Elisio Macamo
O que me vai na cabeça neste momento são as eleições acabadinhas de acontecer no País:
É como no futebol
Vejo alguns paralelos entre o futebol e a política, sobretudo no nosso País. O primeiro refere-se à relação entre regras e conteúdo. Na política e no futebol as regras são muito claras, tão claras que até são – para dizer as coisas com base no filósofo americano da linguagem,John Searle – con...stitutivas da política e do futebol. O problema, contudo, é que quer na política, quer no futebol quem deve cumprir as regras – e fazê-las cumprir – são pessoas. E para piorar as coisas, tanto o futebol quanto a política são coisas extremamente imprevisíveis. E é aí onde tudo se estraga. Porque nem sempre ganha o melhor – senão, por exemplo, o Clube de Gaza seria campeão eterno do Moçambola – uma boa parte da energia de quem se interessa por futebol – e política – vai para a interpelação constante das regras e, sobretudo, das motivações das pessoas que as deviam fazer cumprir. E o curioso no meio de tudo isto é que futebol e política deixavam de ser o que são sem aquelas discussões apaixonantes sobre as decisões do árbitro e da Comissão Nacional de Eleições. A falibilidade humana – que não é a única razão por detrás do não cumprimento das regras, naturalmente – vira, por causa da imprevisibilidade, algo calculado, intencional e maldosamente planeado. Futebol sem discussão sobre a interpretação de “fora de jogo” deixa de ser futebol, razão pela qual eu sou contra a introdução de aparelhos electrónicos para determinar isso.
O segundo paralelo é o do amor à camisola. Futebol e política é assunto de fé, não necessariamente de razão. O que acabo de escrever não é bem verdade. Aqueles que jogam, treinam e gerem o futebol pensam, desenham estratégias e definem filosofias. Acontece o mesmo com aqueles que fazem política. Mas tanto o futebol quanto a política acontecem no contexto de seguidores. Os chamados “fãs”; “torcida” para os brasileiros. E a relação que estes têm com os seus clubes e partidos é, invariavelmente, uma relação baseada na fé. O problema disto é que quando o clube ou o partido perdem – e perder é sempre uma possibilidade – a reacção de muitos deles é, primeiro, interpelar as regras, e, segundo, odiar ainda mais o adversário ou todo aquele que se mostra neutro. Os mais equilibrados ainda podem interpelar o seu clube, mas quando é assim é mais em sinal de frustração pela fé que julgam ter sido traída. E começam a pedir para que saia o treinador (ou o secretário geral). Uma coisa com a qual é difícil lidar é com o simples facto de perder e ganhar serem componentes estruturais do jogo e da política. Não podem ganhar todos, nem todos podem perder. Sendo assim, perder ou ganhar não é sempre sinal de ter feito tudo errado, ou bem. É um resultado estruturalmente determinado.
Há de certeza mais paralelos, mas fico por esses dois. Interessam-me duas consequências que noto para o caso de Moçambique, sobretudo em relação à política. A primeira é do clubismo que parece se apossar da política. Noto que no Facebook as vitórias eleitorais (de ambos os lados) estão a ser festejadas quase da mesma maneira como se festejam as vitórias do FC Porto, Benfica e Sporting e, se calhar, com os mesmos níveis nojentos de barulheira pelas artérias das cidades. Não se festeja o facto duma ideia, duma filosofia, dum projecto político terem vingado na sociedade. Nada disso. Festeja-se o facto de a aleatoriedade estrutural da política ter bafejado alguns com sorte e outros com azar. Se calhar sou o único a ver, e a ter, problemas com isto. E pouco surpreendemente quando se discute o rescaldo não é o que será feito (e como) que está no centro das atenções, mas o facto de se ter ganho apesar das regras ou das circunstâncias e a promessa-ameaça de que da próxima haverá nova “surra” ou desforra.
A segunda consequência é algo para a qual os adeptos alemães de futebol inventaram uma palavra: “Erfolgsfan” (o adepto que só dá na cara quando o seu clube ganha – em Xai-Xai, onde se detém os direitos de autor sobre isso, chamamos a esse tipo de gente “favor do vento”). É o mais odiado, muito mais do que o adepto do maior rival. É odiado porque como ser adepto é coisa de fé – e quem se orienta pela fé é normalmente intolerante – quem faz a sua simpatia depender do desempenho se torna imediatamente suspeito, não como alguém que pensa, mas como alguém que é infiel. Uma vez que em futebol e em política é moralmente injusto que aquele de quem a gente não gosta ganhe, o “Erfolgsfan” é eticamente problemático e, quiça, a razão da falta de sucesso, o elo que nos impede de termos o entrosamento necessário à vitória. O que eu acho curioso, contudo, é que apesar da imoralidade do “Erfolgsfan” a nossa política, pelas suas condições estruturais, produza esta figura aos milhares. Só que não se trata daquele que faz uso da razão para distribuir simpatias. As eleições, sobretudo depois de terem ocorrido, são incubadoras do oportunismo, o qual por sua vez, produz a falta de interesse no futebol e na política como actividades colectivas que, em primeiro lugar, não estão lá para servir os nossos egos, mas sim dar uma ideia de mundos que são possíveis mesmo com árbitros e observadores eleitorais maldosos.See more
É como no futebol
Vejo alguns paralelos entre o futebol e a política, sobretudo no nosso País. O primeiro refere-se à relação entre regras e conteúdo. Na política e no futebol as regras são muito claras, tão claras que até são – para dizer as coisas com base no filósofo americano da linguagem,John Searle – con...stitutivas da política e do futebol. O problema, contudo, é que quer na política, quer no futebol quem deve cumprir as regras – e fazê-las cumprir – são pessoas. E para piorar as coisas, tanto o futebol quanto a política são coisas extremamente imprevisíveis. E é aí onde tudo se estraga. Porque nem sempre ganha o melhor – senão, por exemplo, o Clube de Gaza seria campeão eterno do Moçambola – uma boa parte da energia de quem se interessa por futebol – e política – vai para a interpelação constante das regras e, sobretudo, das motivações das pessoas que as deviam fazer cumprir. E o curioso no meio de tudo isto é que futebol e política deixavam de ser o que são sem aquelas discussões apaixonantes sobre as decisões do árbitro e da Comissão Nacional de Eleições. A falibilidade humana – que não é a única razão por detrás do não cumprimento das regras, naturalmente – vira, por causa da imprevisibilidade, algo calculado, intencional e maldosamente planeado. Futebol sem discussão sobre a interpretação de “fora de jogo” deixa de ser futebol, razão pela qual eu sou contra a introdução de aparelhos electrónicos para determinar isso.
O segundo paralelo é o do amor à camisola. Futebol e política é assunto de fé, não necessariamente de razão. O que acabo de escrever não é bem verdade. Aqueles que jogam, treinam e gerem o futebol pensam, desenham estratégias e definem filosofias. Acontece o mesmo com aqueles que fazem política. Mas tanto o futebol quanto a política acontecem no contexto de seguidores. Os chamados “fãs”; “torcida” para os brasileiros. E a relação que estes têm com os seus clubes e partidos é, invariavelmente, uma relação baseada na fé. O problema disto é que quando o clube ou o partido perdem – e perder é sempre uma possibilidade – a reacção de muitos deles é, primeiro, interpelar as regras, e, segundo, odiar ainda mais o adversário ou todo aquele que se mostra neutro. Os mais equilibrados ainda podem interpelar o seu clube, mas quando é assim é mais em sinal de frustração pela fé que julgam ter sido traída. E começam a pedir para que saia o treinador (ou o secretário geral). Uma coisa com a qual é difícil lidar é com o simples facto de perder e ganhar serem componentes estruturais do jogo e da política. Não podem ganhar todos, nem todos podem perder. Sendo assim, perder ou ganhar não é sempre sinal de ter feito tudo errado, ou bem. É um resultado estruturalmente determinado.
Há de certeza mais paralelos, mas fico por esses dois. Interessam-me duas consequências que noto para o caso de Moçambique, sobretudo em relação à política. A primeira é do clubismo que parece se apossar da política. Noto que no Facebook as vitórias eleitorais (de ambos os lados) estão a ser festejadas quase da mesma maneira como se festejam as vitórias do FC Porto, Benfica e Sporting e, se calhar, com os mesmos níveis nojentos de barulheira pelas artérias das cidades. Não se festeja o facto duma ideia, duma filosofia, dum projecto político terem vingado na sociedade. Nada disso. Festeja-se o facto de a aleatoriedade estrutural da política ter bafejado alguns com sorte e outros com azar. Se calhar sou o único a ver, e a ter, problemas com isto. E pouco surpreendemente quando se discute o rescaldo não é o que será feito (e como) que está no centro das atenções, mas o facto de se ter ganho apesar das regras ou das circunstâncias e a promessa-ameaça de que da próxima haverá nova “surra” ou desforra.
A segunda consequência é algo para a qual os adeptos alemães de futebol inventaram uma palavra: “Erfolgsfan” (o adepto que só dá na cara quando o seu clube ganha – em Xai-Xai, onde se detém os direitos de autor sobre isso, chamamos a esse tipo de gente “favor do vento”). É o mais odiado, muito mais do que o adepto do maior rival. É odiado porque como ser adepto é coisa de fé – e quem se orienta pela fé é normalmente intolerante – quem faz a sua simpatia depender do desempenho se torna imediatamente suspeito, não como alguém que pensa, mas como alguém que é infiel. Uma vez que em futebol e em política é moralmente injusto que aquele de quem a gente não gosta ganhe, o “Erfolgsfan” é eticamente problemático e, quiça, a razão da falta de sucesso, o elo que nos impede de termos o entrosamento necessário à vitória. O que eu acho curioso, contudo, é que apesar da imoralidade do “Erfolgsfan” a nossa política, pelas suas condições estruturais, produza esta figura aos milhares. Só que não se trata daquele que faz uso da razão para distribuir simpatias. As eleições, sobretudo depois de terem ocorrido, são incubadoras do oportunismo, o qual por sua vez, produz a falta de interesse no futebol e na política como actividades colectivas que, em primeiro lugar, não estão lá para servir os nossos egos, mas sim dar uma ideia de mundos que são possíveis mesmo com árbitros e observadores eleitorais maldosos.See more
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