Jéssica Rafael e Chica Rafael, de 4 e 8 anos de idade, respectivamente, Afonso Rafael, de 11, e Hermínio Rafael, de 15, são crianças mas dirigem a sua família desde o dia em que a morte as separou dos pais. Deixadas à sua sorte, sem qualquer orientação e ensinamentos para a vida, de alguém mais velho, vivem, permanentemente, o drama da incerteza do amanhã. A partir dessa altura, passaram a enfrentar inúmeras dificuldades caracterizadas pela ausência das mais elementares condições para a sua sobrevivência. São meninos de rostos franzinos, com a infância e os desejos ofuscados pelos embaraços, sonhos desfeitos pela amargura da vida e cujos direitos básicos, tais como a educação, saúde, alimentação e o vestuário constituem, para si, letra-morta.
Segundo os petizes, que vivem no bairro de Namicopo, na Unidade Comunal Palmeiras 2, arredores da cidade de Nampula, a sua mãe perdeu a vida em 2011, no Hospital Central de Nampula, vítima de uma doença prolongada. O pai, Rafael Custódio, morreu num acidente de viação, no qual outras nove pessoas faleceram e quatro contraíram ferimentos graves, no distrito de Meconta, na província de Nampula.
Os meninos, esfarrapados e esfomeados, não têm nenhuma fonte de renda, por isso, vivem quase de esmola. As refeições têm sido irregulares e tudo quanto conseguem para comer é graças ao seu próprio esforço, uma vez que nenhum parente, materno ou paterno, lhes dá qualquer tipo de apoio. Vivem numa habitação construída com base em material precário e em avançado estado de degradação. No ano passado, segundo nos narram, uma das paredes desabou devido à chuva intensa. Foi reerguida com recurso a pau-a-pique e maticada, porém, não está segura porque o solo no qual a residência foi edificada é frágil.
Os quatro irmãos dizem que lutam arduamente para se alimentar, ter vestuário e suprir outras dificuldades. A sua batalha pela sobrevivência tornou-os “adultos” precocemente, mas afirmam que, apesar de a vida ser um autêntico martírio, conseguem “fintar” os embaraços com que se debatem e seguir, sozinhos, avante.
Jéssica, Chica, Afonso e Hermínio são parte das mais vinte mil crianças órfãs que se assumem como chefes de agregados familiares em Moçambique e cuidam dos irmãos mais novos, não obstante as causas que levam a este problema serem diferentes, pois, segundo o Ministério da Mulher e da Acção Social, uma parte significativa dos menores de idade, forçosamente responsáveis pelos lares, viu os pais morrerem vítimas de VIH/SIDA. Aliás, em todo o país, apontam dados oficiais, há 1,8 milhão de crianças órfãs e em situação de necessidade sem nenhuma ajuda.
Hermínio Rafael, pelo facto de ser o mais velho, bate-se incansavelmente para “não deixar faltar nada em casa”. Todavia, tem sido frequente não haver sequer um grão de arroz para cozinhar e, por via disso, os restantes membros da família vagueiam pelos lares dos amigos na esperança de que lhes seja servida alguma refeição. Caso contrário, passam fome, pois, como afirmam, “não temos ajuda de ninguém”. A sua mãe era uma vendeira de amendoim torrado, algures no bairro de Namicopo, e com os poucos rendimentos que obtinha da sua actividade garantia, pelo menos, uma refeição por dia.
Dos quatro irmãos, Chica, de 8 anos, que frequentava a Escola Primária de Namicopo 2, abandonou os estudos na 3ª classe alegadamente devido à fome. Ela recorda que antes de a sua progenitora perecer levava lanche para a escola, um privilégio do qual só ficaram memórias. Entretanto, a partir de um certo momento, sobretudo quando a sua mãe ficou hospitalizada, as dificuldades cresceram a ponto de não conseguir um metical sequer para comprar uma folha de exercícios. A falta de material escolar, alimentação, vestuário, sobretudo o amparo dos progenitores, são os problemas que mais inquietam a menina.
Afonso, de 11 anos, acrescentou desde que a mãe morreu a comida passou a ser uma autêntica dor de cabeça em sua casa. Actualmente, o menu é constituído, sempre que conseguem algo para levar ao lume – salvo quando pessoas de boa vontade oferecem alguma coisa diferente –, por karacata (chima feita com base em farinha de mandioca seca) acompanhada com peixe seco. “Há dias em que não temos nada para comer porque nos nossos reservatórios já não há comida. Ficamos a olhar uns para os outros ou para os vizinhos. Alguns, por pena, chamam-nos para comer com eles.”
A nossa Reportagem apurou que os ascendentes maternos destas quatro crianças encontram-se dispersos pelos diferentes distritos da província de Nampula. Aquando da morte da mãe de Jéssica, Chica, Afonso e Hermínio participaram nas cerimónias fúnebres, mas depois disso nunca mais procuraram saber dos meninos. Alguns familiares paternos residem na cidade da Beira, província de Sofala. Todavia, há um parente paterno na cidade de Nampula, cujo nome não nos foi revelado, supostamente proprietário de alguns estabelecimentos comerciais, mas não mantinha boas relações com os pais dos petizes.
Pedidos de apoio ignorados
Hermínio Rafael disse ao @Verdade que desde que a sua mãe perdeu a vida, em 2011, escreveu inúmeras cartas dirigidas aos secretários da sua zona de jurisdição a pedir apoio, principalmente para que as autoridades do Posto Administrativo de Namicopo incluam a sua família na lista dos beneficiários do fundo de apoio social. Contudo, ainda não teve nenhuma resposta satisfatória, por isso o adolescente suspeita de que as pessoas a quem as missivas têm sido endereçadas para posteriormente encaminhá-las às outras entidades competentes estejam a engavetar os documentos.
O nosso interlocutor pretende contactar pessoalmente o chefe da referido posto com o intuito de lhe colocar a par da situação deplorável a que ele os irmãos estão sujeitos e reclamar da morosidade que se verifica na tramitação do seu expediente.
Em relação a esta inquietação, Júlio Nihempe, secretário do quarteirão 22, explicou-nos que a única carta que recebeu de Hermínio, em Setembro do ano passado, foi entregue às autoridades que lidam com o assunto e aguarda pela resposta para que as crianças passem a ter assistência social.
Entretanto, as afirmações de Hermínio, segundo as quais as suas cartas estão a ser deliberadamente arquivadas, são infundadas e descabidas, disse a fonte, para quem o sector da Mulher e da Acção Social é que tem a prorrogativa de se pronunciar se há ou não condições para os meninos terem auxílio.
@VERDADE – 18.04.2013
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