MARCO DO CORREIO
Olá Julião
Estás bem, amigo? Do meu lado está tudo normal, felizmente.
Mas estou-te a escrever por causa de uma coisa que me perturbou bastante no recente aniversário da Independência.
Estou a falar das declarações que o cidadão Armando Guebuza, que, cada vez o lamento mais, é o nosso Chefe de Estado, fez na Praça dos Heróis.
Talvez para fugir à responsabilidade de o Governo que dirige ter conduzido o país à guerra, Armando Guebuza escolheu a solução mais simples mas, ao mesmo tempo, a mais absurda: declarar que a paz em Moçambique não está em causa.
Para ele o assalto a um paiol militar com roubo de armas e munições, os ataques na principal estrada do país, que levaram a que, numa distância significativa, só se circule agora em coluna militar (e mesmo assim os ataques continuam...), o facto de a mais importante linha férrea do país, em termos económicos, estar fechada ao tráfico de passageiros e ao de carga de uma das principais mineradoras de carvão de Moatize e o facto de já terem morrido umas dezenas de pessoas, entre polícias, militares e civis, são “um incidente aqui e acolá”.
Grave atitude de irresponsabilidade da parte de alguém que, quanto a mim, é um dos principais responsáveis pela tragédia que está a começar no país.
Mas onde senti a total insensibilidade daquele dirigente foi quando declarou que as negociações são sempre coisas demoradas, e deu como exemplo o facto de ele ter estado dois anos em Roma até o Governo ter conseguido assinar o Acordo de Paz com a Renamo.
Quererá Armando Guebuza dizer-nos que vamos ter que esperar dois anos, com gente a morrer na estrada, enquanto as duas delegações fingem que negoceiam? Enquanto o Governo faz um bicho de sete cabeças para aceitar uma mudança na composição da Comissão Nacional de Eleições para evitar que o partido Frelimo faça e desfaça nos próximos processos eleitorais?
E não me venham com a fantochada de que há divisão de poderes entre o Executivo e o Parlamento e um não pode interferir no outro. Sendo o Governo dirigido pelo partido Frelimo e o mesmo acontecendo com a bancada maioritária da Assembleia da República, isso é uma mera presunção legal sem quaisquer efeitos práticos, no nosso caso.
Por tudo isto estou cada vez mais preocupado. O Governo, dirigido por Armando Guebuza, é um duro penedo, sem qualquer flexibilidade, incapaz de qualquer negociação séria, seja com quem for. A recente greve dos médicos e pessoal da Saúde foi mais uma prova cabal disso. Morra quem morrer o Governo não arreda pé, nem um centímetro. E isso só pode levar ao crescer do desastre, nunca ao final dos conflitos. E, ao não aceitarem facilitadores do diálogo nem mediadores, Guebuza e os seus estão a reafirmar que são apenas eles que querem, podem e mandam.
A continuarmos assim creio que o sangue que já correu vai ser apenas uma pequena gota em relação ao que ainda vai correr.
Espero que quem tiver força para travar esta loucura o faça. E creio que uma solução teria de passar pela demissão de Armando Guebuza dos cargos que ocupa e sua substituição por alguém mais dialogante. Estou em crer que, em caso de saída do Chefe de Estado nesta altura do mandato, deverá ser substituído pela Presidente da Assembleia da República. Talvez não fosse uma má solução...
Um abraço para ti do
Machado da Graça
In "CORREIO DA MANHÃ – 28.06.2013"
Olá Julião
Estás bem, amigo? Do meu lado está tudo normal, felizmente.
Mas estou-te a escrever por causa de uma coisa que me perturbou bastante no recente aniversário da Independência.
Estou a falar das declarações que o cidadão Armando Guebuza, que, cada vez o lamento mais, é o nosso Chefe de Estado, fez na Praça dos Heróis.
Talvez para fugir à responsabilidade de o Governo que dirige ter conduzido o país à guerra, Armando Guebuza escolheu a solução mais simples mas, ao mesmo tempo, a mais absurda: declarar que a paz em Moçambique não está em causa.
Para ele o assalto a um paiol militar com roubo de armas e munições, os ataques na principal estrada do país, que levaram a que, numa distância significativa, só se circule agora em coluna militar (e mesmo assim os ataques continuam...), o facto de a mais importante linha férrea do país, em termos económicos, estar fechada ao tráfico de passageiros e ao de carga de uma das principais mineradoras de carvão de Moatize e o facto de já terem morrido umas dezenas de pessoas, entre polícias, militares e civis, são “um incidente aqui e acolá”.
Grave atitude de irresponsabilidade da parte de alguém que, quanto a mim, é um dos principais responsáveis pela tragédia que está a começar no país.
Mas onde senti a total insensibilidade daquele dirigente foi quando declarou que as negociações são sempre coisas demoradas, e deu como exemplo o facto de ele ter estado dois anos em Roma até o Governo ter conseguido assinar o Acordo de Paz com a Renamo.
Quererá Armando Guebuza dizer-nos que vamos ter que esperar dois anos, com gente a morrer na estrada, enquanto as duas delegações fingem que negoceiam? Enquanto o Governo faz um bicho de sete cabeças para aceitar uma mudança na composição da Comissão Nacional de Eleições para evitar que o partido Frelimo faça e desfaça nos próximos processos eleitorais?
E não me venham com a fantochada de que há divisão de poderes entre o Executivo e o Parlamento e um não pode interferir no outro. Sendo o Governo dirigido pelo partido Frelimo e o mesmo acontecendo com a bancada maioritária da Assembleia da República, isso é uma mera presunção legal sem quaisquer efeitos práticos, no nosso caso.
Por tudo isto estou cada vez mais preocupado. O Governo, dirigido por Armando Guebuza, é um duro penedo, sem qualquer flexibilidade, incapaz de qualquer negociação séria, seja com quem for. A recente greve dos médicos e pessoal da Saúde foi mais uma prova cabal disso. Morra quem morrer o Governo não arreda pé, nem um centímetro. E isso só pode levar ao crescer do desastre, nunca ao final dos conflitos. E, ao não aceitarem facilitadores do diálogo nem mediadores, Guebuza e os seus estão a reafirmar que são apenas eles que querem, podem e mandam.
A continuarmos assim creio que o sangue que já correu vai ser apenas uma pequena gota em relação ao que ainda vai correr.
Espero que quem tiver força para travar esta loucura o faça. E creio que uma solução teria de passar pela demissão de Armando Guebuza dos cargos que ocupa e sua substituição por alguém mais dialogante. Estou em crer que, em caso de saída do Chefe de Estado nesta altura do mandato, deverá ser substituído pela Presidente da Assembleia da República. Talvez não fosse uma má solução...
Um abraço para ti do
Machado da Graça
In "CORREIO DA MANHÃ – 28.06.2013"
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