Escrito por Luís Nhanchote |
Quinta, 19 Setembro 2013 14:37 |
Nas frentes televisivas, nos canais públicos e privados, bem como na imprensa escrita, a tónica é a exaltação das realizações que o Presidente Guebuza terá feito. Nas mesmas análises, não há espaço para se apontar eventuais erros, pois Guebuza, até num dístico recentemente tornado público, é tido como “guia incontestável de todos nós”. Neste artigo, procuramos trazer à superfície os problemas por ele herdados e criados, que passarão para o seu sucessor, até aqui misterioso. Guebuza, a sair do poder, como ele o tem afirmado, levará na sua bagagem uma multiplicidade de vitupérios públicos que mandou aos seus possíveis e imaginários detractores.
Combate à corrupção com lentes distantes....
Quando o Presidente Armando Guebuza foi empossado em Janeiro de 2005, na Praça da Independência, sucedendo a Joaquim Chissano, trazia na manga uma série de promessas, entre as quais um cerrado combate à corrupção, ao “espírito de deixa-andar”, à burocracia, entre outros quejandos.Dizia Guebuza nos seus primeiros dias da sua chancelaria que “este não é tempo de andar, mas tempo de correr”. Com a aprovação do Pacote Anti-Corrupção, em 2004, finalmente um Governo da Frelimo procurava dar amostras de combater este mal, que, quotidianamente, se tornava marca daquela formação política. A ratificação por parte de Moçambique de convenções internacionais e regionais contra a corrupção e a experiência da aplicação da Lei n.º 6/2004, de 17 de Junho, e do seu regulamento mostraram que era necessário proceder à revisão desta Lei e do Decreto que a regulamentou, o Decreto n.º 22/2005, de 22 de Junho. E assim foi feito. Em 2008, realizava-se a primeira “boa nova” das promessas de Armando Guebuza no tocante ao combate à corrupção: Almerino Manheje, o superministro (ocupou as pastas de ministro do Interior e da Presidência) na chancelaria de Joaquim Chissano, era preso por alegado desvio de fundos no Ministério do Interior. José Pacheco, actual ministro da Agricultura, na condição de chefe do pelouro que estivera sob as rédeas de Manheje, foi quem ordenou uma auditoria às contas daquela casa, que teria apurado um rombo monumental na ordem dos 220 milhões de meticais. Pacheco ordenou a realização daquela auditoria logo que ascendeu àquele cargo. Efectuada a auditoria no âmbito do “tempo de correr e não de andar”, o resultado desta foi entregue à Procuradoria-Geral da República (PGR) e lá ficou sem ter pernas para andar até que os embaixadores da Suécia e Suíça informaram o Executivo moçambicano de que diminuiriam a sua ajuda ao orçamento do país como forma de protesto contra o facto de o Governo de Guebuza não estar a tomar acções contundentes na luta que era o seu cavalo de batalha. A verdade dos factos é que Manheje acabou por parar nos calabouços acusado de 49 crimes dos quais acabou por ser incriminado por 48. No final das contas, no julgamento do primeiro “peixe graúdo” da rede da governação de Armando Guebuza, Manheje acabou por responder por 500 mil meticais e não 220 milhões que teriam sido apurados pela auditoria do ministro Pacheco. Pouco depois a corrupção de que Guebuza se orgulhava de ser líder no seu combate, instalou-se no seu próprio Governo, quando António Munguambe, que dirigia o Ministério dos Transportes e Comunicações, foi acusado no famoso caso “Aeroportos de Moçambique” de ter beneficiado indevidamente de 33 000 dólares daquela empresa entre 2005 e 2008, para além de ter recebido um automóvel de forma imprópria e de ter desviado fundos e bens do Estado. António Munguambe foi parar aos calabouços e a sua pena passou de 20 anos em primeira instância, em Fevereiro de 2010, para quatro anos de cadeia num caso de desvio de bens públicos. Em 2011, o semanário Canal de Moçambique deu à estampa na sua capa um negócio a todos níveis de fazer bradar os céus. Referia que uma empresa em que o cidadão Armando Guebuza é accionista tinha vendido cerca de 150 autocarros movidos a gás ao Estado . As mesmas tinham sido adquiridos na Índia, através do Fundo de Desenvolvimento de Transportes e Comunicações (FDTC), e vendidos a crédito à empresa Transportes Públicos de Maputo (TPM) como forma de melhorar a falta de transporte na cidade e província de Maputo. Os autocarros de marca TATA foram adquiridos à TATA Group, da Índia, pela empresa nacional TATA Moçambique Limitada, que tem como um dos sócios o cidadão Armando Emílio Guebuza, que é o Presidente da República e chefe do Governo moçambicano. Esses autocarros custaram aos cofres do Estado moçambicano 565 milhões de meticais e foram adquiridos sem concurso público, conforme manda a lei de procurment, como teria assegurado ao Canal de Moçambique o ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula (exonerado recentemente). “Apenas estávamos à procura de empresas fabricantes de autocarros a gás”, terá dito Zucula ao Canal de Moçambique! O cidadão Armando Emílio Guebuza é sócio da empresa TATA Moçambique Limitada, a par da TATA Holding e MBATINE INVESTIMENTOS, LDA, conforme atesta o Boletim da República número 17, III Série de 24 de Abril de 2002. Até aqui fizemos uma breve radiografia de que quanto a esta luta, o Presidente da República esteve a combater a corrupção com lentes de baixa densidade no seu alcance. Noutros órgãos de soberania como o Concelho Constitucional e o Tribunal Administrativo da chancelaria de Armando Guebuza, por via da imprensa, ficou- -se a saber dos “festivais” dos dinheiros públicos, perante o silêncio sepulcral do “guia incontestável de todos nós”!! A presidente da Liga dos Direitos Humanos, a senhora Alice Mabota, já apelidou o Presidente Guebuza de SENHOR 5%!
Heranças para o seu sucessor
Toda a “santa quarta-feira”, um grupo de concidadãos nacionais que entre os finais da década setenta e inicio da década oitenta, rumou para a “defunta” República Democrática Alemã (RDA), ao qual se convencionou chamar de “madgermanes”, marcha clamando pelos valores que lhes eram descontados nos seus ordenados naquele país do leste europeu. Eles são a maior referência do exercício de um dos direitos de cidadania plasmados na Constituição da República: o direito à manifestação.O Presidente da República, Armando Guebuza, parece não ter tido destreza necessária para se inteirar deste dossier que afecta os seus compatriotas. Pode ter sido esquecimento.... Os desmobilizados da guerra civil entre o Governo de Moçambique e a Renamo também estão na lista da herança que Armando Guebuza vai deixar ao seu sucessor. Para variar o diálogo neste campo, chegou o Estado moçambicano a fazer uso de violência psicológica e física contra este grupo de nacionais e nalgumas vezes diante das câmaras televisivas. O líder deste fórum, Hermínio dos Santos, foi detido e psicologicamente torturado para não continuar a lutar pelos seus direitos e dos seus pares. Os médicos, professores e outros grupos da sociedade mereceram alguma pequena atenção quando o assunto extravasou as fronteiras de diálogo. Mas no final do dia, continuam na mesma.
Recados aos detractores
Uma das características, quiçá únicas, que o Presidente da República deixa como legado são os inúmeros recados que enviou aos críticos à sua governação. No léxico político nacional, foram introduzidas, em forma de retórica, pelo mais alto magistrado da nação expressões como: “tagarelas”, “apóstolos da desgraça”, “vamos continuar a irritá-los”, “marginais”, “inimigos do desenvolvimento”, “agitadores profissionais”entre outros adjectivos. O Presidente da República fez estes e outros pronunciamentos em público, e com toda a naturalidade.Com a nomeação de Edson Macuácua para assessor e conselheiro, esperava-se que este ciclo terminasse. Enganado esteve quem assim pensou. Na semana passada durante a sua “Presidência Aberta e Inclusiva” à cidade de Maputo, Guebuza disse a plenos pulmões que a “Cidade de Maputo é o centro de movimentos críticos ao Governo”.
Negócios: outro legado...
O volume de negócios da família Guebuza aumentou com a sua chegada ao poder. Com um total de 27.160 hectares de terra registado no cadastro mineiro, o clã, através da Intelec Holdings e da Tata Moçambique, detém sete licenças de prospecção e pesquisa minerais. Todas as licenças têm em comum o facto de terem sido atribuídas pela Direcção Nacional de Minas (DNA), a partir da altura em que Armando Guebuza ascendeu ao cargo de Presidente da República.A Intelec Holdings, constituída por escritura de 14 de Novembro de 1998, tendo alterado a sua denominação em 10 de Abril de 2003, é a empresa-mãe de um grupo de empresas moçambicanas, com forte participação de capital privado nacional, e um volume de negócios de 644 milhões de meticais (dados de 2008). Regularmente participa do ranking das 100 maiores empresas de Moçambique. A Intelec Holdings, como gestora de participações sociais, por volta de 2003, altura em que assumiu esta denominação, tinha na sua base empresarial as seguintes participações: a Aberdare Intelec, a Electrotec, a SINERGISA, Sarl, a ENMO e a Intelec Lites e, em duas áreas de negócio, designadamente Energia (geração, indústria e construções eléctricas) e Publicidade, bem como a sua evolução para uma situação de 15 participações e oito áreas de negócio, em 2008, nomeadamente Energia, Publicidade, Hotelaria e Turismo, Telecomunicações, Minas, Cimentos, Consultoria e Finanças. A INTELEC Holdings tem como principal área de negócios o sector de energia, estratégico no desenvolvimento do país, o segundo em volume de negócios entre as 100 maiores empresas a nível nacional. Pela Intelec Holdigs, um dos principais braços gestores dos seus interesses, a família Guebuza tem sob a sua alçada seis licenças na área mineira. O Presidente do Conselho de Administração (PCA) desta holding é Celso Correia. A Tata Holdings, empresa-mãe da Tata Moçambique, na qual Armando Guebuza é accionista, detém apenas uma licença. De acordo a base de dados do cadastro mineiro tornada pública pelo Centro de Integridade Pública (CIP), as licenças detidas pelo Presidente Guebuza estão localizadas em Cheringoma (duas), e foram atribuídas em 2007, sendo que uma expira em Julho e outra em Agosto do corrente ano, em áreas correspondentes a 1.020 e 1.840 hectares, respectivamente. Igualmente, possui duas em Inhassoro, em Inhambane, ambas atribuídas em 2007 e que expiram em Julho e Agosto próximo, respectivamente, numa área de 9.800 e 1.480 hectares. Possui uma outra em Magude, também atribuída em 2007, numa área de 2.880 hectares, que expirou em Julho do corrente ano. A última licença da Intelec holdings foi atribuída em 2010, em Magoe, Zumbo, na província de Tete, numa área de 9.520 hectares e expira em Janeiro de 2016. Pela Tata Holdings, a única licença pública detida está em exploração no distrito de Mutarara, em Tete, e foi atribuída em 2004. A mesma expira este ano, numa área de 20.460 hectares. O representante da Tata Africa Holdings é Raman Dhawan, de origem indiana, mas esta empresa, com participação em 11 países, tem também interesses no sector da indústria extractiva em Moçambique. |
Sem comentários:
Enviar um comentário
MTQ