domingo, 16 de março de 2014

Ucrânia: estado que cai aos pedaços?

 

16.03.2014
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Ucrânia: estado que cai aos pedaços?
14/3/2014, Moon of Alabama
http://www.moonofalabama.org/2014/03/ukraine-a-state-falling-apart.html#more

Um professor britânico, Paul Vickers, que diz estar vivendo já há mais de dois anos em Ivano-Frankivsk, cidade no oeste da Ucrânia com cerca de 200 mil habitantes, escreve sobre uma passeata recente dos fascistas do Setor Direita acontecida ali, e notícias da imprensa local.[1]

O que se vê em seu escrito são gangues que competem entre elas, pressão pesada sobre políticos e burocratas e ameaças de "limpeza" [orig. "lustration"], que significa que todos os alinhados com os partidos errados serão demitidos de seus empregos públicos. Lembremos como ficaram as coisas depois da 'de-Baath-ificação', quando todos os administradores técnicos e o pessoal de segurança foram demitidos dos empregos públicos no Iraque.

"Essa matéria diz[2] que hoje, inicialmente, havia cerca de 50 homens, todos da Autodefesa (e traz fotos melhores que as minhas) bloqueando a rua, enquanto o Setor Direita também apareceu lá no início da tarde[3] em grupos menores antes da grande marcha, em torno das 16h. Falando à imprensa, a Autodefesa distribuiu declaração em que diz que não querem ter em posição de autoridade na Polícia, um homem que se recusa a passar pela 'limpeza' (i.e., a passar por uma checagem de todo o seu passado).

Pouco depois, o novo presidente da administração regional aceitou[4] que todos os funcionários da administração regional passassem pela 'limpeza' e barrou todos os ligados ao ex-Partido das Regiões, que ficaram impedidos de assumir postos no governo. Então, um pouco mais tarde, o novo presidente da administração regional descobriu que seu próprio gabinete havia sido bloqueado pela Autodefesa e "empresários locais" (como se lê nessa matéria[5]). Os dois grupos fizeram uma série de demandas, entre as quais o cancelamento de alguns impostos sobre a riqueza e vários aspectos da certificação de veículos motorizados e assuntos relacionados aos negócios dos empresários. Em novembro de 2010 houve o movimento "Maidan Impostos", no qual pequenos e médios empresários protestaram contra um novo sistema de impostos, recém implantado, que punha fim a várias facilidades fiscais asseguradas às pequenas empresas. O movimento de 2010 foi vitorioso e o sistema fiscal anterior foi restabelecido. O movimento em Ivano-Frankivsk poderia ser visto nesse contexto.

Mas a abordagem geral, de impor sempre a própria vontade tem muito a ver com os primeiros tempos depois da Revolução Laranja, quando se viam bem ativas em alguns grupos as práticas de impor a própria vontade, pela violência e pela força.

O problema se agrava, porque a imprensa-empresa local põe-se imediatamente a repetir o que aqueles ativistas digam, como a matéria acima linkada, na qual se lê que os ativistas falariam "em nome da comunidade local" - praticamente o eco local do que diz o Setor Direita, que pretende falar "em nome do povo ucraniano".

Uma ex-aluna que encontrei hoje à frente do quartel da Polícia, por onde ela passava no caminho da universidade para a sua casa, disse-me: "Eles [o Setor Direita] não fala por nós". Embora ela nada tivesse a ver com a nomeação do chefe de Polícia, a moça manifestou grave preocupação com o modo como está funcionando a democracia local.

O que se vê é um claro contraste com a impressionante reunião do Conselho Local, em praça pública, dia 23/11/2013,[6] quando o Conselho, então ainda em funcionamento, tomou importantes decisões e votou a céu aberto, diante de multidão muito representativa da comunidade local. Hoje, o que há é um vácuo crescente nas estruturas locais de poder, o que torna possível que tantos tentem impor as suas próprias decisões e ideias, pela força ou com ameaças, a um governo que está começando.

Tudo isso mostra um perigoso desenvolvimento na Ucrânia: um estado que já não tem nem vontade política nem capacidade para impor-se contra a violência de gangues minoritárias, e que em breve tampouco terá o dinheiro necessário para fazê-lo, ainda que quisesse, e não quer.

Quando (não "se") esse estado ruir aos pedaços, o 'ocidente' terá sorte, se a Rússia aceitar tomar conta dos pedaços do leste. ******

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