segunda-feira, 26 de agosto de 2013

DHLAKAMA e RENAMO: Duas incógnitas nacionais (1)

DHLAKAMA e RENAMO: Duas incógnitas nacionais (1)
A VIDA política nacional atravessa momentos complexos, para alguns turbulentos, para outros simplesmente dinâmicos, mas para todos certamente inusitadamente agitados.
Tais momentos passam necessariamente pela vida e dinâmica de dois elementos cruciais: o primeiro, o cidadão Afonso Macacho Marceta Dhlakama, e o segundo a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO).
Os planos, missão e visão destes dois elementos constituem uma incógnita nacional, mas são inegável parte da vida política nacional. O artigo propõe-se a esclarecer alguns elementos que ajudem a entender as personagens referidas. A ordenação dos elementos é propositada e segue a ordem de importância de cada na sua paralela, mas umbilical relação
INCÓGNITA UM: DHLAKAMA
Derrotado quatro vezes seguidas (1994, 1999, 2004 e 2009), mais as duas eleições autárquicas (2000, 2009) soma seis derrotas a favor da Frelimo. A Renamo encarnada na figura do seu líder Afonso Marceta Macacho Dhlakama, vem perdendo o seu brio e peso político à medida que sucessivas crises abalam o partido/movimento (?). A mais recente e humilhante derrota da Renamo, aliada ao surgimento do MDM, também fruto da (des)estratégia da Renamo/Dhlakama diminuiu de forma drástica a área de acção da Renamo no panorama da oposição moçambicana.
Por outro lado, o estreante e terceiro mais votado, Daviz Simango e o seu MDM não poupam esforços para se assumirem como oposição alternativa à estratégia renamista e alternativa à Frelimo e principal concorrente do candidato da Frelimo nas presidenciais de 2014. Na política nacional, enquanto a Renamo vai gerindo as suas crises internas, muito provavelmente por força destas crises infindáveis da Renamo assiste-se ao regresso da bipolarização política em Moçambique.
Desde a morte de André Matadi Matsangaíssa a 17 de Outubro de 1979, em Gorongosa na província de Sofala, que a figura de Dhlakama é associada a todos os subsequentes momentos da Renamo. Talvez por isso seja interessante avaliar o percurso e perfil do homem que lidera a Renamo desde então aos nossos dias.
Sobre Dhlakama, guerrilheiro (e a própria Renamo) há uma fonte de certa forma incontornável, que com alguma propriedade traça o perfil ou ajuda a compreender o perfil de ambos.
“Quanto a Dhlakama, bem, era cedo para ter uma ideia definida sobre o homem, o líder da R.N.M. Um rosto jovem. Demasiado jovem, decerto. Cabelo curto bem aparado, estatura mediana, talvez com o peso só ligeiramente acima do ideal para a altura que tem. Relembro a história que ouvira sobre a escolha, a lotaria que recaíra sobre o Afonso Dhlakama. Com a morte em combate de André Matadi Matsangaíssa, havia que fazer a escolha sobre os dois comandantes imediatamente abaixo. Um era um tal Charlie, o outro era o Dhlakama. As preferências de rodesianos, sul-africanos e do Cristina vão para o actual dirigente, e Charlie é neutralizado, abatido, para que não cause eventuais empecilhos ao vencedor.
Ainda pouco polido e cru politicamente é a impressão com que fico de Dhlakama. Uma face, diria mesmo, de rapaz, escondida por aqueles óculos não-graduados. Na conversa, revelara-me o fraco que sentia por filmes, de guerra e "karate", sobretudo. Gosta imenso de Coca-Cola, não liga ao álcool nem fuma, e não disfarça uma enorme paixão pelas motas. Está contente com os sul-africanos que lhe pagam 720 randes por mês e que lhe fizeram um seguro de vida. Até aqui, penso, o "Apartheid" se fazia sentir. Como responsável da rádio eu acabava por ganhar mais que o dirigente do movimento!”
Esta é a apreciação que Paulo Oliveira faz de Dhlakama, outra igualmente importante é a que se segue
“Se forças estrangeiras, se gente no governo ou em certos círculos do poder em Pretória, têm objectivos através da RENAMO, que metas terá o próprio grupo armado? Embora não haja sido convenientemente desenvolvido, um esboço de programa político traçado pelos líderes do grupo no início da década de '80, e que serviria como pretexto para legitimar a guerra ordenada por Smith e por Pretória, estará hoje completamente obsoleto ou ultrapassado pela nova realidade moçambicana. Uma realidade de progressivo não-alinhamento, de abertura económica, política e social.
A questão que ainda faz correr hoje os homens, aliás, os líderes do grupo RENAMO, é cada vez mais, ou apenas, um caso de poder, poder de grupo, poder pessoal. Daí, que também não seja de estranhar o facto, de que os seus últimos, ou únicos aliados internos, sejam alguns dos antigos régulos - chefes tribais - que haviam perdido força com a chegada da FRELIMO, ou os que ainda não enterraram as bandeiras do revanchismo e da vingança.”
Efectivamente, Dhlakama como se conhece, de um líder astuto de guerrilha, com o recurso ou não das agências de inteligências da Rodésia (CIO), do Apartheid (BOSS, Bureau of Civil Cooperation) e da Direita alemã (RFA) que o suportaram estrategicamente na longa guerra que movimentaram contra a República Popular de Moçambique e as suas opções de desenvolvimento económicas e políticas.
A Renamo mesmo com a sua visceral e venial componente “puppet na proxy war” entre o Bem (Capitalismo, Democracia e Cristianismo) e o Mal (Comunismo/Socialismo, Monopartidarismo e Ateísmo/Agnosticismo), o Ocidente e o Este, a dada altura andou por pernas próprias e almejou um dia conquistar o poder, passando a “moçambicanizar” desde então o conflito externo. As questões de natureza estratégica levaram-no a aceitar o caminho da paz, uma das decisões mais importantes deste movimento ideologicamente pária.
Mesmo em tempo de paz nem a Renamo ou o seu líder, deixaram de pensar no poder, pelo poder. O que se denota pela ausência crassa de perspectivas alternativas ao arquinimigo: a Frelimo. Mesmo com as dificuldades que esta tem de gerir o país a Renamo não consegue uma réstea de oportunidade para aumentar o seu prestígio via jogo democrático, outrossim, persiste na sua essência maléfica e sanguinária: intimidação psicológica e chantagem militar. Os termos “Voar”, “matar”, “queimar”, “brincadeiras” e outros similares são parte recorrente, costumeira e vezeira nos discursos de Dhlakama.
Entre os desaires eleitorais, corolários de uma estratégia “Frankesteiniana”, a Renamo a cada pleito eleitoral soma os desaires políticos consequências do seu desenquadramento na sociedade moçambicana. Os ocasionais refreshments que foi tendo nos seus quadros (Colaço, Boavida, Mussá, Araújo, Namburete) não trouxeram o esperado “turn over”, quer pelo país, quer pelos que nela pensaram como alternativa e contrabalanço ao poder, pelo contrário, o poder cada vez mais feudal, nepótico e monárquico de Dhlakama foi-se entronizando em todo partido/movimento (?) colocando em gangrena o partido herdeiro da áurea do movimento guerrilheiro que pôs o país em chamas durante 16 longos anos, corporizando a profecia do seu longínquo mentor Jorge Jardim e Alma Pater: “Moçambique, Terra Queimada”.
Mas contrariamente a uma vida de guerrilheiro nas matas, a vida política obriga o cumprimento de normas, regras e acima de tudo das leis. Porém o cidadão Dlhakama , sempre se sentiu um above law citizen, na extensão do seu espírito destruidor, foi atropelando recorrente e sistematicamente, depois culturalmente, as leis nacionais (livre-circulação de pessoas e bens), o acordo que “honradamente” firmou (homens armados); as normas e regras do próprio partido (até aqui realizou apenas um único congresso, umas pálidas reuniões da comissão Política e seminários de formação nos quais Dhlakama foi moderador e formador!) entre outros aspectos que diminuem o seu peso político e colocam a si como homem político e ao seu partido/movimento em patamares pouco dignos da política e vida do país (a recusa do estatuto de líder da oposição , a recusa em tomar lugar nos corpos legalmente constituídos para pessoas do seu calibre político como o Conselho de Estado), a nível internacional não capitalizou o facto de ter sido nomeado presidente da União Democrática Africana – UDA, subsidiária da União Democrática Internacional congregação de partidos de Direita mundial.
N’DOTANIZAÇÃO
 
Há uma interferência de aspectos tradicionais e culturais na gestão de Dhlakama, natural de Mangundi, distrito de Chibabava e filho do Régulo local, da Renamo como movimento e principalmente como partido. Raramente dá ouvidos aos assessores e desconfia de tudo que lhe é apresentado como ideia para gerir o partido, preferindo a gestão autocrática, tradicional do mesmo, num processo de N’dotanização em que usurpa os poderes de todos os órgãos conhecidos, sobrepondo-se aos estatutos da organização.
Dhlakama é pois assim, um misto líder militar, e tradicional que não admite nenhuma contestação à sua liderança nem contraditório às suas ideias. Pode-se entender daqui que os sucessivos e infrutíferos episódios de se comportar como um animal político, como militarmente o foi. Dhlakama vai gerindo, quer a vida do seu partido/movimento, como a sua personalidade de maneira iníqua e perdendo os pontos que havia ganho ao longo da sua vida pública. Que culminaram no desabamento político da Renamo e na sua substituição pela mídia e pelos “miúdos” do MDM.
Os últimos acontecimentos revelam um Dhlakama apagado, um zombie, um fantasma de si próprio lançado impropérios vociferando ameaças numa voz envelhecida, sem a agilidade, enterrado vivo pelos seus seguidores (guerrilheiros o acólitos?) refém dos que sempre o acompanharam e recusam-se a afundar com ele e acompanhá-lo ao abismo que se criou aos pés da Renamo, vemos emergir um Manuel Bissopo, cuja arrogância procura criar uma espécie de Dhlakama rejuvenescido  herdeiro natural do “Chefe” que guie as gloriosas forças da Renamo para a vitória em Maputo.
Dhlakama, desde que chegou a Gorongosa, ido de Nampula, aparentemente nunca mais voltou a ser o mesmo, permanece sim refém dos seus, que o vêem definhar ante uma Frelimo que não soçobra às suas investidas, a um MDM que arrogantemente se posiciona nos lugares que ela vai deixando vagos e a lembra a cada dia da sua incapacidade de ler e de gerir os momentos políticos.
Assim a entourage de Dhlakama foi paulatinamente apagada do cenário político e vão surgindo novos falcões que procuram resgatar a gloriosa Renamo do momento pós-Roma, procurando influenciar a política nacional a seu favor, ensaiam passos perigosos em direcção à materialização de tais objectivos: convocam os “seus homens” do Rovuma ao Maputo, Rearmam-se, “arreganham” os dentes, exibem os músculos e atacam a polícia. Procuram desesperadamente recuperar o que lhes escapou da mão.
Dhlakama é neste episódio o Último Homem dos jovens (André Matadi Matsangaíça era um deles) que um comando branco rodesiano com as caras pintadas de preto os “salvou” das garras dos comunistas no campo de reeducação de N’Sakudzi e os pôs ao serviço dos interesses externos, foi assim que a democracia moçambicana foi parida. Jacob Salomão Sibinde, o Yá’qub Sybindi ele conhece a estória toda de Dhlakama, seu tio, the Last Man Standing, o “Último Homem” de uma estranha geração de jovens, que seguiu uma estranha via para dizer que não concordava com o que em comum se fazia pelo país e pelo futuro dos moçambicanos.
Rafael Shikhani

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