quinta-feira, 23 de maio de 2013

Crónicas do País Profundo II – Road to Pemba




Livre Pensador

Crónicas do País Profundo II – Road to Pemba

Antes de deixar Mocímboa, dei uma vista de olhos ao comércio local. Tudo funciona, grosso modo, como no tempo dos cantineiros portugueses. Vendas a crédito por dinheiro ou por escambo a pescadores, madeireiros, carvoeiros ou até pequenos agricultores. Intermediários ganhando comissões dos grossistas de Pemba ou por vezes, de Nampula e Nacala. E muitos vendedores de quase tudo Made in China, India ou Pakistan, vindos da Tanzania ou da região dos Grandes Lagos. Há também um campo de futebol e outro de básquete, onde a malta jovem de vez em quando vai lá esticar o esqueleto.
Quanto à gestão municipal, não obstante a nuvem de ONGs que por lá pululam para “ensinar” o município a governar uma vila com estatuto de cidade, 200 metros de estrada alcatroada foi tudo que viu em 4 anos de consulado. O resto é buracada onde não se sabe se é areia ou asfalto. Sendo que a estrada em questão vai ter ao famoso aeródromo e dalí irá também ligar-se a Palma. Patrão que é patrão...
E foi por esse tapete inusitado que peguei a estrada até Pemba, numa viagem infernal até Macomia, no esquiva-cratera ou em terra batida pelo mato adentro (por causa das famosas obras que iniciaram em 2009). Aqui duas empresas portuguesas empatam as obras até dizer chega. São quase 200 km de estrada por asfaltar desde 2009. Ainda não fizeram sequer 50 e todos, troços separados por vias de terra batida! Mas a partir de Macomia tudo se transfigura, a estrada torna-se num tapete, só com algumas irregularidades a partir de Meluco, mas passageiras, é o paraíso das bicicletas e das motas. Tudo funciona a duas rodas. E como verão este é um cenário que se repetirá nos próximos capítulos. Mesmo o governo central, posicionou lá as suas jóias tecnológicas, como por exemplo, uma delegação do inútil MCT e outros. ONGs gravitam também lá como mosquitos. Locais históricos da luta armada também, devidamenre sinalizados.
Chegado a Pemba, dou uma saltada para ver o aeroporto local. Está em obras de ampliação, na parte da sala de embarque e desembarque. Outra empresa portuguesa. Enquanto isso, o embarque e o desembarque vai se fazendo numa tenda de casamentos em lona climatizada. Inclui-se aqui, as lojas duty-free típicas de aeroportos “internacionais” como o de Pemba...
Dalí pega-se uma longa marginal, onde certos troços estão, como já é normal, esburacados. Em alguns casos, enlameados também, como é o exemplo da zona da base naval. Mas o cenário melhora à medida que vamos subindo em direcção à cidade alta. Pemba parece fervilhar apenas com o turismo ainda. Não obstante, é aqui onde se encontra o punhado de beneficiários do mega projecto da Anadarko. Conseguiram contratos de fornecimento de combustíveis e rent-a-car. Isto porque, para já, ainda não aterram cargueiros Antonov a jacto em Mocímboa da Praia. Tão logo a estrada Palma-Mocímboa esteja operacional, estes pembenses felizardos vão ficar a chuchar o dedo pois os Dodges e GMC vindos de Houston serão entregues directamente ao portador em Mocímboa. E tudo voltará ao que sempre foi para eles durante séculos. Intermediários dos grandes armazéns de Nampula e Nacala comprando matéria-prima aos locais e pagando com quinquilharia e bugigangas orientais. Colonialismo provincial por inépcia de uma estratégia inclusiva governamental...
O sector hoteleiro, já tradicional na urbe, é que parece ter um futuro mais próspero face a este mega projecto. Matéria-prima é que não falta. Praia do Wimbe, sol e mulheres bonitas. Tudo que um americano tranquilo desejará para recarregar baterias antes de regressar à plataforma. Há já serviços deluxe exclusivos de meretrizes ligando Maputo-Pemba para dalí partirem de helicóptero até Palma, onde a Anadarko montou uma pequena cidadela com instalações hoteleiras de alto quilate para a região. Em breve, poderão também rumar para Mocímboa, para o gáudio das locais.
Consequentemente, a febre do imobiliário está instalada em Pemba. Especulam-se terrenos e logo se constrói apart-hoteis ou mesmo condomínios sobretudo junto à zona do Wimbe. Já a oferta de restaurantes e bares é mais limitada. Tirando o Dolphin – um lugar de culto para os apreciadores do Blues e das beldades em bikini dos 4 cantos do mundo e que ilustra esta crónica, só tocossado mesmo para apascentar a fome. Ou então, as barracas! Mesmo assim, a demanda é muito maior que a oferta. Mas isto, tem colocado um quebra-cabeças muito grande à EDM. Por essa razão, é normal ter um corte de energia num desses el-dorados. Aí funciona o gerador a diesel, quando há diesel, porque agora, como contractos assegurados com mega projecto, o combustível por vezes escasseia na cidade. Aliás, como verão nos próximos episódios, a chegada destes mega projectos colocou desafios muito grandes ao Governo que nunca se preparou para o efeito.
Mesmo ciente da grande demanda de energia que haveria por causa da febre do imobiliário que data há vários anos ou das próprias demandas energéticas para operar com os equipamentos em terra, minas, etc. a EDM só vai fazendo papel de bombeiro. É outra promessa de desenvolvimento feita de helicóptero aquela que narra que o Estado está a investir em infra-estruturas energéticas e de telecomunicações para responder aos anseios da população. Se antes a oferta era insuficiente e de má qualidade, hoje, toda ela foi priorizada para assegurar os serviços mínimos dos mega projecto e empreendimentos correlatos de serviços prestados pelos moçambicanos felizardos. O grosso da população começa a adaptar novos estilos de vida, para suprir estas falhas estruturais na planificação do desenvolvimento económico do país.
O mesmo se pode dizer em relação ao fornecimento de água potável onde, não obstante a presença do FIPAG, é ainda a água do poço a melhor defesa de um empreendimento turístico. A chatice é que, por vezes, ela sai turva ou até salobra, como é o caso das áreas próximas ao mar.
Em suma, na cidade de Pemba, os pelouros das Obras Públicas e Transportes e Comunicações tem sido incapazes de apresentar um plano de acção com um horizonte de 10-20 anos para colmatar o problema. Estão à espera das PPPs. Está a ver por que não me espanto Américo Matavele?

No próximo capítulo vamos até Montepuez passando por Ancuabe e Namanhumbir.

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