A campanha italiana começou para logo se calar, com a renúncia de Bento XVI. Agora corre-se o sprint final, antes da votação no domingo e segunda-feira
Roma está repleta de cartazes das eleições legislativas de domingo. Cheia de apelos e de promessas. O Vaticano está bem servido de peregrinos vindos de todo o mundo. A campanha eleitoral foi suspensa a meio da manhã da segunda-feira da semana passada, quando o Papa Bento XVI anunciou a sua surpreendente renúncia. Mas a vida já retomou o seu curso normal.
Nada em Roma indica que de hoje a uma semana não haverá ninguém na cadeira de São Pedro por vontade própria do actual ocupante. Mas nas ruas capital, há muito a gritar que domingo e segunda-feira os italianos serão chamados a votar para eleger o próximo Parlamento e decidir quem os governará depois da experiência de Governo de "emergência nacional" de Mario Monti, no verdadeiro início do pós-berlusconismo. Já no Vaticano é preciso estar-se atento para perceber que estes não são dias iguais aos outros.
"A renúncia do Papa não terá nenhum impacto no resultado eleitoral dos partidos. A única consequência que teve foi ter ocupado o espaço mediático, ter-se sobreposto à campanha. Por isso, perdeu quem precisava mais deste período para convencer os eleitores", explica o politólogo Renato Mannheimer, director de um instituto de sondagens e colunista do Corriere della Sera.
O intervalo acabou. Agora, nos jornais, nas televisões e nos cafés já não se discutem os motivos de Bento XVI mas se haverá ou não um debate televisivo entre os candidatos. Não haverá - os líderes partidários não se põem de acordo sobre o formato.
Estas são umas eleições diferentes, com quatro grandes blocos em vez dos habituais dois. Para além do centro-esquerda, liderado pelo favorito Pier Luigi Bersani, e do centro-direita, do três vezes ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, há que ter em conta outros dois movimentos: um bloco de partidos de centro que apoia Mario Monti e o 5 Estrelas, o fenómeno tsunami fundado há meia dúzia de anos pelo cómico despenteado Beppe Grillo.
Berlusconi quer um debate a dois, entre si e Bersani; de um lado a política espectáculo em todo o seu esplendor, do outro o político experiente que não arrasta multidões. Bersani defende um confronto a seis, entre todos os candidatos à presidência do Conselho. Monti, o equilibrado, queria debater a três, com Bersani e sem ignorar Berlusconi. Grillo não vai à televisão, nem para um debate nem para nada; a sua campanha é outra e tem o seu próprio canal, online, naturalmente.
"O Povo da Liberdade e Grillo são quem mais poderá perder com este silenciar da campanha a que assistimos depois do anúncio do Papa", diz Mannheimer. "Mas tanto um como outro estavam a crescer..." Ou seja, nem isso é certo. A segunda e derradeira semana de campanha arrancou com Grillo a encher praças na Lombardia, no Norte, que é a base do poder de Berlusconi. Estas são umas eleições diferentes, com ou sem renúncia do Papa e a Igreja a preparar-se já para o conclave que elegerá o seu sucessor.
Em redor do Vaticano não há cartazes de campanha. É preciso andar umas boas centenas de metros para os ver. E são tantos: há cartazes dos candidatos às legislativas e cartazes dos candidatos às regionais, que no Lácio (a região da capital) se realizam em simultâneo. Deixa-se para trás São Pedro, onde se ouve inglês, alemão, francês, polaco e os cliques das máquinas fotográficas e percorre-se a Via della Consolazione sem sinal da campanha. É preciso chegar à Praça Cavour e ao seu Palácio da Justiça, sede do Supremo Tribunal, para haver a sensação de se ter entrado no país político.
Dentro do bar La Spuntino é um dia normal da última semana antes das eleições. Dois clientes velhos conhecidos cruzam-se e trocam umas palavras curtas. "Então, um voto no Grillo é?", pergunta ele. "No Grillo não, que é um voto perdido. Voto Monti", responde ela. "Nem sei o que é pior", replica ele.
Francesca bebe o café e vai à sua vida. Vincenzo Papadia tem mais algum tempo para trocar umas palavras com o empregado, Ricardo. "O último ano e meio foi uma tragédia", diz, resumindo assim, sem hesitações, a governação de Mario Monti e do executivo apoiado pelos grandes partidos, que tomou posse a pedido do Presidente da República, Giorgio Napolitano, quando a crise e os escândalos deixaram Berlusconi sem condições para governar.
O mesmo padrinho
Vincenzo vê o filme ao contrário do que seria visto em Bruxelas, por exemplo. "Berlusconi foi tramado. Foi vítima de uma conspiração. A imprensa europeia não percebe nada deste país e é facilmente instrumentalizada", garante este romano de 72 anos, funcionário reformado do Instituto das Doenças e dos Acidentes Profissionais. Não foi só Berlusconi. "Há uma vingança do Norte contra o Sul. Querem tramar-nos, a Portugal, Espanha, Grécia e Itália. Querem-nos a todos escravos dos alemães."
Para melhor controlarem a Itália, "os alemães querem um governo de coligação entre Bersani e Monti, o acordo está selado há muito". "Eles têm o mesmo padrinho, [o antigo comissário europeu e primeiro-ministro Romano] Prodi. Eles vão governar. Prodi será o próximo Presidente da República. Sabes o que quero dizer com padrinho?", pergunta.
"Sou velho mas sei do que falo. Monti foi a pior desgraça que nos caiu em cima. Aliado à esquerda ainda vai ser pior. A esquerda italiana não é comunista, não é a esquerda dos operários, dos mineiros, de Mário Soares. É a esquerda dos juízes, dos professores, da elite. O que Monti fez foi criar novos impostos sob pretexto de uma dívida que temos de pagar... A quem? Aos alemães, pois claro."
A Itália não é um país para velhos, diz Vincenzo. "A Itália não é um país para ninguém. Tenho vergonha de o dizer, mas todos nós devíamos fugir. Eu só não fujo porque não posso", diz Ricardo, jovem de 30 anos, há 13 a trabalhar atrás do mesmo balcão do mesmo café. "Monti bloqueou a economia. Não se pode taxar quando as pessoas não têm trabalho, quando já não se produz... Taxar o quê?"
Tanto o velho Vincenzo como o jovem Ricardo concluem sem pestanejar que estavam melhor antes, com Silvio Berlusconi. "Pelo menos esse dava emprego. Tem tantos empregados, tantas empresas. Pelo menos não roubava para si próprio", afirma Ricardo. Vincenzo é ainda mais concreto: "Todos os outros fazem promessas. Berlusconi tem um programa em três pontos - fim do imposto sobre a propriedade [e devolução do que foi pago em 2012], fim dos impostos para as empresas que contratem jovens e menos impostos sobre o consumo. É assim, simples", diz.
A conspiração, segundo Vincenzo, estende-se ao Vaticano. "Primeiro, deram-nos um Papa polaco, quando era preciso combater o comunismo. Depois, veio um alemão... E qual é a última coisa que este faz antes de se retirar? Nomeia um alemão para dirigir o Banco do Vaticano."
"Monti matou a economia italiana e ainda diz que a recuperou. Quem a recuperou foi Berlusconi!", exclama ainda Vincenzo, antes de ajeitar o sobretudo preto e sair para o Inverno. Ricardo, olhos azuis vivos, acena com a cabeça. "Não sei o que esperar. Tanta gente sem emprego. Ou vai haver uma guerra civil ou uma pequena melhoria na economia a partir do próximo ano... Dizem que em 2014 talvez melhore um pouco."
Mais uma promessa?
No Vaticano, ultimam-se os preparativos para os dias que virão. Não há multidões, está tudo sereno, depois do sobressalto recuperou-se a normalidade. Mas há ecrãs gigantes a serem montados, alguns já em funcionamento. Gente de todo o mundo na fila para entrar na basílica. Muitas pessoas a escreverem postais nos Correios onde se afixaram avisos sobre os dias em que estarão encerrados para o selo da "cadeira vazia" poder ser distribuído. E na Praça de São Pedro, um grupo de trabalhadores coloca barreiras de madeira para a criar novos espaços quase em silêncio.
"Na próxima quarta-feira será a última audiência deste Papa", diz Fabio, contente por explicar o que faz ali. "No interior deste espaço haverá cadeiras para quem vier assistir."
No resto de Roma, sobram os cartazes. Num deles, Berlusconi aperta a mão a um eleitor entre um banho de multidão. "Vota para recuperar o teu IMU [imposto sobre a habitação] de 2012", promete. Não haverá debates mas todos os dias os candidatos vão à televisão para entrevistas ou conferências de imprensa sucessivas. Há sempre tempo para novas promessas e para convencer mais alguns eleitores.
Nada em Roma indica que de hoje a uma semana não haverá ninguém na cadeira de São Pedro por vontade própria do actual ocupante. Mas nas ruas capital, há muito a gritar que domingo e segunda-feira os italianos serão chamados a votar para eleger o próximo Parlamento e decidir quem os governará depois da experiência de Governo de "emergência nacional" de Mario Monti, no verdadeiro início do pós-berlusconismo. Já no Vaticano é preciso estar-se atento para perceber que estes não são dias iguais aos outros.
"A renúncia do Papa não terá nenhum impacto no resultado eleitoral dos partidos. A única consequência que teve foi ter ocupado o espaço mediático, ter-se sobreposto à campanha. Por isso, perdeu quem precisava mais deste período para convencer os eleitores", explica o politólogo Renato Mannheimer, director de um instituto de sondagens e colunista do Corriere della Sera.
O intervalo acabou. Agora, nos jornais, nas televisões e nos cafés já não se discutem os motivos de Bento XVI mas se haverá ou não um debate televisivo entre os candidatos. Não haverá - os líderes partidários não se põem de acordo sobre o formato.
Estas são umas eleições diferentes, com quatro grandes blocos em vez dos habituais dois. Para além do centro-esquerda, liderado pelo favorito Pier Luigi Bersani, e do centro-direita, do três vezes ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, há que ter em conta outros dois movimentos: um bloco de partidos de centro que apoia Mario Monti e o 5 Estrelas, o fenómeno tsunami fundado há meia dúzia de anos pelo cómico despenteado Beppe Grillo.
Berlusconi quer um debate a dois, entre si e Bersani; de um lado a política espectáculo em todo o seu esplendor, do outro o político experiente que não arrasta multidões. Bersani defende um confronto a seis, entre todos os candidatos à presidência do Conselho. Monti, o equilibrado, queria debater a três, com Bersani e sem ignorar Berlusconi. Grillo não vai à televisão, nem para um debate nem para nada; a sua campanha é outra e tem o seu próprio canal, online, naturalmente.
"O Povo da Liberdade e Grillo são quem mais poderá perder com este silenciar da campanha a que assistimos depois do anúncio do Papa", diz Mannheimer. "Mas tanto um como outro estavam a crescer..." Ou seja, nem isso é certo. A segunda e derradeira semana de campanha arrancou com Grillo a encher praças na Lombardia, no Norte, que é a base do poder de Berlusconi. Estas são umas eleições diferentes, com ou sem renúncia do Papa e a Igreja a preparar-se já para o conclave que elegerá o seu sucessor.
Em redor do Vaticano não há cartazes de campanha. É preciso andar umas boas centenas de metros para os ver. E são tantos: há cartazes dos candidatos às legislativas e cartazes dos candidatos às regionais, que no Lácio (a região da capital) se realizam em simultâneo. Deixa-se para trás São Pedro, onde se ouve inglês, alemão, francês, polaco e os cliques das máquinas fotográficas e percorre-se a Via della Consolazione sem sinal da campanha. É preciso chegar à Praça Cavour e ao seu Palácio da Justiça, sede do Supremo Tribunal, para haver a sensação de se ter entrado no país político.
Dentro do bar La Spuntino é um dia normal da última semana antes das eleições. Dois clientes velhos conhecidos cruzam-se e trocam umas palavras curtas. "Então, um voto no Grillo é?", pergunta ele. "No Grillo não, que é um voto perdido. Voto Monti", responde ela. "Nem sei o que é pior", replica ele.
Francesca bebe o café e vai à sua vida. Vincenzo Papadia tem mais algum tempo para trocar umas palavras com o empregado, Ricardo. "O último ano e meio foi uma tragédia", diz, resumindo assim, sem hesitações, a governação de Mario Monti e do executivo apoiado pelos grandes partidos, que tomou posse a pedido do Presidente da República, Giorgio Napolitano, quando a crise e os escândalos deixaram Berlusconi sem condições para governar.
O mesmo padrinho
Vincenzo vê o filme ao contrário do que seria visto em Bruxelas, por exemplo. "Berlusconi foi tramado. Foi vítima de uma conspiração. A imprensa europeia não percebe nada deste país e é facilmente instrumentalizada", garante este romano de 72 anos, funcionário reformado do Instituto das Doenças e dos Acidentes Profissionais. Não foi só Berlusconi. "Há uma vingança do Norte contra o Sul. Querem tramar-nos, a Portugal, Espanha, Grécia e Itália. Querem-nos a todos escravos dos alemães."
Para melhor controlarem a Itália, "os alemães querem um governo de coligação entre Bersani e Monti, o acordo está selado há muito". "Eles têm o mesmo padrinho, [o antigo comissário europeu e primeiro-ministro Romano] Prodi. Eles vão governar. Prodi será o próximo Presidente da República. Sabes o que quero dizer com padrinho?", pergunta.
"Sou velho mas sei do que falo. Monti foi a pior desgraça que nos caiu em cima. Aliado à esquerda ainda vai ser pior. A esquerda italiana não é comunista, não é a esquerda dos operários, dos mineiros, de Mário Soares. É a esquerda dos juízes, dos professores, da elite. O que Monti fez foi criar novos impostos sob pretexto de uma dívida que temos de pagar... A quem? Aos alemães, pois claro."
A Itália não é um país para velhos, diz Vincenzo. "A Itália não é um país para ninguém. Tenho vergonha de o dizer, mas todos nós devíamos fugir. Eu só não fujo porque não posso", diz Ricardo, jovem de 30 anos, há 13 a trabalhar atrás do mesmo balcão do mesmo café. "Monti bloqueou a economia. Não se pode taxar quando as pessoas não têm trabalho, quando já não se produz... Taxar o quê?"
Tanto o velho Vincenzo como o jovem Ricardo concluem sem pestanejar que estavam melhor antes, com Silvio Berlusconi. "Pelo menos esse dava emprego. Tem tantos empregados, tantas empresas. Pelo menos não roubava para si próprio", afirma Ricardo. Vincenzo é ainda mais concreto: "Todos os outros fazem promessas. Berlusconi tem um programa em três pontos - fim do imposto sobre a propriedade [e devolução do que foi pago em 2012], fim dos impostos para as empresas que contratem jovens e menos impostos sobre o consumo. É assim, simples", diz.
A conspiração, segundo Vincenzo, estende-se ao Vaticano. "Primeiro, deram-nos um Papa polaco, quando era preciso combater o comunismo. Depois, veio um alemão... E qual é a última coisa que este faz antes de se retirar? Nomeia um alemão para dirigir o Banco do Vaticano."
"Monti matou a economia italiana e ainda diz que a recuperou. Quem a recuperou foi Berlusconi!", exclama ainda Vincenzo, antes de ajeitar o sobretudo preto e sair para o Inverno. Ricardo, olhos azuis vivos, acena com a cabeça. "Não sei o que esperar. Tanta gente sem emprego. Ou vai haver uma guerra civil ou uma pequena melhoria na economia a partir do próximo ano... Dizem que em 2014 talvez melhore um pouco."
Mais uma promessa?
No Vaticano, ultimam-se os preparativos para os dias que virão. Não há multidões, está tudo sereno, depois do sobressalto recuperou-se a normalidade. Mas há ecrãs gigantes a serem montados, alguns já em funcionamento. Gente de todo o mundo na fila para entrar na basílica. Muitas pessoas a escreverem postais nos Correios onde se afixaram avisos sobre os dias em que estarão encerrados para o selo da "cadeira vazia" poder ser distribuído. E na Praça de São Pedro, um grupo de trabalhadores coloca barreiras de madeira para a criar novos espaços quase em silêncio.
"Na próxima quarta-feira será a última audiência deste Papa", diz Fabio, contente por explicar o que faz ali. "No interior deste espaço haverá cadeiras para quem vier assistir."
No resto de Roma, sobram os cartazes. Num deles, Berlusconi aperta a mão a um eleitor entre um banho de multidão. "Vota para recuperar o teu IMU [imposto sobre a habitação] de 2012", promete. Não haverá debates mas todos os dias os candidatos vão à televisão para entrevistas ou conferências de imprensa sucessivas. Há sempre tempo para novas promessas e para convencer mais alguns eleitores.
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