Celebra-se hoje o dia dos Heróis Moçambicanos motivado pelo assassinato de Eduardo Mondlane há 44 anos. Em 1961, Mondlane chegou a Moçambique proveniente dos Camarões via Luanda, enquanto membro dirigente da Comissão de Fiscalização da ONU para o referendo dos Camarões. Passavam 11 anos desde que saíra da terra que o vira nascer, Manjacaze, onde fizera o primário. Após fazer a 4ª classe na Missão Suíça seguiu para a União Sul-Africana onde começou a estudar no Liceu Lemana (Smith Schools) que lhe concedeu bolsa para ir a Universidade de Witwatersrand. Quando esta foi decretada como sendo apenas para brancos, Mondlane teve que a abandonar estudos em 1949 devido a política de segregação racial[1].
Com outra bolsa oferecida pelos missionários americanos, foi admitido para a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 1950. No ano seguinte, abandonou esta Universidade e seguiu para Oberlin and Northest University, beneficiando-se de mais uma bolsa, onde completou o mestrado. Depois, com outra bolsa foi a Universidade do Chicago tirar o Phd em três anos seguidos de um ano de pesquisa na Harvard University onde completou o Curso em «Psychological Sciences». Em 1957, devido ao seu brilhante currículo académico foi convidado a fazer parte da Comissão de Fiscalização da ONU para o referendo camaronês, com 35 membros provenientes de 22 países sendo ele o único representante de Portugal.
Tinha a missão de recolher informações económicas, educacionais e sociais dos territórios, em geral, administrados sob forma de mandato por terem sido retirados da Alemanha, Itália e Japão. A certeza no desaparecimento de territórios assim administrados fê-lo olhar para o futuro com esperança. «Gostaria de voltar ao meu país para ensinar, sobretudo se houver uma universidade na minha terra. Até lá, talvez procure decidir ser professor numa universidade de Portugal Continental[2]» disse ele.
Entre as suas preocupações figurava aquela ligada ao ensino. Não poupou esforços em denunciar o que considerava «obstáculos e necessidades educacionais tremendas em Moçambique» impostos pelo regime[3]. Estimava haver pouco menos de duas centenas de escolas com a 4ª classe por todo o país com uma população de 6 milhões. Ao ser perguntado pelo representante do Departamento de Estado Americano para África, Chester Bliss Bowles, se queria armas para expulsar os portugueses ele disse que preferia fundos que fossem usados para educar os outros moçambicanos. Consciente de que «US Government aid for education in Mozambique would not be accepted by the Portuguese»[4], procurou canais indirectos de tirar o dinheiro da América para Moçambique passando pela Suíça por meio de Missionários.
Já em 1961, após o levantamento de Angola mostrava-se contra uma opção militar para Moçambique preferindo uma saída pacifica de Portugal «in order to avoid the tragic bloodshed of Angola». Para ele, com uma população analfabeta, a independência traria mais problemas do que vantagens. Somente um povo instruído estaria em condições de evitar problemas futuros. Pediu secretamente a Swiss Missionary para prover fundos e enviar muitos moçambicanos para as escolas secundárias. Ele próprio fazia o mesmo trabalho de colecta de fundos dentro dos EUA para ajudar cinco estudantes que frequentavam o nível superior em Portugal. Se os EUA desejavam apoiar tinha que ser na educação e não em armas.
Embora desconhecendo os fundadores do MANU em Mombasa, o desejo de Unidade moveu-o a ser ele a dar o passo do encontro. Nas palavras de William L. Wight, Jr «he said he would like to travel to Kenya to talk with them and also with Mozambique nationalists in Zanzibar and Tanganyika. Mondlane indicated strongly that he would like to amalgamate all anti-Portuguese liberation movements»[5]. Recusou o seu status de assimilado para se dedicar ao povo, abandonou a cátedra na Universidade e o cargo que ocupava na ONU para unir os moçambicanos que vivendo numa capoeira como galinhas tinham coração de águia para voar alto. Chamou os outros a voarem como ele, transformando dificuldades em oportunidades.
Hoje, todos somos chamados a chamarmo-nos uns aos outros de modo a que voemos todos. Devemos abandonar Mondlane da praça, do livro e do museu para encararmos o verdadeiro Mondlane, o que não está na praça, o que não está no livro, o que não está no museu! Somos chamados a seguir o verdadeiro Mondlane que está nos actos que ainda não vieram. De nada servirá o 3 de Fevereiro repetidamente vivido se não materializarmos alguns dos seus sonhos, um a um. Todas as falhas, todos os atrasos, todos os sofrimentos e todas as divergência não impedem que existam, no nosso seio, todos os meios necessários para um dia esmagar os nossos inimigos de hoje: a fome, a doença, a pobreza, a falta de habitação condigna. Esmagados hoje pela força da pobreza, poderemos vencer no futuro com uma força superior se nos mantivermos unidos. É na união que reside o destino de Moçambique.
Mondlane agiu para que estivéssemos livres e hoje somos livres. Ele apostou na educação como arma de libertação do homem e hoje, estamos rodeados de vizinhos doutores. Ele, vivendo na assimilação, não se conformou enquanto seus irmãos continuavam no indigenato, defendeu um Moçambique multirracial, multiétnico e multirreligioso. Mondlane chama-nos a ir materializando estes ideais de modo a não trairmos a causa da luta que ele empreendeu. Mondlane chama-nos, cada um com o seu potencial, a sermos os primeiros a dar o primeiro passo de reconciliação por mais desconhecido e imprevisível pareça o nosso interlocutor. Mondlane chama-nos a abandonar o conforto e darmos a continuidade da luta para que todos os moçambicanos tenham asas de águia para voar alto. Mondlane faz um convite para que sejamos unidos não porque somos naturais da nossa região mas porque somos moçambicanos. É na união que reside o nosso destino comum.
[1] Entrevista com Dr. Mondlane. Jornal Notícias de 23 de Fevereiro de 1961
[2] Idem
[3] US Department of State. Memorandum of Conversation. Call of Eduardo Mondlane of Mozambique on the Acting Secretary. WDC. 16-05-1961
[4] Notícias de 23 de Fevereiro de 1961 Mondlane deu entrevista ao Notícias
[5] William L. Wight, Jr., Deputy Director. US Department of State. Condition in Mozambique. Memorandum of Conversation with Eduardo Mondlane of Mozambique. WDC. 16-05-1961
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