Na edição de 28 de Março de 2013 o Jornal @Verdade publicou um texto intitulado “A nossa cobardia” como editorial. Eu comentei o mesmo na página on-line do jornal. Tanto o texto original como o meu comentário podem ser encontrados aqui: http://www.verdade.co.mz/ opiniao/editorial/ 35796-a-nossa-cobardia?fb_comme nt_id=fbc_366596660119507_1832 352_366937873418719#f14df9b13
A mais recente resposta (1 de Abril de 2013 às 19:46 minha hora) ao meu comentário foi feito por um senhor chamado José Carlos Portela (https://www.facebook.com/ josecarlos.portela.9) e transcrevo abaixo na integra:
"Uma sugestão para a menina NÚRIA: como ainda não está resolvido o problema da doença da mancha branca ( WSD), que está a dizimar o gostoso camarão da costa de Moçambique , graças aos virus vindos dos amigos chineses , que nos próximos anos , juntamente com os indianos serão produtores de inúmeros virus , atendendo o nível de poluição que fabricam , se dedicasse à investigação para combater o refeido virus, até porque eu não quero ficar privado desses lindo camarões "tigres", EM VEZ, de andar a armar-se em jornalista barata, paternalista, com incoerências e apelos sem conteúdo coerente, ...vá vamos a trabalhar para combater esse flagelo e outros que o oriente nos próximos anos irão despejar no indico......"
Resolvi partilhar este pequeno texto convoco porque aborda vários assuntos que temos estado a discutir nas últimas semanas. Há pontos e argumentos que eu por uma razão ou outra não levantei na altura mas que agora vejo oportunidade. Aproveito então esta para matar vários coelhos de uma cajadada só e sair da inércia.
Assuntos:
1 – “Argumentum ad hominem” que a Ximbitane Na Lenha trouxe a 17 de Março e o Juma Aiuba voltou a trazer ainda hoje (1 de Abril).
Esta é a falácia da lógica em que mais vezes caímos e vemos cair. No exemplo acima o autor em vez de abordar os aspectos que discorda dos meus argumentos resolve atacar-me a mim pessoalmente. No fim do seu texto há uma tentativa de abordagem dos argumentos em si, mas como apenas os adjetiva sem apresentar nenhum contra-argumento esta é uma tentativa falhada.
Em debate não serve apenas dizermos que não concordamos com um certo argumento ou que o achamos incoerente – cabe-nos também o trabalho de demonstrar onde estão as incoerências e de explicar porquê não concordamos com a tese.
A observação das leis básicas da lógica e das regras de debate faz com que as nossas conversas sejam mais que uma luta de palavras ou pontos. Eu acredito que o debate só vale a pena quando ambos os lados estão dispostos a ouvir o outro e a responder ao que o outro disse. A introdução de tópicos novos apenas serve para distrair e confundir a conversa e não contribui em nada para a resolução do problema em debate.
A minha esperança é que estas discussões que temos sobre este assunto ajudem a melhorar a qualidade dos debates que aqui temos.
2 – A Doença da Mancha Branca (as siglas em inglês são WSD ou WSSV) do camarão e o impacto que esta está a ter sobre a nossa produção tanto a partir da pesca como a partir da aquacultura – este assunto foi introduzido aqui noutra óptica pelo Gabriel Muthisse e eu queria ter na altura falado sobre esta parte; por outro lado no grupo “Sou Moçambicano” alguém reportou que há escassez de camarão no Banco de Sofala.
A Doença da Mancha Branca do camarão é causada por um vírus com o mesmo nome que infecta vários tecidos do animal e causa o aparecimento de manchas brancas no corpo seguidas de morte. O vírus é altamente contagioso infectando e matando quase 100% dos animais que entram em contacto com o mesmo. Não há maneira de curar esta doença e a prevenção é problemática apesar de não impossível. O vírus foi reportado pela primeira vez em Taiwan em 1992 e desde então tem se espalhado pela Ásia, América e Austrália. Até 2011 não havia nenhum caso em África. Em 2011 nós, Moçambique, tivemos o nosso primeiro surto de WSSV que resultou num decréscimo em 40% da pesca do camarão e no encerramento das atividades das 3 empresas de aquacultura do camarão em Moçambique (http://allafrica.com/stories/ 201110180868.html). Uma análise da estirpe do vírus presente em Moçambique mostrou que a estirpe mais próxima à nossa é uma da Arábia Saudita (resultados não publicados). Uma vez que o vírus está na nossa população selvagem, os camarões que estão no mar, é impossível vermo-nos livre deste. A população selvagem vai adquirir resistência com o passar do tempo e as empresas de aquacultura do camarão vão ter de ter mais controle durante o processo de produção para evitar a contaminação de tanques inteiros (isto já está a ser feito) – estas empresas estão a trabalhar em conjunto com a INAQUA, o INIP, o APCM e o Centro de Biotecnologia para garantir que a produção volte aos níveis anteriores.
Tudo isto enquadra-se no texto do Muthisse da seguinte maneira. Quando discutíamos o caso da empresa de aquacultura que ele apresentou foi questionada a necessidade de um curso superior para o funcionamento da mesma. Fazer aquacultura é em teoria muito simples, é como a agricultura – há milénios que os seres humanos fazem machambas. Mas no entanto existe o curso de engenharia agrónoma, estes profissionais conseguiram aumentar muito a produtividade das machambas nas últimas décadas. Com a aquacultura é a mesma coisa, uma pessoa não formada consegue produzir peixe ou marisco. Por outro lado, exatamente como na agricultura, um conhecimento mais aprofundado da matéria dá aos “farmeiros” instrumentos para a prevenção de pragas que podem acabar completamente com a produção.
Para matar a curiosidade a quem a possa ter, em 2011 quando aconteceu o surto de WSSV em Moçambique eu era a pessoa responsável pelo diagnóstico do camarão. E para quem estiver com medo de perder o camarão tigre, nós não somos os únicos produtores e a mesma espécie de camarão na Ásia já resiste a esta infecção de 1992, por isso não há razão nenhuma (por enquanto) para temer o desaparecimento do camarão tigre. Estas infecções são verdadeiros desastres em situação de aquacultura, mas no meio-ambiente não são assim tão más. A pesca sem controle é provavelmente um risco maior.
3 – A xenofobia – este assunto já foi trazido para debate por tanta gente aqui que não dá para por o nome de todos. Temos principalmente discutido xenofobia de moçambicanos para outros, principalmente portugueses; e de sul-africanos para moçambicanos (por causa do pobre Macie)
No texto que vos apresentei acima está patente uma outra xenofobia, desta vez contra os chineses principalmente e contra o oriente em geral. Temos várias vezes discutido sobre o que é xenofobia e o que não é. Ora, este é um bom exemplo de um texto com várias características xenófobas.
Primeiro, a que referi acima, o autor junta todos os países da Ásia no mesmo grupo (oriente), isto é faz uma separação clara entre “eles” e “nós” que não deixa espaço de encontro entre os dois. Segundo, o autor prossegue a acusar “eles” de serem a causa dos “nossos” problemas – neste caso a poluição e o surgimento de novas doenças. Terceiro, as premissas de ataque a “eles” são (a) estereotipadas (eles estão a poluir – se é verdade que a China e a Índia, devido à sua elevadíssima densidade populacional, estão a produzir níveis de poluição elevados também é verdade que estes países estão conscientes disto e que estão a exercer esforços para reverter e controlar a situação - http://www.cobsea.org/), (b) simplistas (os vírus vêm de lá – apesar de alguns vírus terem surgido na China, há tantos outros que surgiram noutro lado, por exemplo o HIV vem de África), (c) falaciosas (a poluição causa vírus – lixo nuclear talvez possa causar estirpes de vírus novas, mas os principais produtores de lixo nuclear não são nem a China nem a Índia; talvez o Japão, mas com certeza que a Europa e os Estados Unidos também entram na lista) e (d) pura e simplesmente erradas (a estirpe de Moçambique é parente da da Arábia Saudita e não da da China) – estas características das premissas de ataque ao “outro” são típicas de discursos xenófobos.
O que me preocupa neste texto em particular é a forma natural que o autor usa na sua xenofobia. Notem que só há uma tentativa de justificar o seu raciocínio xenófobo, quando diz que os vírus são causados pela poluição, todo o resto do texto não tem justificações. Isto é um indício de que estes argumentos são para o autor autoevidentes, isto é as características negativas dos chineses e orientais em geral são autoevidentes e não é preciso estar a explica-las. A razão pela qual eu acho este tipo de textos alarmantes, do ponto de vista de xenofobia, é que o autor já está na segunda fase da xenofobia, onde as características negativas são aceites como verdades que já não precisam de ser defendidas (vejam em comparação os textos anti alguns portugueses onde os autores ainda estão a tentar convencer a audiência de que há mesmo algo errado com algumas pessoas do grupo e onde a maior parte dos autores insiste em lembrar que é um sub-grupo). Este tipo de discursos de segunda fase de xenofobia contra os chineses e orientais tem estado a aumentar nos últimos anos a par e passo com o crescimento da economia chinesa e o retrair da economia europeia e americana. A terceira fase da xenofobia são discursos onde se exige que medidas sejam tomadas contra os “outros” – eu espero não chegar a ver esses textos!
Acabo nesta nota meio deprimente... No entanto devo admitir que o pequeno texto do senhor José Carlos Portela me divertiu bastante, espero que também vos tenha divertido a vocês!
Na edição de 28 de Março de 2013 o Jornal @Verdade publicou um texto intitulado “A nossa cobardia” como editorial. Eu comentei o mesmo na página on-line do jornal. Tanto o texto original como o meu comentário podem ser encontrados aqui: http://www.verdade.co.mz/
A mais recente resposta (1 de Abril de 2013 às 19:46 minha hora) ao meu comentário foi feito por um senhor chamado José Carlos Portela (https://www.facebook.com/
"Uma sugestão para a menina NÚRIA: como ainda não está resolvido o problema da doença da mancha branca ( WSD), que está a dizimar o gostoso camarão da costa de Moçambique , graças aos virus vindos dos amigos chineses , que nos próximos anos , juntamente com os indianos serão produtores de inúmeros virus , atendendo o nível de poluição que fabricam , se dedicasse à investigação para combater o refeido virus, até porque eu não quero ficar privado desses lindo camarões "tigres", EM VEZ, de andar a armar-se em jornalista barata, paternalista, com incoerências e apelos sem conteúdo coerente, ...vá vamos a trabalhar para combater esse flagelo e outros que o oriente nos próximos anos irão despejar no indico......"
Resolvi partilhar este pequeno texto convoco porque aborda vários assuntos que temos estado a discutir nas últimas semanas. Há pontos e argumentos que eu por uma razão ou outra não levantei na altura mas que agora vejo oportunidade. Aproveito então esta para matar vários coelhos de uma cajadada só e sair da inércia.
Assuntos:
1 – “Argumentum ad hominem” que a Ximbitane Na Lenha trouxe a 17 de Março e o Juma Aiuba voltou a trazer ainda hoje (1 de Abril).
Esta é a falácia da lógica em que mais vezes caímos e vemos cair. No exemplo acima o autor em vez de abordar os aspectos que discorda dos meus argumentos resolve atacar-me a mim pessoalmente. No fim do seu texto há uma tentativa de abordagem dos argumentos em si, mas como apenas os adjetiva sem apresentar nenhum contra-argumento esta é uma tentativa falhada.
Em debate não serve apenas dizermos que não concordamos com um certo argumento ou que o achamos incoerente – cabe-nos também o trabalho de demonstrar onde estão as incoerências e de explicar porquê não concordamos com a tese.
A observação das leis básicas da lógica e das regras de debate faz com que as nossas conversas sejam mais que uma luta de palavras ou pontos. Eu acredito que o debate só vale a pena quando ambos os lados estão dispostos a ouvir o outro e a responder ao que o outro disse. A introdução de tópicos novos apenas serve para distrair e confundir a conversa e não contribui em nada para a resolução do problema em debate.
A minha esperança é que estas discussões que temos sobre este assunto ajudem a melhorar a qualidade dos debates que aqui temos.
2 – A Doença da Mancha Branca (as siglas em inglês são WSD ou WSSV) do camarão e o impacto que esta está a ter sobre a nossa produção tanto a partir da pesca como a partir da aquacultura – este assunto foi introduzido aqui noutra óptica pelo Gabriel Muthisse e eu queria ter na altura falado sobre esta parte; por outro lado no grupo “Sou Moçambicano” alguém reportou que há escassez de camarão no Banco de Sofala.
A Doença da Mancha Branca do camarão é causada por um vírus com o mesmo nome que infecta vários tecidos do animal e causa o aparecimento de manchas brancas no corpo seguidas de morte. O vírus é altamente contagioso infectando e matando quase 100% dos animais que entram em contacto com o mesmo. Não há maneira de curar esta doença e a prevenção é problemática apesar de não impossível. O vírus foi reportado pela primeira vez em Taiwan em 1992 e desde então tem se espalhado pela Ásia, América e Austrália. Até 2011 não havia nenhum caso em África. Em 2011 nós, Moçambique, tivemos o nosso primeiro surto de WSSV que resultou num decréscimo em 40% da pesca do camarão e no encerramento das atividades das 3 empresas de aquacultura do camarão em Moçambique (http://allafrica.com/stories/
Tudo isto enquadra-se no texto do Muthisse da seguinte maneira. Quando discutíamos o caso da empresa de aquacultura que ele apresentou foi questionada a necessidade de um curso superior para o funcionamento da mesma. Fazer aquacultura é em teoria muito simples, é como a agricultura – há milénios que os seres humanos fazem machambas. Mas no entanto existe o curso de engenharia agrónoma, estes profissionais conseguiram aumentar muito a produtividade das machambas nas últimas décadas. Com a aquacultura é a mesma coisa, uma pessoa não formada consegue produzir peixe ou marisco. Por outro lado, exatamente como na agricultura, um conhecimento mais aprofundado da matéria dá aos “farmeiros” instrumentos para a prevenção de pragas que podem acabar completamente com a produção.
Para matar a curiosidade a quem a possa ter, em 2011 quando aconteceu o surto de WSSV em Moçambique eu era a pessoa responsável pelo diagnóstico do camarão. E para quem estiver com medo de perder o camarão tigre, nós não somos os únicos produtores e a mesma espécie de camarão na Ásia já resiste a esta infecção de 1992, por isso não há razão nenhuma (por enquanto) para temer o desaparecimento do camarão tigre. Estas infecções são verdadeiros desastres em situação de aquacultura, mas no meio-ambiente não são assim tão más. A pesca sem controle é provavelmente um risco maior.
3 – A xenofobia – este assunto já foi trazido para debate por tanta gente aqui que não dá para por o nome de todos. Temos principalmente discutido xenofobia de moçambicanos para outros, principalmente portugueses; e de sul-africanos para moçambicanos (por causa do pobre Macie)
No texto que vos apresentei acima está patente uma outra xenofobia, desta vez contra os chineses principalmente e contra o oriente em geral. Temos várias vezes discutido sobre o que é xenofobia e o que não é. Ora, este é um bom exemplo de um texto com várias características xenófobas.
Primeiro, a que referi acima, o autor junta todos os países da Ásia no mesmo grupo (oriente), isto é faz uma separação clara entre “eles” e “nós” que não deixa espaço de encontro entre os dois. Segundo, o autor prossegue a acusar “eles” de serem a causa dos “nossos” problemas – neste caso a poluição e o surgimento de novas doenças. Terceiro, as premissas de ataque a “eles” são (a) estereotipadas (eles estão a poluir – se é verdade que a China e a Índia, devido à sua elevadíssima densidade populacional, estão a produzir níveis de poluição elevados também é verdade que estes países estão conscientes disto e que estão a exercer esforços para reverter e controlar a situação - http://www.cobsea.org/), (b) simplistas (os vírus vêm de lá – apesar de alguns vírus terem surgido na China, há tantos outros que surgiram noutro lado, por exemplo o HIV vem de África), (c) falaciosas (a poluição causa vírus – lixo nuclear talvez possa causar estirpes de vírus novas, mas os principais produtores de lixo nuclear não são nem a China nem a Índia; talvez o Japão, mas com certeza que a Europa e os Estados Unidos também entram na lista) e (d) pura e simplesmente erradas (a estirpe de Moçambique é parente da da Arábia Saudita e não da da China) – estas características das premissas de ataque ao “outro” são típicas de discursos xenófobos.
O que me preocupa neste texto em particular é a forma natural que o autor usa na sua xenofobia. Notem que só há uma tentativa de justificar o seu raciocínio xenófobo, quando diz que os vírus são causados pela poluição, todo o resto do texto não tem justificações. Isto é um indício de que estes argumentos são para o autor autoevidentes, isto é as características negativas dos chineses e orientais em geral são autoevidentes e não é preciso estar a explica-las. A razão pela qual eu acho este tipo de textos alarmantes, do ponto de vista de xenofobia, é que o autor já está na segunda fase da xenofobia, onde as características negativas são aceites como verdades que já não precisam de ser defendidas (vejam em comparação os textos anti alguns portugueses onde os autores ainda estão a tentar convencer a audiência de que há mesmo algo errado com algumas pessoas do grupo e onde a maior parte dos autores insiste em lembrar que é um sub-grupo). Este tipo de discursos de segunda fase de xenofobia contra os chineses e orientais tem estado a aumentar nos últimos anos a par e passo com o crescimento da economia chinesa e o retrair da economia europeia e americana. A terceira fase da xenofobia são discursos onde se exige que medidas sejam tomadas contra os “outros” – eu espero não chegar a ver esses textos!
Acabo nesta nota meio deprimente... No entanto devo admitir que o pequeno texto do senhor José Carlos Portela me divertiu bastante, espero que também vos tenha divertido a vocês!
Sem comentários:
Enviar um comentário
MTQ