sábado, 29 de março de 2014

De Filipe Nyusi aos cifrões da paz!

XIPALAPALA por: João de Sousa



joaodesousa47@gmail.com
Estolano, amigo meu de infância, de vez em quando, vai mandando recados. Comenta. Pergunta. Tudo isto por sms, porque por email, nem pensar. Não é dado a estas novas tecnologias. Pelo celular é mais fácil, porque “de cada vez que recarrego, tenho não sei quantas mensagens de borla”. A semana passada decidiu perguntar-me de que lado vai estar o candidato da Frelimo às eleições de Outubro deste ano, se eventualmente for o vencedor. Estolano acredita que Nyusi vai ganhar, porque “a Frelimo tem máquina para isso”. Agora, o que é preciso saber é se ele (Nyusi) vai resgatar os princípios defendidos por Samora, se vai governar como Chissano, ou se vai seguir os passos de Guebuza? Respondi ao Estolano em mensagem curta e simples: “Não sei”. Andarmos a fazer previsões (como os meteorologistas) é coisa que nunca bate certo.
Estolano, sempre bem documentado, insistiu. “Se Nyusi for Presidente da República, ele vai per­tencer à Comissão Política, mas sem direito a voto. É assim que reza o artigo 63, número 5, dos estatutos da Frelimo. Como vai ser?” Respondi-lhe de novo: “Não sei”. Não gosto de fazer previsões. Isso é tarefa destes analistas políticos que (quase) todas as noites vemos, devidamente engravatados, nos ecrãs dos nossos aparelhos de televisão.
E continua a perguntar se Filipe Nyusi não se está a aproveitar da Presidência Aberta para fazer campa­nha eleitoral? Estolano acredita que “isso é batota”. Respondo-lhe laconicamente: “Não sei”. E não sei porque já ouvi várias interpretações sobre isso.
Neste rol de mensagens que o Estolano me en­via, veio à baila o excessivo gasto feito pelos dois antigos presidentes do nosso órgão legislador. Um foi presidente da Assembleia Popular, outro foi presi­dente da Assembleia da República. Rios de dinheiro para remodelar e mobilar duas residências é coisa impensável num país onde as crianças para estudar são obrigadas a sentar-se no chão porque não há carteiras suficientes, onde transporte público não chega para as encomendas, onde os chapas e “my loves” constituem a alternativa, ou onde medica­mentos são coisa rara nos hospitais públicos. Onde os buracos fazem das suas, deixando automobilistas sem saber para que lado virar. Onde a chuva atrapa­lha e provoca o caos, com semáforos sem funcionar, com engarrafamentos, filas intermináveis e longas horas de espera. E quando tomba um camião na auto-estrada Maputo-Matola ou vice-versa, então aí nem o S. Cristóvão, o padroeiro dos transportes, nos salva. E nas recentes bátegas de água que se abateram sobre várias cidades moçambicanas (ainda vem mais por aí até ao final deste mês de Março), ficou provado que moçambicano é malabarista em matéria de conduzir automóvel. Vale tudo. Conduzir na contramão, insultar, desrespeitar. E tudo isto nas barbas da polícia.
Não temos dinheiro para mandar cantar um cego, mas damo-nos ao luxo de oferecer a determinados senhores todo o tipo de mordomias. Veja-se, se-se­gundo relatos da imprensa, o que está a acontecer no Tribunal Administrativo, particularmente no que a viaturas protocolares e particulares diz respeito. E como se não bastasse, vamos ter que pagar os salários a mais de duas mil pessoas, na sua maioria provenientes dos partidos políticos, que vão trabalhar nos órgãos eleitorais, aos mais variados níveis. Será que há dinheiro para isto tudo? Se não há, vai haver. O “saco azul” está lá para isso.
Andamos diariamente a fazer apelos à contenção de despesas. Para quê? Para na prática fazermos o inverso. Estamos a criar um ambiente propício para “a instrumentalização despesista da paz”.
Engolimos a partidarização dos órgãos eleitorais. Agora vamos ter que pagar por isso. É mais gente que vai ter mordomias inerentes aos cargos que cada um vai ocupar. Com mais dois vice-presidentes (Comissão Nacional das Eleições) e dois directores­-gerais adjuntos (Secretariado Técnico da Admi­nistração Eleitoral) então vamos ter que comprar para estes senhores mais quatro carros novinhos em folha, porque de segunda mão isso é para os outros. Vamos ter de arrendar casas a preços que certamente ultrapassam os considerados normais para esses quatro senhores, porque infelizmente neste país quanto maior for o cargo maior terá de ser a mordomia. E tudo isto com dinheiro deste “ma­ravilhoso povo”, que continua a dormir em casa precária de caniço ou de madeira e zinco, por cima de colchão alagado, porque zinco furado deixa en­trar chuva. Povo que vende nas ruas, não interessa em que condições, para ter uns trocados e conse­quentemente enganar a fome. Povo que quer levar uma vida codigna e não pode, porque afinal “eles comem tudo”. E vão continuar a comer, enquanto puderem mamar na teta da vaca.
Estolano, esse meu amigo de infância, insurge-se contra tudo isto. Contra estes cifrões que a paz nos obriga a gastar.
PS: Embora tenha respondido directamente para o seu email pessoal, não posso deixar de agradecer ao Sr. Carlos Aragão pelos contributos dados relativamente à radiodifusão em Moçambique na sua carta-resposta ao meu artigo intitulado “A Rádio é uma Arte”. Obrigado pelos seus considerandos. Quantos mais vierem, melhor.

CORREIO DA MANHÃ – 28.03.2014

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