Reflexao do Elisio Macamo
Sou fã de Guebuza
Esta revelação não vai ser surpresa para quem há muito concluíu que ou fui comprado pela Frelimo, ou quero qualquer coisa dela. Ser governador de Gaza, por exemplo, como tenho dito. Prontos, isso já está dito e espero que poupe a alguns a maçada de insistir nisso na discussão que espero que este “post” suscite, embora duvide que esses o leiam porque é longo... Mas é sério. Acho que Guebuza é, talvez, o melhor Chefe de Estado que o nosso país jamais teve. É verdade que a comparação é difícil pelo facto de só termos tido três e também por cada um deles ter governado um país completamente diferente. Nessa perspectiva, as fraquezas de cada um estão relacionadas com as condições estruturais do Moçambique que eles governaram. A aparente impopularidade de Guebuza hoje é algo que Chissano e Samora também sofreram, o que torna hipócritas os encómios feitos a estes últimos nos dias que correm.
Samora Machel fez a transição da situação colonial para a independência, pensou Moçambique como projecto – ou acreditou naqueles que o pensaram – mas acreditou tanto nesse projecto até ao ponto de o confundir com a realidade. Para mim foi o pior chefe de estado que já tivemos pelo legado totalitário, hostil à legalidade e à dignidade humana que caracterizou o seu projecto. Admira-me a sua popularidade no seio de alguns sectores da juventude. Joaquim Chissano teve a difícil tarefa de devolver o amor-próprio a uma nação traumatizada – ao estilo norte coreano – pela perda do líder máximo. Fê-lo com brio e ainda mais com a cereja que o fim da guerra foi. Foi um bom chefe de estado que pecou, contudo, por não ter impedido que o país fosse transformado num parque de jogos da indústria do desenvolvimento. Este legado comprometeu seriamente o surgimento dum pensamento político nacional genuino que não fosse a repetição dos lugar-comuns dessa indústria nefasta. O ruído que passa por debate intelectual que a gente vê no Facebook é sintomático do peso desses lugar-comuns.
Curiosamente, foi este legado problemático que desenhou praticamente o projecto político de Guebuza, projecto esse que ainda mal articulado no início – e depois aparentemente abandonado – animou muita gente, injectou nova energia à Frelimo (Guebuza teve o grande mérito de ter ensaiado uma importante reconciliação interna do partido, pelo menos no seu primeiro mandato) e criou, pela primeira vez no país, a possibilidade de se pensar Moçambique doutra maneira. O hábito que se tornou criticar tudo quanto ele diz e faz não nos deve impedir de reconhecer que é o Presidente que melhores resultados eleitorais teve, o que mesmo num contexto tão viciado como o nosso, deveria ser digno de nota.
De alguns tempos para cá, sobretudo nos últimos três anos, virou moda responsabilizá-lo por tudo quanto anda mal. É verdade que algumas das críticas são merecidas. As Presidências Abertas, por exemplo, têm sido basicamente gastos irresponsáveis de dinheiro que o país não tem. As ligações com indivíduos de conduta duvidosa – como o proprietário do Maputo Shopping que é acusado pelos americanos de ser um barão da droga – não revelam um sentido apurado de Estado. Os seus próprios negócios têm comprometido seriamente a transparência do aparelho do Estado. Mais uma vez: estas são críticas merecidas que ensombram a imagem dum político que, em minha opinião, é muito melhor do que a sua própria reputação e que a história – que é mais piedosa do que os críticos de ocasião – um dia vai reconhecer devidamente (a Frelimo vai ter que me recompensar bem por isto!). Mas não nos esqueçamos: Guebuza foi dos poucos que fez frente a Samora Machel; ao contrário das lendas que andam por aí, não foi o autor de 24/20, não foi quem fez a tristemente famosa “Operação Produção”, opôs-se à re-introdução do castigo corporal (Chamboco) e, acima de tudo, teve a coragem da paz e merece tanto apreço quanto Chissano que andava a fazer comícios a perguntar retoricamente à população se ela queria que o governo negociasse com gente que mutilava, torturava e matava indiscriminadamente.
Há uma sociologia própria do poder em Moçambique que precisa de ser estudada com cuidado como contraponto à tendência vincada de se procurar bodes expiatórios para os nossos problemas. Essa sociologia explica porque apesar de toda a boa vontade que animou o projecto político de Guebuza na sucessão a Chissano ele possa terminar mal. É uma sociologia que tem, por um lado, a ver com a noção fantástica que se tem de Moçambique, mas também, e por outro lado, com a vida própria que as coisas políticas podem ganhar até ao ponto de nos fazerem esquecer porque as queríamos. Na verdade, o verdadeiro propósito deste “post” é discutir essa sociologia do poder e arrefecer o interesse pela singularização dos nossos problemas.
Já reflecti sobre essa noção fantástica numa série de textos sobre o “poder da Frelimo”. Aqui basta um pequeno reparo. Moçambique, para todos os efeitos, virou uma grande ilusão que é artefacto de temores muitas vezes infundados, mas que podem ter efeitos reais em virtude da força das crenças que lhes subjazem, temores esses que têm principalmente a ver com a tendência de dar à Frelimo poderes quase míticos que não tem, uma coerência de acção que ela, na verdade, não tem, e consistência na persecussão de objectivos que ela também não tem. A julgar pela sua actuação, claro. Mas é a partir destes temores que indivíduos bem espertos podem autorizar ou impedir acções em nome da “Frelimo”; auto-intitulados críticos podem desfiar teorias de conspiração que os confortam na sua procura de certezas; e profissionais sem nenhuma integridade moral podem violar a sua deontologia em nome de algo que é apenas fruto da sua imaginação. Há dois “Moçambiques” aí, um que é real e é vivido quotidianamente pelas pessoas, e outro que é mera ilusão, fruto do pavor que se tem à dor de pensar. Esse Moçambique fantástico ocupa muito espaço no Facebook, tornou-se a razão de ser de muita gente.
Quanto à vida própria das coisas políticas, bom, o melhor exemplo disso é a crítica ao chamado espírito do deixa-andar. Guebuza reconheceu um problema sério no funcionamento do aparelho de Estado. Reconheceu que a indiferença tinha tomado de assalto o aparelho e que com ela dificilmente seria possível realizar o potencial económico do nosso país. Foi uma observação astuta que precisava de operacionalização que nunca veio a acontecer. Antes pelo contrário: quem devia ter feito essa operacionalização optou pelo mais simples, e errado, que foi interpretá-la como crítica a Chissano. Isso cavou trincheiras no interior da Frelimo que a puxaram para lugares onde a ideia inicial não queria ir. Ou por outra, Guebuza parece ter subestimado o potencial destrutivo que boas ideias podem ter quando elas são formuladas em contextos dentro dos quais as pessoas que as devem operacionalizar são essencialmente politicamente motivadas.
O outro exemplo marcante é o que agora virou a “arrogância” da Frelimo na percepção pública. Com efeito, as retumbantes vitórias eleitorais de Guebuza que foram, em parte, resultado dum grande investimento na reogarnização do partido Frelimo, mas em parte beneficiaram também do seu controlo do aparelho de Estado – que, entre outras coisas, tornou a Frelimo “sexy” a jovens ambiciosos, mas inteligentes, aos homens de negócios, incluíndo os de conduta duvidosa, etc. – foram, de novo, interpretadas de forma problemática por quem devia operacionalizar essa supremacia partidária. Animados por um espírito maquiavélico, alguns dos estrategas da Frelimo passaram a apostar na política como um jogo de soma-zero e identificaram uma verdadeira vitória eleitoral com a redução da oposição à insignificância. Mas Guebuza queria um partido forte para ele de facto dirigir, só que descurou o potencial destrutivo de quem não tem mais nada na cabeça do que a política como fim.
É importante ter esta sociologia presente na avaliação do desempenho de Guebuza, mas também na apreciação do que impede Moçambique de realizar o seu potencial. Abro um parêntesis para dizer que o “dicionário urbano” que Bayano Valy tem vindo a compor com um sentido extraordinário de humor desenha muito bem os contornos desta sociologia. Documenta o que está errado com a nossa sociedade e porque ela produz os políticos que produz. Pela sua biografia e pelos seus pronunciamentos tudo indica que ele, refiro-me a Guebuza, é um homem frontal e pragmático. Nos bastidores – há um gosto incrível da conversa de bastidores na Pérola do Índico – diz-se que Guebuza não gosta de crítica e quer gente subserviente ao seu redor. Pode ser, não sei dizer porque não privo com ele. Normalmente as pessoas que dizem isto são pessoas que dizem que ouviram de ministros (demitidos ou ainda em exercício de funções). O que me espanta, porém, é que na discussão pública usemos isso como ensejo para criticarmos os defeitos de Guebuza. Nunca ocorreu a ninguém perguntar aos ministros que se queixam o que fizeram ou fazem, em privado e em público, para lutar por aquilo que eles acham ser bom para este país e que a chamada arrogância do Chefe de Estado compromete. Somos todos simplesmente vítimas, papel que adoramos de forma doentia. Acontece também em relação ao período de Samora. Há líderes de então, por exemplo, Jorge Rebelo, que não têm nenhum problema em dizer que Samora cometeu erros, mas não nos dizem o que eles próprios fizeram perante essa situação. Os erros são sempre do chefe, portanto, o problema é o chefe, nunca os nossos temores, nunca a nossa cobardia e nunca a nossa falta de integridade profissional e compromisso com o país.
Eu gosto de Guebuza e vou continuar a gostar mesmo que ele não me recompense por este pequeno serviço de lambe-botismo. Gosto dele porque ao contrário de muita gente neste imenso país age de acordo com princípios e, por causa disso mesmo, tem uma enorme capacidade de reconhecer e corrigir erros. Não preciso de concordar com os seus princípios, mas reconheço-os como plataforma de diálogo, como contexto normativo para o fazer reconhecer erros. Creio também que ele reconhece o mérito de quem age como ele e é firme nas suas convicções. É por isso também que ao contrário de todas as especulações que andam por aí não acredito que seja dele a ideia de arranjar subterfúgios para se manter no poder e que por tudo quanto o define como homem e político jamais cometeria a estupidez de adulterar a constituição só para ter mais um mandato. De certeza, astuto que é, ele vai querer festejar o seu octogésimo aniversário longe das câmaras de televisão...
Venham daí os habituais insultos. Ou a discussão genuina de ideias, tanto faz, estamos no país do Pandza...
Reflexao do Elisio Macamo
Sou fã de Guebuza
Esta revelação não vai ser surpresa para quem há muito concluíu que ou fui comprado pela Frelimo, ou quero qualquer coisa dela. Ser governador de Gaza, por exemplo, como tenho dito. Prontos, isso já está dito e espero que poupe a alguns a maçada de insistir nisso na discussão que espero que este “post” suscite, embora duvide que esses o leiam porque é longo... Mas é sério. Acho que Guebuza é, talvez, o melhor Chefe de Estado que o nosso país jamais teve. É verdade que a comparação é difícil pelo facto de só termos tido três e também por cada um deles ter governado um país completamente diferente. Nessa perspectiva, as fraquezas de cada um estão relacionadas com as condições estruturais do Moçambique que eles governaram. A aparente impopularidade de Guebuza hoje é algo que Chissano e Samora também sofreram, o que torna hipócritas os encómios feitos a estes últimos nos dias que correm.
Samora Machel fez a transição da situação colonial para a independência, pensou Moçambique como projecto – ou acreditou naqueles que o pensaram – mas acreditou tanto nesse projecto até ao ponto de o confundir com a realidade. Para mim foi o pior chefe de estado que já tivemos pelo legado totalitário, hostil à legalidade e à dignidade humana que caracterizou o seu projecto. Admira-me a sua popularidade no seio de alguns sectores da juventude. Joaquim Chissano teve a difícil tarefa de devolver o amor-próprio a uma nação traumatizada – ao estilo norte coreano – pela perda do líder máximo. Fê-lo com brio e ainda mais com a cereja que o fim da guerra foi. Foi um bom chefe de estado que pecou, contudo, por não ter impedido que o país fosse transformado num parque de jogos da indústria do desenvolvimento. Este legado comprometeu seriamente o surgimento dum pensamento político nacional genuino que não fosse a repetição dos lugar-comuns dessa indústria nefasta. O ruído que passa por debate intelectual que a gente vê no Facebook é sintomático do peso desses lugar-comuns.
Curiosamente, foi este legado problemático que desenhou praticamente o projecto político de Guebuza, projecto esse que ainda mal articulado no início – e depois aparentemente abandonado – animou muita gente, injectou nova energia à Frelimo (Guebuza teve o grande mérito de ter ensaiado uma importante reconciliação interna do partido, pelo menos no seu primeiro mandato) e criou, pela primeira vez no país, a possibilidade de se pensar Moçambique doutra maneira. O hábito que se tornou criticar tudo quanto ele diz e faz não nos deve impedir de reconhecer que é o Presidente que melhores resultados eleitorais teve, o que mesmo num contexto tão viciado como o nosso, deveria ser digno de nota.
De alguns tempos para cá, sobretudo nos últimos três anos, virou moda responsabilizá-lo por tudo quanto anda mal. É verdade que algumas das críticas são merecidas. As Presidências Abertas, por exemplo, têm sido basicamente gastos irresponsáveis de dinheiro que o país não tem. As ligações com indivíduos de conduta duvidosa – como o proprietário do Maputo Shopping que é acusado pelos americanos de ser um barão da droga – não revelam um sentido apurado de Estado. Os seus próprios negócios têm comprometido seriamente a transparência do aparelho do Estado. Mais uma vez: estas são críticas merecidas que ensombram a imagem dum político que, em minha opinião, é muito melhor do que a sua própria reputação e que a história – que é mais piedosa do que os críticos de ocasião – um dia vai reconhecer devidamente (a Frelimo vai ter que me recompensar bem por isto!). Mas não nos esqueçamos: Guebuza foi dos poucos que fez frente a Samora Machel; ao contrário das lendas que andam por aí, não foi o autor de 24/20, não foi quem fez a tristemente famosa “Operação Produção”, opôs-se à re-introdução do castigo corporal (Chamboco) e, acima de tudo, teve a coragem da paz e merece tanto apreço quanto Chissano que andava a fazer comícios a perguntar retoricamente à população se ela queria que o governo negociasse com gente que mutilava, torturava e matava indiscriminadamente.
Há uma sociologia própria do poder em Moçambique que precisa de ser estudada com cuidado como contraponto à tendência vincada de se procurar bodes expiatórios para os nossos problemas. Essa sociologia explica porque apesar de toda a boa vontade que animou o projecto político de Guebuza na sucessão a Chissano ele possa terminar mal. É uma sociologia que tem, por um lado, a ver com a noção fantástica que se tem de Moçambique, mas também, e por outro lado, com a vida própria que as coisas políticas podem ganhar até ao ponto de nos fazerem esquecer porque as queríamos. Na verdade, o verdadeiro propósito deste “post” é discutir essa sociologia do poder e arrefecer o interesse pela singularização dos nossos problemas.
Já reflecti sobre essa noção fantástica numa série de textos sobre o “poder da Frelimo”. Aqui basta um pequeno reparo. Moçambique, para todos os efeitos, virou uma grande ilusão que é artefacto de temores muitas vezes infundados, mas que podem ter efeitos reais em virtude da força das crenças que lhes subjazem, temores esses que têm principalmente a ver com a tendência de dar à Frelimo poderes quase míticos que não tem, uma coerência de acção que ela, na verdade, não tem, e consistência na persecussão de objectivos que ela também não tem. A julgar pela sua actuação, claro. Mas é a partir destes temores que indivíduos bem espertos podem autorizar ou impedir acções em nome da “Frelimo”; auto-intitulados críticos podem desfiar teorias de conspiração que os confortam na sua procura de certezas; e profissionais sem nenhuma integridade moral podem violar a sua deontologia em nome de algo que é apenas fruto da sua imaginação. Há dois “Moçambiques” aí, um que é real e é vivido quotidianamente pelas pessoas, e outro que é mera ilusão, fruto do pavor que se tem à dor de pensar. Esse Moçambique fantástico ocupa muito espaço no Facebook, tornou-se a razão de ser de muita gente.
Quanto à vida própria das coisas políticas, bom, o melhor exemplo disso é a crítica ao chamado espírito do deixa-andar. Guebuza reconheceu um problema sério no funcionamento do aparelho de Estado. Reconheceu que a indiferença tinha tomado de assalto o aparelho e que com ela dificilmente seria possível realizar o potencial económico do nosso país. Foi uma observação astuta que precisava de operacionalização que nunca veio a acontecer. Antes pelo contrário: quem devia ter feito essa operacionalização optou pelo mais simples, e errado, que foi interpretá-la como crítica a Chissano. Isso cavou trincheiras no interior da Frelimo que a puxaram para lugares onde a ideia inicial não queria ir. Ou por outra, Guebuza parece ter subestimado o potencial destrutivo que boas ideias podem ter quando elas são formuladas em contextos dentro dos quais as pessoas que as devem operacionalizar são essencialmente politicamente motivadas.
O outro exemplo marcante é o que agora virou a “arrogância” da Frelimo na percepção pública. Com efeito, as retumbantes vitórias eleitorais de Guebuza que foram, em parte, resultado dum grande investimento na reogarnização do partido Frelimo, mas em parte beneficiaram também do seu controlo do aparelho de Estado – que, entre outras coisas, tornou a Frelimo “sexy” a jovens ambiciosos, mas inteligentes, aos homens de negócios, incluíndo os de conduta duvidosa, etc. – foram, de novo, interpretadas de forma problemática por quem devia operacionalizar essa supremacia partidária. Animados por um espírito maquiavélico, alguns dos estrategas da Frelimo passaram a apostar na política como um jogo de soma-zero e identificaram uma verdadeira vitória eleitoral com a redução da oposição à insignificância. Mas Guebuza queria um partido forte para ele de facto dirigir, só que descurou o potencial destrutivo de quem não tem mais nada na cabeça do que a política como fim.
É importante ter esta sociologia presente na avaliação do desempenho de Guebuza, mas também na apreciação do que impede Moçambique de realizar o seu potencial. Abro um parêntesis para dizer que o “dicionário urbano” que Bayano Valy tem vindo a compor com um sentido extraordinário de humor desenha muito bem os contornos desta sociologia. Documenta o que está errado com a nossa sociedade e porque ela produz os políticos que produz. Pela sua biografia e pelos seus pronunciamentos tudo indica que ele, refiro-me a Guebuza, é um homem frontal e pragmático. Nos bastidores – há um gosto incrível da conversa de bastidores na Pérola do Índico – diz-se que Guebuza não gosta de crítica e quer gente subserviente ao seu redor. Pode ser, não sei dizer porque não privo com ele. Normalmente as pessoas que dizem isto são pessoas que dizem que ouviram de ministros (demitidos ou ainda em exercício de funções). O que me espanta, porém, é que na discussão pública usemos isso como ensejo para criticarmos os defeitos de Guebuza. Nunca ocorreu a ninguém perguntar aos ministros que se queixam o que fizeram ou fazem, em privado e em público, para lutar por aquilo que eles acham ser bom para este país e que a chamada arrogância do Chefe de Estado compromete. Somos todos simplesmente vítimas, papel que adoramos de forma doentia. Acontece também em relação ao período de Samora. Há líderes de então, por exemplo, Jorge Rebelo, que não têm nenhum problema em dizer que Samora cometeu erros, mas não nos dizem o que eles próprios fizeram perante essa situação. Os erros são sempre do chefe, portanto, o problema é o chefe, nunca os nossos temores, nunca a nossa cobardia e nunca a nossa falta de integridade profissional e compromisso com o país.
Eu gosto de Guebuza e vou continuar a gostar mesmo que ele não me recompense por este pequeno serviço de lambe-botismo. Gosto dele porque ao contrário de muita gente neste imenso país age de acordo com princípios e, por causa disso mesmo, tem uma enorme capacidade de reconhecer e corrigir erros. Não preciso de concordar com os seus princípios, mas reconheço-os como plataforma de diálogo, como contexto normativo para o fazer reconhecer erros. Creio também que ele reconhece o mérito de quem age como ele e é firme nas suas convicções. É por isso também que ao contrário de todas as especulações que andam por aí não acredito que seja dele a ideia de arranjar subterfúgios para se manter no poder e que por tudo quanto o define como homem e político jamais cometeria a estupidez de adulterar a constituição só para ter mais um mandato. De certeza, astuto que é, ele vai querer festejar o seu octogésimo aniversário longe das câmaras de televisão...
Venham daí os habituais insultos. Ou a discussão genuina de ideias, tanto faz, estamos no país do Pandza...
Sou fã de Guebuza
Esta revelação não vai ser surpresa para quem há muito concluíu que ou fui comprado pela Frelimo, ou quero qualquer coisa dela. Ser governador de Gaza, por exemplo, como tenho dito. Prontos, isso já está dito e espero que poupe a alguns a maçada de insistir nisso na discussão que espero que este “post” suscite, embora duvide que esses o leiam porque é longo... Mas é sério. Acho que Guebuza é, talvez, o melhor Chefe de Estado que o nosso país jamais teve. É verdade que a comparação é difícil pelo facto de só termos tido três e também por cada um deles ter governado um país completamente diferente. Nessa perspectiva, as fraquezas de cada um estão relacionadas com as condições estruturais do Moçambique que eles governaram. A aparente impopularidade de Guebuza hoje é algo que Chissano e Samora também sofreram, o que torna hipócritas os encómios feitos a estes últimos nos dias que correm.
Samora Machel fez a transição da situação colonial para a independência, pensou Moçambique como projecto – ou acreditou naqueles que o pensaram – mas acreditou tanto nesse projecto até ao ponto de o confundir com a realidade. Para mim foi o pior chefe de estado que já tivemos pelo legado totalitário, hostil à legalidade e à dignidade humana que caracterizou o seu projecto. Admira-me a sua popularidade no seio de alguns sectores da juventude. Joaquim Chissano teve a difícil tarefa de devolver o amor-próprio a uma nação traumatizada – ao estilo norte coreano – pela perda do líder máximo. Fê-lo com brio e ainda mais com a cereja que o fim da guerra foi. Foi um bom chefe de estado que pecou, contudo, por não ter impedido que o país fosse transformado num parque de jogos da indústria do desenvolvimento. Este legado comprometeu seriamente o surgimento dum pensamento político nacional genuino que não fosse a repetição dos lugar-comuns dessa indústria nefasta. O ruído que passa por debate intelectual que a gente vê no Facebook é sintomático do peso desses lugar-comuns.
Curiosamente, foi este legado problemático que desenhou praticamente o projecto político de Guebuza, projecto esse que ainda mal articulado no início – e depois aparentemente abandonado – animou muita gente, injectou nova energia à Frelimo (Guebuza teve o grande mérito de ter ensaiado uma importante reconciliação interna do partido, pelo menos no seu primeiro mandato) e criou, pela primeira vez no país, a possibilidade de se pensar Moçambique doutra maneira. O hábito que se tornou criticar tudo quanto ele diz e faz não nos deve impedir de reconhecer que é o Presidente que melhores resultados eleitorais teve, o que mesmo num contexto tão viciado como o nosso, deveria ser digno de nota.
De alguns tempos para cá, sobretudo nos últimos três anos, virou moda responsabilizá-lo por tudo quanto anda mal. É verdade que algumas das críticas são merecidas. As Presidências Abertas, por exemplo, têm sido basicamente gastos irresponsáveis de dinheiro que o país não tem. As ligações com indivíduos de conduta duvidosa – como o proprietário do Maputo Shopping que é acusado pelos americanos de ser um barão da droga – não revelam um sentido apurado de Estado. Os seus próprios negócios têm comprometido seriamente a transparência do aparelho do Estado. Mais uma vez: estas são críticas merecidas que ensombram a imagem dum político que, em minha opinião, é muito melhor do que a sua própria reputação e que a história – que é mais piedosa do que os críticos de ocasião – um dia vai reconhecer devidamente (a Frelimo vai ter que me recompensar bem por isto!). Mas não nos esqueçamos: Guebuza foi dos poucos que fez frente a Samora Machel; ao contrário das lendas que andam por aí, não foi o autor de 24/20, não foi quem fez a tristemente famosa “Operação Produção”, opôs-se à re-introdução do castigo corporal (Chamboco) e, acima de tudo, teve a coragem da paz e merece tanto apreço quanto Chissano que andava a fazer comícios a perguntar retoricamente à população se ela queria que o governo negociasse com gente que mutilava, torturava e matava indiscriminadamente.
Há uma sociologia própria do poder em Moçambique que precisa de ser estudada com cuidado como contraponto à tendência vincada de se procurar bodes expiatórios para os nossos problemas. Essa sociologia explica porque apesar de toda a boa vontade que animou o projecto político de Guebuza na sucessão a Chissano ele possa terminar mal. É uma sociologia que tem, por um lado, a ver com a noção fantástica que se tem de Moçambique, mas também, e por outro lado, com a vida própria que as coisas políticas podem ganhar até ao ponto de nos fazerem esquecer porque as queríamos. Na verdade, o verdadeiro propósito deste “post” é discutir essa sociologia do poder e arrefecer o interesse pela singularização dos nossos problemas.
Já reflecti sobre essa noção fantástica numa série de textos sobre o “poder da Frelimo”. Aqui basta um pequeno reparo. Moçambique, para todos os efeitos, virou uma grande ilusão que é artefacto de temores muitas vezes infundados, mas que podem ter efeitos reais em virtude da força das crenças que lhes subjazem, temores esses que têm principalmente a ver com a tendência de dar à Frelimo poderes quase míticos que não tem, uma coerência de acção que ela, na verdade, não tem, e consistência na persecussão de objectivos que ela também não tem. A julgar pela sua actuação, claro. Mas é a partir destes temores que indivíduos bem espertos podem autorizar ou impedir acções em nome da “Frelimo”; auto-intitulados críticos podem desfiar teorias de conspiração que os confortam na sua procura de certezas; e profissionais sem nenhuma integridade moral podem violar a sua deontologia em nome de algo que é apenas fruto da sua imaginação. Há dois “Moçambiques” aí, um que é real e é vivido quotidianamente pelas pessoas, e outro que é mera ilusão, fruto do pavor que se tem à dor de pensar. Esse Moçambique fantástico ocupa muito espaço no Facebook, tornou-se a razão de ser de muita gente.
Quanto à vida própria das coisas políticas, bom, o melhor exemplo disso é a crítica ao chamado espírito do deixa-andar. Guebuza reconheceu um problema sério no funcionamento do aparelho de Estado. Reconheceu que a indiferença tinha tomado de assalto o aparelho e que com ela dificilmente seria possível realizar o potencial económico do nosso país. Foi uma observação astuta que precisava de operacionalização que nunca veio a acontecer. Antes pelo contrário: quem devia ter feito essa operacionalização optou pelo mais simples, e errado, que foi interpretá-la como crítica a Chissano. Isso cavou trincheiras no interior da Frelimo que a puxaram para lugares onde a ideia inicial não queria ir. Ou por outra, Guebuza parece ter subestimado o potencial destrutivo que boas ideias podem ter quando elas são formuladas em contextos dentro dos quais as pessoas que as devem operacionalizar são essencialmente politicamente motivadas.
O outro exemplo marcante é o que agora virou a “arrogância” da Frelimo na percepção pública. Com efeito, as retumbantes vitórias eleitorais de Guebuza que foram, em parte, resultado dum grande investimento na reogarnização do partido Frelimo, mas em parte beneficiaram também do seu controlo do aparelho de Estado – que, entre outras coisas, tornou a Frelimo “sexy” a jovens ambiciosos, mas inteligentes, aos homens de negócios, incluíndo os de conduta duvidosa, etc. – foram, de novo, interpretadas de forma problemática por quem devia operacionalizar essa supremacia partidária. Animados por um espírito maquiavélico, alguns dos estrategas da Frelimo passaram a apostar na política como um jogo de soma-zero e identificaram uma verdadeira vitória eleitoral com a redução da oposição à insignificância. Mas Guebuza queria um partido forte para ele de facto dirigir, só que descurou o potencial destrutivo de quem não tem mais nada na cabeça do que a política como fim.
É importante ter esta sociologia presente na avaliação do desempenho de Guebuza, mas também na apreciação do que impede Moçambique de realizar o seu potencial. Abro um parêntesis para dizer que o “dicionário urbano” que Bayano Valy tem vindo a compor com um sentido extraordinário de humor desenha muito bem os contornos desta sociologia. Documenta o que está errado com a nossa sociedade e porque ela produz os políticos que produz. Pela sua biografia e pelos seus pronunciamentos tudo indica que ele, refiro-me a Guebuza, é um homem frontal e pragmático. Nos bastidores – há um gosto incrível da conversa de bastidores na Pérola do Índico – diz-se que Guebuza não gosta de crítica e quer gente subserviente ao seu redor. Pode ser, não sei dizer porque não privo com ele. Normalmente as pessoas que dizem isto são pessoas que dizem que ouviram de ministros (demitidos ou ainda em exercício de funções). O que me espanta, porém, é que na discussão pública usemos isso como ensejo para criticarmos os defeitos de Guebuza. Nunca ocorreu a ninguém perguntar aos ministros que se queixam o que fizeram ou fazem, em privado e em público, para lutar por aquilo que eles acham ser bom para este país e que a chamada arrogância do Chefe de Estado compromete. Somos todos simplesmente vítimas, papel que adoramos de forma doentia. Acontece também em relação ao período de Samora. Há líderes de então, por exemplo, Jorge Rebelo, que não têm nenhum problema em dizer que Samora cometeu erros, mas não nos dizem o que eles próprios fizeram perante essa situação. Os erros são sempre do chefe, portanto, o problema é o chefe, nunca os nossos temores, nunca a nossa cobardia e nunca a nossa falta de integridade profissional e compromisso com o país.
Eu gosto de Guebuza e vou continuar a gostar mesmo que ele não me recompense por este pequeno serviço de lambe-botismo. Gosto dele porque ao contrário de muita gente neste imenso país age de acordo com princípios e, por causa disso mesmo, tem uma enorme capacidade de reconhecer e corrigir erros. Não preciso de concordar com os seus princípios, mas reconheço-os como plataforma de diálogo, como contexto normativo para o fazer reconhecer erros. Creio também que ele reconhece o mérito de quem age como ele e é firme nas suas convicções. É por isso também que ao contrário de todas as especulações que andam por aí não acredito que seja dele a ideia de arranjar subterfúgios para se manter no poder e que por tudo quanto o define como homem e político jamais cometeria a estupidez de adulterar a constituição só para ter mais um mandato. De certeza, astuto que é, ele vai querer festejar o seu octogésimo aniversário longe das câmaras de televisão...
Venham daí os habituais insultos. Ou a discussão genuina de ideias, tanto faz, estamos no país do Pandza...
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