Texto de Carol Banze
Marromeu, província de Sofala, viu nascer uma mulher, que anos depois abraçaria uma profissão crucial para a saúde do ser humano. Nutricionismo. Foi há precisamente cinquenta e seis anos que Avone Pedro viu a luz.
Por inerência de funções, seu pai, um funcionário público, mudava periodicamente de local de trabalho, o que fez com que o ensino primário de Avone Pedro tenha sido iniciado em Zavala e concluído na Escola Primária de Infulene, na então Lourenço Marques, actual Maputo.
O ensino secundário foi feito na Escola Preparatória da Matola, Escola Secundária da Matola, nos dias de hoje. “Aqui fiz o primeiro ciclo, depois fui à Manhanga para seguir o segundo, o 7º, 8º e 9º ano”. Entretanto, a sua vida seguiu um compasso surpreendente. É o que domingo conta nesta entrevista com uma das primeiras nutricionista do nosso país.
A sua infância teve diferente experiências… Passou-a em vários lugares.
Sim. O meu pai era funcionário público na era da administração colonial. Nessa altura, os funcionários andavam de província em província. Tive a possibilidade de conhecer vários lugares e diferentes pessoas, bem como os seus hábitos culturais. A minha infância foi uma fase agregadora. Foi uma experiência rica. Fiz grande parte do ensino primário em Zavala, depois passamos a morar em Maputo, onde terminei este grau, portanto a 4ª classe. O ensino secundário foi feito na actual Escola Secundária da Matola e, posteriormente, passei para outra instituição de ensino que me possibilitava concluir o 2º ciclo. Falo da actual Escola Secundária Francisco Manhanga. Aqui fiz a 7ª e frequentei a 8ª classe.
E…
E nesta fase ocorreu algo que viraria o rumo da minha vida: Engravidei, interrompi os estudos e casei-me.
Casamento?!
Sim. Casei-me. Lembro-me que foi necessário que os nossos pais emitissem uma autorização para a oficialização dessa união. Ele (o marido) tinha vinte anos, e eu 16.
E como foi a sua vida a partir de então?
Tive que enfrentar momentos difíceis, pois era meu desejo prosseguir com os meus estudos. E veja que o meu marido não queria que eu estudasse. Contudo, passado algum tempo, em 1977, eis que me surge uma possibilidade de me formar como técnica de Avicultura em Cuba. Seria através da Avícola, E.E. (Empresa Estatal), que pertencia ao Ministério da Agricultura. Agarrei-me a essa chance, até porque gostava da área. Fui me inscrever e em Cuba formei-me como técnica média em avicultura, um curso com a duração de três anos. Aqui torna-se importante realçar que em 1975 já se tinha denotado um grande deficit de veterinários, pois os que labutavam por cá eram portugueses. Assim sendo, no contexto da independência urgia formar pessoas para a área.
Uma vez formada, que rumo deu a sua vida profissional?
Regressada da formação trabalhei durante dezasseis anos nessa área, até que a Avícola, E.E. foi extinta.
REALIZAÇÃO DE UM SONHO
Afirma ter abraçado uma área que gostava. Uma vez encerrada a instituição que a empregava, o que foi feito de si?
Trabalhei durante três anos na Sunrich, uma empresa vocacionada a insumos agrícolas, até que me surge uma bolsa que contemplava a família do meu novo companheiro. Fomos ao Brasil. Lá fiz a 11ª e a 12ª classes. Depois ingressei na Universidade de São Paulo (USP), onde me inscrevi para fazer Zootecnia (área ligada à veterinária e administração de animais). Contudo, não avancei neste curso, por razões de força maior. A faculdade estava a 200 quilómetros do local onde eu residia.
E então…
Então pedi transferência para fazer Nutrição, na Faculdade de Saúde Pública da USP. Terminei o meu curso e voltei a Moçambique. Era sonho realizado. Sempre quis fazer algo ligado ao tratamento de pessoas e/ou animais. Em 2005, aceitei o desafio de trabalhar, numa primeira fase, como voluntária no Ministério da Saúde (MISAU). Paralelamente a isso, desempenhava a função de assessora na área da nutrição no UNICEF. Desenhávamos pacotes para o combate à nutrição. Eu estava entre o MISAU e o UNICEF, até que, em 2006, a convite da direcção máxima do MISAU, passo a fazer parte do quadro deste sector. Nessa altura, havia uma repartição de nutrição. Eu era a única nutricionista. Os outros eram biólogos com mestrado em nutrição. Havia, também, alguns técnicos médios.
Foi nesta fase que de repartição se passou para departamento…
Sim. Aliás, um processo que já havia sido iniciado antes da minha colocação. Ora, houve a minha indicação para chefe em 2009, um ano antes da realização da primeira reunião nacional de nutrição.
Este evento foi extremamente importante. Maioritariamente, contou com a participação de técnicos médios de nutrição; praticamente, eles compuseram a história da actividade da Nutrição em Moçambique.
GRAU NUTRICIONAL DO PAÍS
Qual é a situação nutricional do nosso país?
Repare, entre 2006 e 2007, estudos feitos indicavam que a maior parte das crianças do Norte e Centro sofriam de desnutrição. Nessa altura, foi feito o primeiro inquérito nutricional. Fizemos pesagem das crianças para ver o grau nutricional delas. Foi com base nisso que determinamos o grau nutricional do país.
De que se alimentavam essas pessoas?
Comiam talos da bananeira. Tiravam-nos, descascavam e pilam para fazer papa. Chegavam a comer certos tubérculos nocivos à saúde e a disputar água com animais. Paradoxalmente, existiam locais com muita comida, faltando, portanto, a acção de canalizar esses alimentos para quem precisava.
E hoje em dia?
Persiste o problema. Destaco também a falta de água potável, pois sem ela não há como conseguir uma alimentação segura. Ajunto a isto o desconhecimento dos valores nutricionais dos alimentos no que se refere aos micro nutrientes, que são nutrientes fornecidos ao nosso organismo em pequenas quantidades, mas importantes para a vida do ser humano, e dos macro-nutrientes que reparam as células e dão estrutura ao corpo.
ACÇÕES INTEGRADAS
Entende-se, em algum momento, a necessidade de haver um trabalho conjunto de forma a fazer chegar o alimento a quem precisa…
Sem dúvida! A experiência de 2006/7 fez com que se pensasse em formas de trabalhar de maneira sectorial: o MISAU (em especial os nutricionistas), com a agricultura (extensionistas), o sector de comércio, das águas e o sector da educação. Fizemos um trabalho integrado, desenvolvendo estudos para identificação de zonas onde havia comida; ensinando a população a prepará-la de forma saudável, bem como a fazer a canalização para os locais onde haja falta. Trabalhamos, inclusive, no sentido de desmistificar algumas ideias segundo as quais certos alguns alimentos não devem ser consumidos por certas pessoas, sendo que elementos como faixa etária e sexo muitas vezes são usados para dar corpo a esses mitos. Por exemplos, nalgumas comunidades interioriza-se que se a mulher consome ovo a criança sai sem cabelo, se for lula o bebé sai enrolado.
LUZ VERDE NO FUNDO DO TÚNEL
Será que os moçambicanos comem bem?
Ainda não! (risos). Nem todos…, mas há uma luzinha verde no fundo do túnel: vários nutricionistas estão já formados na área de saúde pública e trabalham nas comunidades para a prevenção. Outros trabalham na parte curativa, dentro do Ministério e nos hospitais onde cuidam da alimentação dos pacientes de acordo com as patologias.
De que forma fazem ressoar as formas de nutrição?
O MISAU já faz demonstrações culinárias que consistem em ensinar a população a preparar os alimentos de forma correcta, tendo em conta o que as pessoas têm. Isso é feito em palestras, contando com o apoio dos líderes comunitários, entre outros elementos. Agimos dessa e de outras formas procurando travar a existência de muitas doenças crónicas não transmissíveis. São problemas evitáveis, quando as pessoas seguem um processo correcto no tratamento dos elementos, como comprar em boas condições, higienizar, preparar e por fim consumir.
… e assim a saúde fica em boas mãos…
Atenção! Há também que processar, se for o caso, os alimentos sem pôr em risco a manutenção de nutrientes. Por exemplo, quando se retira o farelo, tornando a farinha fina, fica-se apenas com o carbohidrato. A parte que garante um bom funcionamento do organismo, o farelo que pode ser adicionado ao óleo e ao fermento, fica perdida.
FORMAÇÃO NO CAMINHO CERTO
A quantas andamos em quadros formados em nutrição no país?
Deixa-me dizer-lhe que de 2012 para cá houve graduações nesta área pela Unilúrio e ISCISA. Existem muito mais de uma centena de nutricionistas formados. Entretanto, mais do que dotar de conhecimentos técnicos para melhor desempenho, deve-se rever a estrutura arquitectónica das cozinhas e lavandarias, de forma a responder aos fluxogramas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Existe também a preocupação em apetrechar em equipamentos, utensílios e material para consultas.
O trabalho do nutricionista é valorizado em Moçambique?
Há pessoas que valorizam e/ou se interessam pelo nosso trabalho: diabéticos e hipertensos, acima de tudo. Mas ainda considero poucas
CASA DE FERREIRO…
Ter um/a nutricionista em casa é sinónimo de uma alimentação regrada…
Quem me dera! (risos)
Doutora, há desmandos na sua cozinha?
Olha, na família há sempre rebeldes, pessoas que não seguem as minhas prescrições. Contudo, tenho me esmerado no sentido de regular a alimentação da minha família.
Os seus (dois) filhos, certamente, não escapam da sua mira?
Sim, mas nem por isso sempre me saio bem na missão de regular a sua alimentação. (risos)
ESPAÇO VERDE: REGALO E SAÚDE
Hoje em dia, está na moda ter um canteiro de hortas nos quintais. E a nossa nutricionista, entrou nessa onda?
Sim! Até porque tenho uma quinta no Vale do Infulene, onde cultivo couve, alface, espinafre, cebola, tomate, entre outras culturas. Este espaço proporciona-me prazer e ao mesmo tempo saúde. E é daqui onde tiro alimentos frescos e saudáveis para a alimentação da minha família. Quando há grandes reuniões familiares eu é que meto a mão no cardárpio. Tudo fica por minha conta.
Há, por aqui, fruta à fartura…
Felizmente sim. Pena que, de uma forma geral, o moçambicano só come fruta quando lhe dá vontade. Isso é feito sem ter em conta o valor que ela tem. Afinal, a fruta é rica em vitaminas importantíssimas para o nosso organismo.
Carol Banze
Sem comentários:
Enviar um comentário
MTQ