Por Gustavo Mavie
A liderança da Renamo acaba de confirmar, de forma tácita, que exige mais dinheiro do governo, para além dos três milhões de meticais (cerca de 100 mil dólares ao câmbio corrente) que, segundo o seu antigo secretário-geral, vem recebendo e que em 1992 se situava naquele montante e que agora pode ter sido incrementado no orçamento deste ano de 2013.
Este montante faz parte do que tem direito o Erario público como um dos três partidos com assento na Assembleia da República, o parlamento moçambicano.
A Renamo diz que precisa de mais dinheiro acima dos três milhões para para garantir a transição da sua antiga força militar em partido político de forma“tranquila e sem grandes sobressaltos”.
Esta exigência vem contida numa carta endereçada ao Executivo moçambicano, datada de 26 de Abril corrente, na qual solicita a retomada urgente do diálogo mantido entre as duas partes no ano passado e que veio a ser abandonado pela prórpia Renano alegando que não havia seriedade da parte do governo.
Na carta, a liderança da Renamo exige este aumento do dinheiro sob o argumento de que tendo “a Renamo sido signatária e parceira do Governo no AGP, não entende porque razão continua pura e simplesmente excluída do usufruto de toda a riqueza que é fruto da paz que ajudou a conquistar e manter durante estes vinte anos”.
Este extracto desta carta assinada pelo Dr. Augusto Mateus, Chefe do Gabinete do líder da Renamo, indica claramente que a Renamo sente-se no direito inalienável de desfrutar elasticamente das riquezas do país, apenas pelo facto de ter sido um dos signatários do Acordo Geral de Paz (AGP) de Roma em 1992. Digo elasticamente porque os três milhões que já recebe são provenientes dessas riquezas e não uma oferenda divina.
Os que tiveram acesso a referida carta, como foi o meu caso, interrogam-se como é que a Renamo exige mais dinheiro quando sabe que até serviços vitais para o povo de que tanto fala, tais como os serviços de saúde, funcionam com um orçamento exíguo e incapaz de garantir a assistência sanitária para os 23 milhões de moçambicanos.
No AGP, que evoca para que lhe seja pago mais dinheiro, a Renamo comprometeu-se a parar com a guerra que então movia ao serviço do então regime do apartheid da vizinha África do Sul, e que a usava como um dos seus tentáculos para tentar derrubar o governo moçambicano, apenas porque apoiava a luta que o povo sul-africano travava então para destruir aquele sistema diabólico considerado até pelas Nações Unidas como “um crime contra a humanidade”.
Muitas pessoas questionam se a Renamo exige que lhe seja paga pelo facto de ter movido uma guerra de desestabilização, que provocou a morte de um milhão de moçambicanos e reduziu o país às cinzas, o que dizer do outro signatário do AGP que soube defender esse povo que estava sendo dizimando por todos os meios possíveis por aquele antigo movimento rebelde?
Vincam que se o governo tiver que pagar a Renamo por ter deposto as armas e garantir a paz em Moçambique, não será legítimo que a Frelimo exija também que seja paga por ter sido um dos seus subscritores?
Ademais, caso se pague à Renamo, a Frelimo poderá ver nesse precedente razão suficiente para também exigir retroactivamente que lhe seja paga por ter subscrito o Acordo de Lusaka com Portugal, e que resultou na independência de Moçambique.
Muito embora seja temperada com argumentos e até sofismas com que tenta dar-lhe cores que tornem esta sua exigência aceitável, a liderança a Renamo diz que ela não está em condições de fazer a transição de uma organização militar para partido político.
“O processo de transformação de um movimento militar para um Partido Político, impõe a criação de um leque de condições materiais de vária índole com vista a assegurar uma transição tranquila e sem grandes sobressaltos”, diz a Renamo na sua carta.
A Renamo apresenta muitas outras exigências que deverão ser satisfeitas pelo governo e vinca que “para manter uma máquina como a Renamo, exige-se uma robustez financeira que passa, necessariamente, pela criação de condições concretas”.
É´ aqui onde a liderança da Renamo omite os milhões que foi recebendo ao longo destes 20 anos em que abandonou as armas e tentou transformar-se em partido político que agora diz que ainda não conseguiu ser.
Por isso, exige mais dinheiro. O mais grave é que nunca justificou a aplicação desse dinheiro.
Como já disse, a Renamo recebeu avultados fundos do Orçamento do Estado que lhe é canalizado pelo Tesouro em função do número de deputados na AR.
Esses fundos chegaram a ser bem mais chorudos quando tinha uma bancada de 119 deputados de entre os 250 que compõem o parlamento moçambicano.
O antigo Secretário-geral da Renamo, Viana Magalhães, confirmou em 2012 numa entrevista, pouco depois de ser substituído pelo actual Manuel Bissopo, que a Renamo recebia três milhões de meticais por mês.
Ele alegava que não era suficiente, pois a suas despesas estavam orçadas entre nove a 10 biliões. Mas nunca o partido justificou o destino dos três milhões, até ao ponto de nunca terem feito um único Congresso de relevo, contrariamente à Frelimo e o MDM que fizeram o ano passado congressos, apesar deste último ter pouco mais de dois anos de existência.
Além de não ter realizado nenhum congresso ou se transformado em partido politico, é o facto de Magalhães ter dito que a Renamo possui uma dívida estimada entre 20 a 23 milhões de meticais contraídas junto de várias instituições e pessoas singulares.
Na verdade, a Renamo não conseguiu transformar-se em partido político viável e robusto porque a sua liderança geriu mal o dinheiro concedido pelo Estado, bem como geriu mal todos os fundos que recebeu de outras fontes ao longo destes 20 anos, como os que amealhou da então ONUMOZ, ou seja, das Nações Unidas que, neste caso, supervisionaram durante dois anos a implementação do AGP.
A má gestão foi a causa que ditou a falência da Renamo e inviabilizou a sua transição de uma organização militar a partido político.
A prova de que o insucesso da Renamo deve-se à má gestão é o facto de o MDM, um partido com apenas dois anos de existência, estar a dar sinais que é melhor que a Renamo, apesar de possuir uma bancada muito reduzida e, por isso, uma fatia reduzida que lhe cabe do bolo concedido pelo Estado aos partidos políticos com representação na AR.
A Renamo sempre usou a sua força militar para exigir o que não tem direito á luz da lei. Este facto tem sustentação pelo seu passado bem documento num estudo da revista Africa Watch, publicada nos finais dos anos 90.
O estudo revela que o falecido multimilionário, Tiny Rowland, pagou ao líder da Renamo, Afonso Dhlakama, para que este aceitasse deslocar-se a Roma e assinar o AGP com o antigo presidente Joaquim Chissano.
Com isso, Rowland queriam impedir a destruição dos seus empreendimentos em Moçambique e que eram geridos pela Lonrho Moçambique.
Nesse estudo, que eu tive acesso através de um dos seus autores, o conceituado académico britânico Alex Vaines, agora á frente da Chantam House em Londres, revela que Dhlakama assinou o AGP em troca do que recebeu, e foi essa a maior motivação para acabar a guerra em Moçambique.
GM/sg
AIM – 29.04.2013
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