Canal de Opinião
Por: Matias Guente
Maputo (Canalmoz) – Quando se propôs como partido político, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) assumiu a democracia e a participação como bússola de orientação com a qual poder-se-ia apresentar como alternativa política válida ao então menu político que era servido aos cidadãos moçambicanos, que se circunscrevia à bipolarização Frelimo/Renamo. Até porque a forma como Daviz Simango, actual líder do MDM, saiu da Renamo deu corpo ao manifesto da democracia e domínio da vontade da maioria.
Foi por isso que num piscar de olhos Daviz Simango se tornou edil da Beira, como independente depois de ter sido edil pela Renamo no primeiro mandato e arrastou para si muita simpatia dos descontentes da Renamo e também da Frelimo e mais recentemente conseguiu conquistar os eleitores cuja intenção de voto não é fiel nem à Renamo nem à Frelimo, ou seja, eleitores em estado latente. Foi pela forma como surgiu o movimento e pelo desiderato que se propôs perseguir que o MDM conseguiu muita inserção até no seio daqueles que de política só ouvem falar.
A eleição de Manuel de Araújo em Quelimane também foi neste contexto de captação de votos dos que há muito ansiavam por mudanças, dos membros da Frelimo que nunca concordaram com a forma pouco civilizada como o município era gerido e dos jovens que pela primeira vez foram votar e apostaram num outro jovem no qual reconheceram competência. Até aqui tudo bem!
Mas quer-me parecer que o MDM está a se deixar levar pelo espírito de movimento espontâneo e está a levar muito tempo para se constituir em partido político propriamente dito com a particularidade de estar a jogar para o esquecimento a sua principal palavra de ordem que norteou a sua criação. A democracia. É que o MDM tem privilegiado critérios pouco aconselháveis para a sustentabilidade da própria democracia.
Em sede dos Estatutos que foram revistos no Congresso da Beira os membros da Comissão Política eram eleitos em Congresso e o secretário-geral era proposto pelo presidente do partido e ratificado pelo Conselho Nacional. Sendo um partido que se pretende democrático, penso que estes critérios eram de todo simpáticos. Até porque sendo estes órgãos de decisão do partido, faz todo o sentido que sejam eleitos, primeiro para conferir representatividade à vontade dos membros, depois para garantir um debate são dentro do partido sem contrapartidas nem dívidas de eterna gratidão.
No Primeiro Congresso a direcção do MDM fez aprovar uma revisão pontual dos estatutos do partido. Ao abrigo desta revisão, todos órgãos vitais e funcionais do partido deixaram de ser eleitos em Congresso com a excepção do presidente do partido. Deixaram de ser eleitos os membros da Comissão Política, o Secretário-Geral, cabendo ao presidente do partido indicá-los, devendo ao Conselho Nacional apenas a sua ratificação. É aqui onde reside o problema do contexto de que, quanto a mim, os membros do MDM não conseguem se livrar dele. Os membros do MDM ainda têm em mente o movimento criado na Beira a 28 de Agosto. Não têm a noção do actual tamanho do partido e do número de pessoas que se identificam com o partido. As próprias bases do MDM não têm o MDM como projecto nacional, ou pelo menos ainda não se aperceberam para onde o MDM está a caminhar.
O MDM está agora a ser vítima da sua ala mais populista que vê em Daviz Simango uma espécie de salvador, passando-lhe automaticamente um atestado de ausência de defeitos. Há agora problemas de contexto que se não forem dirimidos pelos próprios membros o MDM corre o risco de ser mais um partido equiparável aos PIMO, PT e companhia. O contexto do surgimento do partido é muito diferente do actual em que mais do que lutar contra a Frelimo ou Renamo é preciso organizar-se internamente para que se lhe seja conferida alguma credibilidade. Esta organização passa necessariamente pela democratização dos espaços e órgãos internos. Para as responsabilidades políticas que recaem sobre o MDM é anacrónico levar todo o partido e entregá-lo a Daviz.
Até porque, para já, eu particularmente não acredito muito na tese de que o MDM seja um partido familiar. O expediente de “partido familiar” foi elaborado por mentes quanto a mim pouco dadas ao raciocínio. E como o mesmo expediente foi bem acolhido no principal adversário do MDM (no caso a Frelimo) tratou-se de capitalizar o máximo tal tese que chegou a se confundir com ciência política. No MDM pelo que saiba existem dois líderes que são familiares directos. O presidente e o chefe da bancada na Assembleia da República. Se olharmos para a experiência política dos membros que haviam sido eleitos para o parlamento, exceptuando Ismael Mussa, que na altura era secretário-geral, não havia outro deputado com experiência parlamentar para ser chefe de bancada. Penso que o MDM não podia indicar um incompetente porque o indivíduo competente é irmão do presidente. Assim como não acho racional que se pudesse escolher outro presidente sendo que Daviz Simango era a personalidade mais popular até à criação do Movimento. Portanto, a tese de “partido família” é mais por incapacidade craniana e preguiça que propriamente um raciocínio lógico.
O problema do MDM não é a família Simango. São os próprios membros que não raciocinam até ao mínimo recomendável. Os que raciocinam pouco fazem para fazer vingar as suas ideias. Penso que é democraticamente inexequível um partido funcionar com pessoas indicadas por uma única entidade. O mais provável é que todos se comportem politicamente à medida da paciência de Daviz para serem indicados ou para de lá sair. Sendo um órgão de capital importância para o funcionamento do partido e para o debate mais afunilado e sem populismo, a comissão política não pode estar dependente de um e único senhor. É estranho à democracia este critério. É confiar em demasia em Daviz Simango, o que por si é falta de puberdade política.
Podemos fazer um exercício de benefício da dúvida e acreditar que o MDM possa funcionar nos actuais moldes, mas penso que a democracia interna do partido sai beliscada nestes critérios. Duvido que o próprio Daviz acredite numa democracia em que ele é o princípio e o fim da democracia. Penso ser legítima e merecida a confiança que os membros do partido depositam em Daviz muito pela sua trajectória, mas entregar o seu destino em termos estatutários é auto demitir-se de participar da vida do próprio MDM e mais grave…de raciocinar. É muita ingenuidade política. É democraticamente impossível que Daviz conduza sozinho e de forma exemplar todos os membros do MDM.
E quer me parecer que nesta coisa de emitir atestados de santidade aos seus líderes, os partidos nacionais são peritos. A Frelimo que todos criticam hoje tornou-se no que é hoje porque Guebuza teve acesso ao mesmo atestado. Dhlakama também conseguiu à sua maneira o mesmo atestado e transformou a Renamo no que é hoje. O atestado está agora com Daviz, não tarda que comece a fazer o exemplar uso do mesmo. Espero que os membros do MDM tenham o bom-senso e actualizem os seus estatutos de modo a compatibilizarem-no com o actual contexto. É mesmo uma questão de contexto! (Matias Guente)
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