casas financeiras, como o Sistema da Reserva Federal, o Banco de Compensações Internacionais (Bank for International Settlements) e todas as suas ramificações ou extensões financeiras. Aliás, a maior assistência americana aos nazis veio da Opel, uma subsidiária da General Motors, controlada pela firma de J. P. Morgan, assim como da Ford A. G. enquanto subsidiária da Ford Motor Company de Detroit . Mais: a I. G. Farben, que resultara da fusão das maiores companhias químicas da Alemanha – Badische Anilin, Bayer, Agfa, Hoechst, Weiler-te-Meer e Griesheim-Elektron –, conseguiu obter a maior influência no Estado hitleriano à conta do capital de Wall Street sem o qual não teria deflagrado a Segunda Guerra Mundial.
Miguel Bruno Duarte (excerto baseado no livro de Antony Sutton: «Wall Street and Rise of Hitler», Clairview, 2010).
«(...) Para o Departamento de Estado não pode ser outra a interpretação: Oliveira Salazar prepara o terreno, no plano interno, para mudar de política e aceitar o conceito de audeterminação, tal como imposto pelas Nações Unidas. Com brandura e serenidade, há que acentuar as pressões sobre Lisboa. E impõem-se também que os funcionários americanos na África continuem a agir junto dos revolucionários. Neste particular, os representantes portugueses em alguns países africanos colhem numerosos indícios sobre os contactos entre uns e outros. Está particularmente bem esclarecida neste ponto a embaixada portuguesa em Léopoldville. Através de meios congoleses, obtém numerosos documentos do mais alto interesse para o Governo português, e que envia para Lisboa. Entre todos, dois prendem a atenção de Oliveira Salazar: uma acta ou protocolo de um entendimento ou acordo político entre o encarregado de negócios americano em Léopoldville e o chefe do movimento terrorista, Holden Roberto, que ataca no Norte de Angola, discriminando subsídios financeiros e fornecimento de armas; e o original do passaporte emitido pelo ministério do Interior da Tunísia, a favor de Joe Gilmore, nome de guerra de Holden e em que estão apostos vistos de vários países, entre os quais e antes de todos o dos Estados Unidos. Oliveira Salazar considera os documentos, medita, e diz: «Guardamo-los como se de nada soubéssemos, para os usarmos na altura própria. Que bela coisa!».
Franco Nogueira (Salazar, V, A Resistência, 1958-1964).
«Desde a origem, a sua acção colonizadora [de Portugal] reveste-se de absoluta legitimidade e, o que mais vale ainda, tem sido exercida com mais tolerância racial e mais compreensão humana que a dos outros países, em especial os Estados Unidos da América do Norte, a Rússia czarista ou bolchevista e os próprios Estados africanos, agora surgidos na ribalta da vida internacional, sem se terem libertado ainda do veso das lutas tribais e de crudelíssimas práticas de colonialismo interno, fundado no esclavagismo, quando não no canibalismo. O esforço, que - repito - Portugal está desenvolvendo na actualidade para o progresso das suas províncias de além-mar, através de sucessivos Planos de Fomento, é absolutamente meritório. Está ensaiando nos vales do Limpopo e do Cunene uma colonização intensiva de trabalhadores rurais metropolitanos, que não vão arvorar-se em meros exploradores de mão-de-obra indígena, mas sim em seus iguais, igualdade revelada no exercício directo de tarefas similares e em perfeita camaradagem com os aborígenes instalados na sua vizinhança. São coisas que os homens do Kremlin, da Casa Branca e do n.º 10 da Downing Street jamais poderão conceber, mas que nós compreendemos às mil maravilhas, porquanto foi precisamente assim que conseguimos fazer o portentoso Brasil. Como já se disse anteriormente, Portugal vai abalançar-se em todos os recantos dos seus territórios ultramarinos a uma obra de instrução técnica e de educação intelectual e moral, adaptada às peculiaridades regionais, divisando-se já, em prazo não muito distante, a instalação do próprio ensino superior. Às teóricas congeminências de uma ONU displicente oporemos a fórmula portuguesa de uma trajectória talvez mais lenta, mas visceralmente mais segura. Gerámos o Brasil com suor nosso, mas sem sangue e lágrimas naturais. Eles, os da ONU (...) nada mais sabem gerar do que confusionismo, destemperos e vítimas.
Em suma, não deixaremos que nos expulsem das nossas colónias a pontapés no traseiro, como se verificou com os desnorteados belgas: preferimos - não me canso de afirmá-lo - defender-nos a tiro, deixando lá talvez o nosso sangue e as nossas almas doloridas e enraivecidas, se os grandes luminares do mundo civilizado quiserem cometer a vileza de nos trocarem à viva força por Lumumbas desconcertados e desconcertantes».
Cunha Leal («O Colonialismo dos Anticolonialistas»).
«(...) chega a Lisboa, a título particular, o príncipe de Radziwill, muito próximo da Casa Branca e da família Kennedy. Ostensivamente, vem tratar de negócios, de investimentos. Mas é outra a sua missão, e secreta: traz uma mensagem verbal de Roswell Gilpatric. Este mantém na administração Johnson os contactos e a influência de que disfrutava na administração Kennedy. Salazar, em 2 de Março de 1965, recebe longamente Radziwill: de que recado é portador? Aparecem como fundamentais estes pontos: o governo dos Estados Unidos está pronto a recomeçar o fornecimento de material de guerra a Portugal, e desde já serão enviadas as peças sobressalentes que estão encomendadas; todo o auxílio a chefes terroristas de Angola ou Moçambique, feito por instituições privadas norte-americanas, designamente a Fundação Ford, cessará imediatamente; se satisfeitos os desejos de Washington quanto à questão técnica de instalação doLoran-C [sistema de alta tecnologia que permite a localização de submarinos no alto mar], os Estados Unidos apoiariam na ONU a posição portuguesa; e o presidente Johnson ou o secretário de Estado Dean Rusk pronunciariam em pouco um discurso que inseriria um parágrafo favorável à política portuguesa e que todos interpretariam como apoio dos Estados Unidos. Esta mensagem de Gilpatric afigura-se de alto significado, e Radziwill aconselha Salazar a escrever àquele uma longa carta sobre os pontos suscitados, e outros que o chefe do governo queira sublinhar. Oliveira Salazar sente neste particular algumas hesitações: o embaixador dos Estados Unidos no Congo, Godley, dissera há dias ao Arquiduque Otão de Habsburgo, de passagem por Léopoldville, que insistira com o Departamento de Estado para que fosse recomeçado o auxílio americano a Holden Roberto; o Arquiduque, que acaba de proferir uma conferência na Sociedade de Geografia em Lisboa, repete-o ao chefe do governo português; e alguns funcionários do Departamento de Estado não escondem a sua hostilidade a Portugal, e procuram contrariar na imprensa americana os artigos favoráveis à política portuguesa que aquela publica. Neste quadro de incerteza e de atitudes contraditórias, valerá a pena escrever a Gilpatric?
(...) Na segunda quinzena de Março de 1965, Salazar sente-se por momentos "liberto" da política interna, e é com alívio que volta aos problemas da Defesa do ultramar, da política externa. No domingo, dia 28, recebe longamente o jornalista e escritor francês Saint-Paulien, que ficou de preparar um texto para a Revue des Deux Mondes. Depois, na semana que entra, surge um incidente inusitado: o governo alemão comprometera-se, em contrato escrito, a vender a Portugal uma partida de aviões de combate F-86: de súbito, declara não puder cumprir a obrigação porque, havendo sido adquiridos pela Alemanha ao Canadá, este os vendera sob condição de que o governo de Bona não disporia dos aparelhos a favor de terceiros sem aprovação prévia do governo de Otava: e este acaba de informar de que não a dá em favor de Portugal. Lisboa apura desde logo que a atitude canadiana é assumida por pressão de Washington, e tira daí as suas conclusões políticas. Mas não importa: há uma responsabilidade contratual que vincula o governo de Bona: como vai este desonerar-se? Sentem grande embaraço os alemães, que estavam obviamente de boa-fé e querem honrar a sua assinatura; enviam a Lisboa, de propósito, o secretário de Estado Lahr, que dá todas as explicações e promete encontrar uma solução; e Oliveira Salazar escreve ao chanceler Ehrard uma carta pessoal, em tom cordato, para reclamar a execução de acordo firmado. Desobriga-se a República Federal da forma mais fidalga, e benéfica para Portugal: em troca dos aviões F-86, de segunda mão e muito usados, adquire em Itália uma partida de aviões de combate equivalentes, inteiramente novos, e cede-os a Portugal por preço inferior ao ajustado para os primeiros. Este caso resolve-se a contento, mas leva Oliveira Salazar a escrever a Gilpatric, como sugerido por Radziwill. É extensa a carta, e rude, e trata com franqueza brutal os pontos que são objecto da mensagem de Gilpatric: traça um quadro que é um vasto fresco das relações luso-americanas na altura, e das queixas portuguesas: e admite a hipótese de compensações materiais, financeiras ou outras, pela base que nos Açores utilizam os americanos».
Franco Nogueira (Salazar, VI, O Último Combate, 1964-1970).
Carta de Oliveira Salazar a Roswell Gipatric (i)
«Em princípios do corrente mês, precisamente a 2 de Março (de 1965), tive o prazer da visita do Príncipe Radziwill que me deu notícias de V. Excia. e se ocupou de certo número de problemas, também objecto de longa conversa com V. Excia. antes de partir de Nova Iorque. Lembrou-me o Príncipe que escrevesse a V. Excia. tanto sobre aqueles problemas como sobre quaisquer outros de interesse para as relações entre os nossos dois países, e recomendou-me vivamente o fizesse dentro da mais aberta franqueza. É por este motivo que tomo a liberdade de incomodar V. Excia. com esta carta. Abordarei os pontos suscitados pelo Príncipe Radziwill pela ordem por que este os apresentou.
a) Segundo depreendi, a Fundação Ford não só estaria disposta a cessar o seu auxílio aos terroristas baseados no Tanganica (Tanzânia) como estaria pronta a entregar ao Governo Português, naturalmente para os fins da Instituição, as somas com que tem contribuído para auxiliar aqueles. Congratula-se o Governo Português com essa decisão e, dados os fins educativos e humanitários da instituição, não tem a menor dúvida em aceitar a oferta da Fundação Ford. Estamos preparados, por isso, a apresentar àquela um plano pormenorizado e concreto de realizações que a mesma ou o Governo Português em seu nome possa subsidiar. Para que o possamos fazer com a maior eficiência, desejaríamos saber previamente o total de que a Fundação quer dispor e durante quanto tempo para aquele efeito. Ficaremos aguardando indicações nesse particular.
Oliveira Salazar |
b) Transmitiu depois o Príncipe Radziwill a informação de que o Governo Americano cessará todo o apoio financeiro aos terroristasque do Congo se infiltram e atacam Angola. Entendi que se referia aos terroristas de Holden Roberto mas que igual atitude tomaria em relação a quaisquer outros. Pergunto-me apenas se uma tal decisão não poderia ser levada pelo Governo Americano ao conhecimento das organizações privadas americanas apropriadas para fins idênticos. Em qualquer caso tomo naturalmente nota da informação com apreço, mas a mesma e alguns factos posteriores impõem algumas observações. Independemente do que a cessação de tal auxílio significará como evolução das posições americanas nesta matéria, e dos benefícios gerais e particulares que daí poderão advir, não posso eximir-me a notar que se trata de um gesto que não vai além de corrigir um estado de coisas que nunca deveria ter-se produzido, nem dentro da razão nem dentro da legalidade internacional. Mas já depois da minha conversa com o Príncipe Radziwill, e em que este me transmitiu aquela grata notícia, chegou ao meu conhecimento uma informação grave. O Arquiduque Otão de Habsburgo, numa recente estadia em Léopoldville, teve oportunidade de falar com o embaixador dos Estados Unidos no Congo, Sr. Godley. O embaixador Godley confiou ao Arquiduque que acabava de recomendar ao Departamento de Estado «o recomeço do auxílio a Holden Roberto», por ser esse «o único meio de evitar que o movimento nacionalista de Angola caísse em mãos comunistas». Isto foi-me repetido a mim próprio pelo Arquiduque, e a integridade pessoal deste e os seus conhecimentos de língua inglesa não me permitiam dúvidas quanto à conversa nem quanto à fidelidade da sua transmissão. Devo dizer que o ministro portguês dos Negócios Estrangeiros mencionou o facto ao embaixador Anderson; e este, alguns dias depois, comunicou que o embaixador Godley desmentia inequivocamente a sua conversa com Habsburgo. Tenho de concluir que o Arquiduque Otão terá sido pouco feliz no seu relato e que não entendeu bem o que ouviu em matéria de tanto melindre. Não posso esquecer, todavia, que o embaixador Godley, quando trabalhava no Departamento de Estado, na Divisão de África, sempre manteve uma posição de grande hostilidade a Portugal, e que de igual forma procedeu quando exercia as funções de Conselheiro em Léopoldville. Recordo-me até de que, nessa altura, negou perante um jornalista inglês, de regresso de uma visita a Angola, que nesta houvesse qualquer escola frequentada por crianças ou jovens negros. Nós já convidámos o embaixador Godley, repetidas vezes, a visitar Angola; mas sempre recusou, ou não foi autorizado a fazê-lo. Não tenho evidentemente o direito de pronunciar-me sobre altos funcionários dos Estados Unidos; mas direi que a animadversão que aquele sente contra Portugal e sua política ultramarina lhe obscurece a lucidez de espírito e creio ser muito grave que os Estados Unidos possam ser levados a tomar posições numa área vital de África sobre a base de informações que não traduzem a realidade. Mas este problema ainda comporta outros aspectos. Perdoar-se-me-á se eu recordar que os Estados Unidos foram o primeiro país ocidental a dar visto diplomático (válido por quatro anos) no falso passaporte tunisino do Sr. Holden Roberto sob o nome de José Gilmore, e que lhe permitiram a entrada nos Estados Unidos, com aquele documento, durante anos, mesmo muito depois de ser público que Gilmore não existia e fora simples nome de guerra. Perdoar-se-me-á se eu recordar que o sr. William Tyler, do Departamento de Estado, admitiu oficialmente em Washington, em conversa com o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, que Holden Roberto era efectivamente recebido no Departamento de Estado. Devo dizer que nessa altura foi também assegurado que Holden Roberto não voltaria a ser ali recebido sem aviso prévio ao Governo português, aviso que até agora não foi feito. Recordarei ainda que o Sr. Blake, do Departamento de Estado, é pelos jornais africanos considerado um amigo de Holden Roberto, e que foi há tempos transferido para Léopoldville. São numerosos os jornalistas americanos, franceses, ingleses e outros que, nas suas crónicas sobre política africana, aludem a Holden Roberto como protegido dos Estados Unidos, e por estes subsidiado e auxiliado. Não julgo que se possa dizer que todas essas dezenas de jornalistas estão ao serviço de Portugal, e alguma razão devem ter tido para chegar àquela conclusão, mesmo que não fossem além das alusões do próprio Holden. Mas a conclusão a que todos os observadores e jornalistas internacionais têm chegado não tem sido admitida a Portugal porque, no passado, sempre as instâncias americanas competentes opuseram a sua mais categórica negativa. Que tais factos terminem de vez é o que pode desejar-se para esclarecimento desta situação.
c) Relativamente à alusão que o Príncipe Radziwill fez à autorização concedida para a cedência de alguns sobressalentes de natureza militar, na realidade algum material foi contratado ou fornecido a Portugal recentemente. Trata-se de artilharia para pequenos navios que não estarão prontos antes de 4 a 5 anos; de algum material para rocelagem de minas; de material para oficinas e electrónico. Mas este material pela sua
natureza destina-se só a operações da NATO e não a ajudar o nosso esforço militar em África. Esperemos que, com a nova decisão, algum material nos possa ser fornecido que não tenha por único fim permitir a Portugal dar o seu esforço para a defesa do Atlântico Norte, nos limites geográficos do Tratado. Ainda em meados de Fevereiro foi indicado à empresa americana Thiokol Chemical Corporation que só poderia negociar um acordo de produção com Portugal de mísseis ar-terra com a empresa portuguesa SPEL, desde que tal produção se destinasse a países da NATO e sob prévia autorização dos Estados Unidos para cada caso, e ainda desde que o Governo Português se comprometesse a usar tais mísseis apenas na área definida pelo artigo VI do Tratado do Atlântico Norte. O acordo seria estabelecido entre empresas particulares, mas o Governo Português tem sérias dúvidas sobre se poderá aceitar que o uso de material produzido por empresa portuguesa em território português fique dependente de autorização de governo estrangeiro. Seria conveniente esclarecer-se se a nova decisão americana abrangerá também este caso e se pode ou não ser alargado o âmbito das nossas aquisições nos Estados Unidos (in Franco Nogueira, Salazar, VI, O Último Combate, 1964-1970, pp. 23-26).
Continua
quarta-feira, 10 de abril de 2013
Invasão e ocupação de Goa pela União Indiana (iii)
Escrito por Oliveira Salazar
O fabiano Jawaharlal Nehru num selo comemorativo da União Soviética |
«...em Nova Deli, Galbraith observou a preparação psicológica da opinião pública para a invasão militar:"Os indianos estão a fabricar uma grande excitação em volta de Goa... O leitor ocasional dos jornais é levado a concluir que Portugal se prepara para ocupar toda a União Indiana". (...) Elbrick fazia suas, por outro lado, as teses salazaristas da maquinação internacional contra Portugal. Segundo o embaixador americano, Nehru tinha-se comprometido na Conferência dos Não-Alinhados, em Belgrado, "a 'libertar Goa', como um primeiro passo para a dissolução do império português em África". O que podia ser lógico mas ficava por substanciar.
(...) Uma coincidência importante foi a presença na União Indiana, em 17 e 18 de Dezembro [de 1961], de Leonid Brezhnev, Presidente da União Soviética. Brezhnev declarou em Bombaim o apoio do Kremlin aos movimentos anticolonialistas e mencionou especificamente o caso de Goa».
José Freire Antunes («Kennedy e Salazar: o leão e a raposa»).
«Lisboa, 10 de Março [de 1962] - Notícia de algumas manifestações no Porto por causa do que se supõe ser um atraso propositado no repatriamento dos nossos militares de Goa. Eu compreendo a impaciência das famílias. Mas o curioso - e significativo - é que os manifestantes não são recrutados entre os que têm parentes em Goa.
(...) Lisboa, 9 de Março [de 1963] - Visita-me no Ministério Sir Zaffrulla Khan, político paquistanês, e actualmente presidente da Assembleia Geral da ONU. Síntese do que me disse: as Nações Unidas geram uma emoção que obscurece os problemas e é perigosa: é incompreensível a política americana, que varia de seis em seis meses; Nehru demonstrou em Goa e demonstra em Caxemira que tem o génio da hipocrisia; o discurso de Salazar sobre a agressão a Goa é o de um "formidable man". Tudo isto quadra com quanto Portugal tem expresso ultimamente. Mas o que se passa é o seguinte: Sir Zaffrulla quer o voto português como candidato que é ao Tribunal Internacional da Haia: é só eleiçoeira a sua visita.
(...) Lisboa, 15 de Julho [de 1963] - Uma frase de Salazar: "Nunca se deve ser ministro durante trinta anos. Aprende-se muito, assiste-se a muita intriga, a muita reviravolta, a muita desonestidade. Fica-se com uma ideia horrorosa da humanidade. Horrorosa!".
(...) Lisboa, 27 de Maio [de 1964] - Morre Nehru. Quando telefono a notícia ao Presidente do Conselho, este, com voz muito serena, gelada, vinda da profundidade dos tempos, limita-se a dizer: "Bem, politicamente estava morto há muito tempo. Muito obrigado por me ter informado". E desligou».
Franco Nogueira («Um Político Confessa-se»).
S. Francisco de Xavier |
Além dos três países referidos cuja actuação política era particularmente fundamentada, a Chancelaria portuguesa procurou alertar as Nações amigas em todos os Continentes, mais como mobilização moral em defesa do Direito do que acção de que se esperassem efeitos decisivos. A algumas portas não foi mesmo necessário bater, porque a comunhão de princípios e a identidade de interesses apontaram sem hesitação o caminho. É de justiça pôr a Espanha em primeiro lugar, muito em primeiro lugar, por si e junto dos países sul-americanos seus amigos, como merecedora da nossa gratidão. Ela tem vivido como nós o drama de Goa, e com razão, porque se há território português que se haja estruturado sob a influência conjunta dos dois Estados da Península, esse é o de Goa, que deve tanto ao génio de Afonso de Albuquerque como à doutrinação de S. Francisco de Xavier. Além disso numa Europa que ameaça desmoronar-se por ter perdido a confiança em si própria, a Espanha pôde revigorar ao fogo de uma experiência dolorosa a sua fé nos princípios da civilização que difundiu pelo mundo e é um povo onde o grande e heróico têm ainda lugar na vida e um sentido moral. A Espanha compreende bem e em toda a sua extensão o estado de alma português.
E estavam esgotados os recursos das nações individualmente consideradas para deter a agressão indiana. Apenas a actuação da organização mundial, chamada Nações Unidas, podia tentar-se, através do pedido de reunião urgente do Conselho de Segurança. O estudo do problema e a experiência que vamos tendo do funcionamento do sistema não deixavam no nosso espírito dúvidas acerca da inutilidade do apelo. Mas, por um lado, a nossa presença na organização mal se compreenderia se a ela não estivéssemos dispostos a recorrer; por outro lado, a maneira como havia de comportar-se seria mais uma prova gritante de que, nos termos em que funciona, já está a ser mais do que inútil, porque está a ser prejudicial.
O caso foi levado ao Conselho no primeiro dia da invasão de Goa e pouco depois de esta começada; tratava-se de agressão não provocada e de território ainda não ocupado pelo inimigo - caso extraordinariamente simples para aplicação dos princípios da Carta. A moção aprovada pela maioria de sete votos que mandava suspender as hostilidades, recuar as forças invasoras para os pontos de partida e fazer negociações para a solução do conflito foi, porém, vetada pela Rússia e ficou por isso sem efeito. As atitudes naturalmente convergentes do Presidente da República Soviética que em Nova Delhi incitara à invasão de Goa e do representante russo no Conselho de Segurança que vetava a moção aprovada, se mais uma vez lançavam a União Indiana nos braços dos sovietes, punham a claro a paralisia da chamada defesa colectiva contra a Rússia ou contra uma potência que a Rússia proteja.
O caso, embora previsto, produziu alarme no mundo. A declaração do delegado da União Indiana de que com Carta ou sem Carta, com Conselho ou sem Conselho de Segurança, com direito e sem ele, o seu país prosseguiria o seu caminho, representou tal desafio aos fins e à estrutura jurídica da instituição que melhor seria dá-la logo ali por morta. Os Estados Unidos acharam que de facto o que se passava prenunciava o fim próximo da organização, mas, numa tentativa de consolidá-la, ainda se uniram no dia seguinte com todos os mais numa votação contra Portugal e dois dias depois apressavam-se a confirmar à União Indiana o seu apoio financeiro. Isto deve estar certo mas é muito difícil para nós compreendermos, e sobretudo não quadra à nossa sensibilidade moral.
É lícito perguntar o que estamos nós ali a fazer ou o que estão ali a fazer os que, não sendo grandes potências, não dispõem do favor russo ou, por causa da sua solidariedade com o Ocidente, atraem a aberta hostilidade do bloco antiocidental. Também se perguntará como fomos ali parar.
A política do Governo foi, na peugada da sensatíssima Suíça, não requerer a sua admissão nas Nações Unidas. Fizemo-lo mais tarde a pedido da Inglaterra e dos Estados Unidos com o argumento da necessidade de reforçar a posição ocidental em qualquer emergência. Fomos durante anos vetados pela Rússia e entrámos depois «em trocos miúdos» na organização. Verificando-se uma transferência de poderes do Conselho para a Assembleia Geral, dominado o primeiro pela Rússia e a segunda pelo bloco comunista e afro-asiático, as potências ocidentais, em que incluo a América do Sul, perderam toda a possibilidade de conduzir com a sua mais larga experiência os negócios da comunidade internacional, de moderar certos ímpetos irreflectidos, de evitar que o Governo do mundo caia sob uma ditadura intolerável de paixões racistas e de irresponsabilidade.
Assim, pensamos ter direito a uma palavra sobre ser já inútil a nossa presença e a nossa colaboração. Mesmo que essa palavra não venha, não sei ainda se seremos o primeiro país a abandonar as Nações Unidas, mas estaremos certamente entre os primeiros. E entretanto recusar-lhes-emos a colaboração no que não seja do nosso interesse directo.
III. A política militar do Governo no respeitante ao problema de Goa foi sempre encarada à luz dos seguintes elementos: dadas a distância e a superioridade esmagadora da União Indiana, nenhuma esperança de salvar Goa de eventual invasão inimiga, sem apoio aliado; necessidade de manter forças suficientes para evitar a acção dita policial e dissuadir, se possível, a União do ataque; defender, em última instância, aquele torrão sagrado com sacrifício das vidas e haveres, como o reclamava a tradição portuguesa da Índia.
Mantivemos este esforço, ora com maiores ora com menores efectivos, conforme os tempos e a gravidade das ameaças, mas sempre em nível suficiente para atingir o objectivo de levar a União Indiana ou a desistir da absorção de Goa ou a fazer uma operação espectacular de guerra que causaria grande dano ao seu crédito moral e não daria nem honra nem glória ao seu exército. Os nossos efectivos deviam ainda ganhar o tempo necessário para que Portugal pudesse apresentar queixa às Nações Unidas contra a agressão indiana.
Um punhado de homens - 3 500 oficiais, sargentos e praças da Metrópole e 900 indo-portugueses - forçou a União Indiana a mobilizar um exército de 30 a 40 mil homens, apoiado por numerosas formações de artilharia pesada e de carros de combate, e com a cooperação, no ataque, duma esquadra naval e de várias esquadrilhas de aviões de bombardeamento e de caça.
Com uma superioridade em homens de pelos menos de 1 para 10 e - em material muito mais - mesmo assim a ocupação de cerca de 3 500 quilómetros quadrados, dispersos por quatro territórios e com uma profundidade de apenas 20 a 50 quilómetros no distrito de Goa, levou vários dias. Só por si este facto dá a nota de firme resistência que os Portugueses devem ter oferecido. Para mim a maior preocupação era que a desproporção das forças e a violência e plano do ataque fossem tais que a nossa gente, dada a estreiteza do terreno, não pudesse mesmo bater-se bem e defender aquela portuguesa terra, à altura do seu valor e espírito de sacrifício.
Na última mensagem enviada ao Governador-Geral e escrita sabe Deus com que amargura na alma, eu dizia termos plena consciência da modéstia das nossas forças, mas desde que a União Indiana podia multiplicar por um factor arbitrário as forças de ataque, havia de revelar-se sempre no final grande desproporção. A política do Governo fora sempre, na impossibilidade de assegurar por si só uma defesa plenamente eficaz, manter em Goa forças que obrigassem a União Indiana a montar em grande, como se via naquele momento, uma operação militar que escandalizaria o mundo, e a não fiar o êxito das suas pretensões de simples operação de polícia. Os factos mostraram que a primeira missão estava cumprida. A segunda missão consistia em não se dispersar contra agentes terroristas a fingir de libertadores, mas em organizar a defesa pela forma que melhor pudesse fazer realçar o valor dos nossos homens, segundo a velha tradição da Índia. Era para mim horrível pensar que isso podia significar o sacrifício total mas eu recomendava e esperava esse sacrifício como o maior serviço que podia ser prestado ao futuro da Nação.
Tribunal Internacional de Haia |
O Governador ainda pôde responder a agradecer em nome das forças sob o seu comando a confiança que nelas depositávamos e desejariam honrar através de todos os sacrifícios.
Não temos elementos suficientes para fazer ideia de como decorreram as operações terrestres e navais, como se operou a resistência, como se fez a defesa. Oportunamente se apresentará ao País o relato destas operações e se fará a justiça devida a quantos tiveram a honra de ser chamados a bater-se ou a morrer por Goa.
IV. Em face dos preparativos bélicos da União Indiana e, a seguir, da sua agressão ao Estado Português da Índia notou-se uma reacção violenta da opinião pública mundial. Temos de exceptuar os informadores oficiais e a imprensa de alguns países comunistas e afro-asiáticos que manifestaram o seu aplauso e solidariedade com o invasor; nos países da Europa Ocidental, e das duas Américas e mesmo nalguns de África e do Oriente exteriorizou-se uma repulsa viva e sentiu-se grande inquietação. Os orgãos de informação de todos os matizes ideológicos, com representação ou sem representação nos governos dos respectivos países, têm tratado o assunto à margem destes, por vezes em oposição a estes, como livres expoentes de uma opinião sobressaltada. Por quê? Pela razão de ser Goa um caso típico que se apresentava sem complicações ou dificuldades de interpretação. Tratava-se na verdade de um pequeno território incorporado politicamente durante quatro séculos e meio de soberania portuguesa, soberania reconhecida pela comunidade internacional e até pelo agressor. Esse território todos o consideravam ao abrigo de uma decisão, favorável a Portugal, do Tribunal de Haia, cuja competência fora aceite pelos dois Estados interessados; possuía a garantia de alianças e de compromissos bem estabelecidos; devia julgar-se protegido pelas engrenagens da segurança colectiva através das Nações Unidas. E neste caso, política e juridicamente cristalino, que nunca foi nem seria um problema, o mundo verificou que, tendo-se recorrido a tudo, tudo falhara para impedir a agressão e evitar a conquista. Ou esta situação é sanada ou Goa faz voltar uma página na vida das sociedades do nosso tempo.
E assim se pôs um problema de ordem geral.
Há no mundo três ou quatro nações - meia dúzia o máximo - que não receiam ou não têm de recear ser agredidas por outras; mas todas as mais ou vivem do consenso unânime de que a sua independência e integridade são respeitadas ou estão à mercê dos mais ambiciosos e fortes. Não se foge à dificuldade e ao perigo senão pela forma clássica de alianças que constroem sistemas de forças equilibradas, ou por organização tendente a abranger a universalidade das nações pacíficas. Simplesmente no primeiro caso é essencial o cumprimento dos Tratados e no segundo a fidelidade dos Pactos, e a crise moral em que nos debatemos não assegura nem uma coisa nem outra.
Como as Nações Unidas na melhor hipótese se encontram antecipadas de séculos em relação ao espírito dos homens e das sociedades, e além disso se deixaram invadir por multidão tumultuária de Estados que não têm o espírito de paz, não só não tem sido fácil defender ali os direitos das Nações, como dentro da organização se constituíram partidos e solidariedades que, em substituição das antigas alianças, fazem vingar interesses de grupo sem se importar da justiça devida a todos. Quando se perde a ideia que para conservar a paz é necessário estar disposto a bater-se por ela; quando se confiam os destinos da comunidade internacional a maiorias que definem a política que os outros têm de pagar e de sofrer; quando por sistema se transige e se recua diante dos que, não tendo experiência nem responsabilidades, temos de interrogar-nos a sério sobre se vamos pelo bom caminho. O que se viu connosco agora legitima de facto a ansiedade das consciências e a inquietação das sociedades mais sãs. O homem da rua que não pode elevar-se às altas congeminações dos filósofos e dos políticos, mas tem a ambição de ganhar a sua vida e conservar o seu lar, vê o problema com a simplicidade do bom senso e esse bom senso indica-lhe que as coisas não estão certas quando os criminosos são erigidos em juízes e ousam ainda condenar as pessoas de bem.
É nesse vivo despertar da consciência do mundo ante os conluiados nos atropelos à paz e à soberania alheia que pode entrever-se uma réstea de esperança no sentido de serem revistos a tempo os métodos de conduzir a humanidade internacional. A tempo, digo, porque está já a ver-se que de uma violência não reparada surgem outras violências maiores. E daqui parto para breves reflexões finais.
V. Pois que não aceitamos a validade do facto consumado, a questão de Goa não terminou; pode dizer-se com verdade que é mesmo agora que começa. As razões que nos impediram de negociar a cedência dos territórios do Estado Português da Índia são as mesmas que em absoluto nos vedam de reconhecer a conquista. A União Indiana pôde fazer a guerra contra nós, mas não pode sem nós estabelecer a paz. Da mesma forma que não houve rendição de forças nem entrega de barcos, também não pode haver tratado que reconheça a soberania da União sobre aqueles territórios. Terá de aguardar-se que a comunidade internacional repare o agravo à soberania portuguesa e a reintegre nos seus legítimos direitos, para ser restabelecida uma situação normal. Por este motivo vai ser submetida à Assembleia Nacional proposta de lei com o fim de se assegurar o funcionamento dos orgãos do governo daquela Província nas presentes circunstâncias.
A primeira consequência que daqui resulta é que a representação parlamentar do Estado da Índia continuará confiada aos eleitos pelos povos de Goa, Damão e Diu. A Câmara não terá objecção quanto à presente legislatura e de futuro há-de encontrar-se meio de conferir e tornar praticável o direito de escolha aos goeses que, vivendo fora dos territórios ocupados pela União Indiana, mantenham a sua dedicação à Pátria Portuguesa. Tendo-se manifestado por toda a parte tão portugueses como os melhores e tendo arrostado com dificuldades enormes para se manterem fiéis, é apenas obrigação da nossa parte reconhecer-lhes um direito que os honra e os faz continuar presentes entre nós.
A segunda consequência é que a cidadania portuguesa deverá continuar a ser reconhecida de direito e de facto aos goeses, independentemente de lhes vir a caber dupla nacionalidade por imposição unilateral da União Indiana. Não podemos prever o procedimento da União quanto a esta e a numerosas outras questões que vão emergir da ocupação de facto dos territórios portugueses. É bem possível que nestes primeiros tempos uma política de aliciamento e captação seja prosseguida pelas autoridades ocupantes. As dificuldades surgirão para uns e para outros quando o programa de indianização de Goa se chocar com a cultura dos goeses e o Primeiro-Ministro verificar que uma individualidade própria foi ali criada através dos séculos pela interpenetração de culturas e pelo cruzamento de raças. Penso que as violências vão ser em proporção das dificuldades e que, a demorar muito a reintegração de Goa, se siga à espoliação e à forçada igualdade na pobreza, a perda da liberdade que quanto à língua, à religião, à cultura diminuirá os goeses. É de esperar por isso que muitos desejem subtrair-se às inevitáveis consequências da invasão, e todos hão-de ser bem recebidos em qualquer parte do território nacional.
Não devemos ter ilusões sobre os obstáculos e dificuldades de toda a ordem que se levantarão à execução do nosso programa quanto aos goeses que se encontrem fora dos territórios portugueses. A pertinácia, a raiva com que a União Indiana prossegue desde a independência à captação dos filhos de Goa no seu território, vão redobrar em relação aos que levam a sua vida em territórios estrangeiros nos quais a nossa própria acção pode vir a ser entravada por influência sua. Mas o nosso dever é lutar pelos goeses e por Goa, sem olhar a sacrifícios, como fizemos até aqui.
Afonso de Albuquerque |
Uma pergunta desejava ainda fazer: em face dos factos não será lícito duvidar da justeza dos caminhos por onde foi conduzida a nossa política com a União Indiana, no respeitante a Goa? Respondo com outra pergunta: as outras soluções que se nos deparavam que resultado trariam? A negociação, a entrega; a independência, e perda do pequeno Estado com a integração subsequente; a constituição de uma federação com o Estado independente de Goa faria regressar a questão ao princípio, por ser considerada esta fórmula como a continuação do nosso colonialismo na Índia. Em qualquer destes casos perda irreparável e sem esperança. E nós devemos continuar a esperar.
Pelas reacções verificadas em todo o mundo português e em todos os países onde existem núcleos de portugueses podemos concluir que o sentimento exigia não mentirosas negociações para encobrir o esbulho mas a afirmação do nosso direito, a denúncia da agressão e a luta em todos os campos para o fazer reconhecer. O sentir nacional foi tão vibrantemente afirmado por todos os nossos meios de informação que não seria lícito desconhecê-lo e seria imperdoável duvidar da sua autenticidade. Toda a Nação sente na sua carne e no seu espírito a tragédia que se tem vivido, e vivê-la no seu seio é ainda uma consolação, embora, pequena, para quem desejaria morrer com ela.
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