domingo, 30 de março de 2014

Erdogan usa a al-Qaeda para encobrir sua invasão à Síria

Erdogan usa a al-Qaeda para encobrir sua invasão à Síria

30.03.2014
Erdogan usa a al-Qaeda para encobrir sua invasão à Síria. 20070.jpeg
Dia 23/3, os grupos Jabhat al Nusra e Ahrar al-Shams afiliados da Al-Qaeda, formados de estrangeiros, cruzaram a fronteira vindos da Turquia e atacaram a província de Latakia, no oeste da Síria. Tomaram o posto de fronteira de Kasab e a cidade armênia de Kessab. A população fugiu, enquanto os jihadistas removiam as cruzes das igrejas armênias e as substituíam por suas bandeiras negras. Os grupos jihadistas receberam apoio de artilharia e antiaéreo da Turquia. Um avião sírio que atacava os jihadistas foi abatido pela força aérea turca.

Os jihadistas conseguiram capturar várias colinas antes de serem detidos por forças sírias de reforço. Depois que o avião foi derrubado, os radares antiaéreos sírios localizaram todos os aviões turcos que se aproximavam de suas fronteiras e prepararam-se para derrubá-los. Sabe-se que foi usada artilharia pesada contra os intrusos e que houve, entre eles, pesadas baixas. Os feridos deles foram transportados para a fronteira turca e atendidos em hospitais turcos. A campanha jihadista está claramente em dificuldades e bastarão apenas poucos dias até que tenham de bater em retirada.

Mas o primeiro-ministro turco Erdogan e seu ministro de Relações Externas Davutoglu ainda têm outros planos. Dizem que o Túmulo de Süleyman Shah, uma pequena porção de terra na Síria, a 25 km da fronteira turca, mas que é solo turco, está ameaçado de ataque pelo grupo jihadista Estado Islâmico no Iraque e Levante (ISIS). E dizem que tropas turcas estão prontas para defender o Túmulo. É claramente ameaça de invasão, segundo a rádio Gleiwitz.

Hoje, vazaram gravações de dois telefonemas (em turco; já com transcrição para o inglês [e já traduzidas para o português do Brasil[1]] entre Davutoglu, o chefe da inteligência turca Hakan Fidan e outros. As gravações parecem confirmar que o plano é, de fato, usar a al-Qaeda como 'anteparo' para invadir a Síria.

- Fidan oferece a Davutoglu enviar mísseis à Síria para bombardear a Turquia (e gerar um casus belli).

Depois que Davutoglu rejeita a ideia, Fidan oferece-se para bombardear o Túmulo de Süleyman Shah. E fala sobre as necessidades dos jihadistas (que estão precisando mais de munição, que de armas).

Fidan diz que entregaram 2 mil caminhões de armas aos insurgentes.

Davutoglu diz que Kerry perguntou se os turcos poderiam invadir a Síria e pressionou para que o fizessem.

Davutoglu diz também que eles têm planos para implantar uma zona aérea de exclusão sobre a Síria e já entregaram esses planos à OTAN.

Davutoglu assegura a Fidan que Erdogan concordou com todos esses planos.

Fidan diz que as coisas não vão bem para os insurgentes e que a Turquia enviou um general para ajudá-los.

Pouco depois que esses telefonemas vazaram por Youtube, a Turquia bloqueou todos os acessos locais a Youtube. As gravações são agora acessíveis em Vimeo e em outros canais. A fita divulgada, apenas a última de uma série maior, surgiu depois que a polícia turca invadiu uma empresa holding ligada ao movimento religioso Gülen, ex-aliado de Erdogan, agora convertido em seu mais feroz inimigo. Uma estação de TV relacionada a Gülen também foi tomada.[2]

Haverá eleições locais na Turquia dia 30/3, e o partido AKP ["Justiça e Desenvolvimento"] de Erdogan pode perder as prefeituras de Istanbul e/ou Ankara. Erdogan está usando uma estratégia de desmonetização contra todos - Twitter, Gülen, Israel, Síria, quem for - para manter sua grande base popular. Mas ela talvez já não seja suficiente para lhe garantir vitórias eleitorais.

O governo Obama também já começou a plantar histórias sobre novas "preocupações" sobre ataques jihadistas contra interesses "ocidentais" no norte e no leste da Síria. Esses "ataques" podem ser facilmente forjados e usados para 'justificar' uma intervenção 'ocidental' e renovar a discussão sobre uma zona aérea de exclusão sobre a Síria.

Um ataque ao norte da Síria surge em momento em que outro ataque longamente anunciado pelo sul não consegue materializar-se. Já se viram novas armas antitanques chinesas no sul, mas não há sinal de campanha coordenada. De fato, há dúvidas sobre a real existência da anunciada Frente Sul. A conversa sobre isso pode ter sido meio de distrair as atenções para longe do ataque no norte.

Turquia e EUA que sejam muito cuidadosos nesses sonhos de invadir a Síria. Os dois podem deixar-se embriagar nesses jogos, e há tropas russas de prontidão na fronteira leste da Ucrânia. Um movimento num ponto pode resultar em contramovimento noutro ponto. *********

[1] A conversa foi gravada, vazou, já está traduzida e pode ser lida no blog Oriente Mídia - Culturas da Resistência, em "Turquia usa Al-Qaeda para justificar guerra contra a Síria", 27/3/2014, em http://www.orientemidia.org/vazamentos-turquia-usa-al-qaeda-para-justificar-guerra-contra-a-siria/ [NTs].
[2] Para saber quem é Gülen e suas relações com Erdogan, ver "A Turquia está fora de controle" 6/3/2014, Christopher de Bellaigue, New York Review of Books, vol. 61, n. 6 (ed. de 3/4/2014), http://www.nybooks.com/articles/archives/2014/apr/03/turkey-goes-out-control/?pagination=false (trad. em redecastorphoto) [NTs].
27/3/2014, Moon of Alabama - http://www.moonofalabama.org/

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