terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Quem mais mata: as armas ou as ideias?

Por

É melhor ser
ignorante de alguma coisa
do que aprendê-la mal

Públio Siro

Não faz muito tempo em que estive à conversa com alguns free-masons locais, sobre um tema que se havia tornado notícia pelas piores razões nos EUA. A questão do uso de armas de fogo por civis, que também é tida como causa primária do aumento da taxa de homicídios no mundo.
 
Com efeito, um dos grandes mistérios da actualidade é saber por que as taxas de homicídio, especialmente com uso de armas de fogo, varia muito no mundo inteiro. Há pouca correlação entre a existência de leis de uso de armas e o número de armas de fogo per capita, bem como, a taxa de pessoas mortas por armas de fogo. Por exemplo, as taxas de homicídio subiram no Reino Unido e na Austrália depois de leis mais rigorosas de armas terem sido aprovadas pelos respectivos governos. No entanto, a Alemanha, com cinco vezes mais armas legais na posse de civis, tem, comparativamente a Grã-Bretanha, uma taxa de homicídios bem menor. A variável-chave parece ser a cultura ou a mistura de culturas em um país. Será que as ideias matam mais do que as armas?
 
Exemplificando, duas regiões consideradas mais perigosas são a América Latina e a África Subsaariana. Ambas têm taxas de homicídios de cerca de 20 por ano por 100.000 habitantes. No norte da África é de 5,9 e na América do Norte é de 3,9. Na Europa é de 3,5 e na Ásia é de 3,1. Algumas das diferenças podem ser atribuídas à fácil disponibilidade de armas de fogo (AK-47s e outras armas de infantaria resultante dos conflitos da Guerra Fria), especialmente em África, no decurso da década 90.
 
Em 2008, a Organização dos Estados Americanos (OEA) publicou um relatório assinalando 80 milhões de armas de propriedade privada na América Latina. Para uma região com 550 milhões de pessoas, já era um enorme de poder de fogo para monitorizar. Registaram-se 90.000 ataques usando armas de fogo em 2007, o que é cerca de 16 por 100.000 habitantes. Adicionadas outras mortes por instrumentos cortantes e não cortantes, a taxa chegou aos 20 pontos.
 
Parece estar-se a chegar a conclusão que, enquanto as armas de fogo tornam mais fácil o ofício de matar, elas não são necessariamente contribuidoras de uma taxa elevada de assassínios. Partes da Ásia, América Latina e África têm taxas de homicídio de mais de 10 (ou mais) por 100.000 habitantes, mesmo sem a presença de armas de fogo, só para ilustrar.
 
Muito provavelmente, para se diminuir a taxa de homicídios algo mais deve ser feito na gestão da ira e frustração sociais, do que propriamente na ampliação do estribilho do controlo das armas, mesmo que, criminosos ou Estados do chamado “eixo do mal” possam obter armas proibidas, que como se vê, são para efeito dissuasor.
 
Os problemas de gestão da ira e frustração sociais são muito mais profundos, sendo um Governo corrupto e ineficaz a causa mais comum dos mesmos. E sobretudo, o cultivo da mentalidade de “fronteira” social, que não é, nada mais, nada menos, do que um revivalismo tribal do tempo das cavernas. O mundo ocidental, a quem devemos esta globalização, mantém – e reforça mais - muitos traços de uma cultura de fronteira, que estão na base da tribo ou clã. E este facto, ficará ainda mais cristalizado, à medida em que se encorajar a ruralização das urbes, ou seja, o movimento demográfico do campo para a cidade.
 
Por norma, as sociedades de índole tribal são mais violentas do que aquelas que usam formas mais avançadas de governo (monarquia, democracia, etc.), mas esse, é outro facto que é incompreensivelmente ignorado por muitos antropólogos, arqueólogos e até historiadores, sobretudo africanos, quando interpretam fenómenos domésticos, de maneira emotiva. Uma das razões para o boom no crescimento da população em África, que se verificou sobretudo a partir do século 19, não foi apenas a abolição do tráfego negreiro, também foi a criação de uma organização social que implicou indirectamente no fim das famosas guerras “kwata-kwata” que foram estancadas pela assimilação ao sistema UNO colonial, e assim, o fim da incessante e debilitante guerra tribal. Antes, os conflitos inter-tribais terminavam normalmente no extermínio da tribo derrotada ou na fuga desta para outras paragens. Sendo a expansão Bantu uma dinâmica social que corrobora com isto.
 
Os pais da independência Africana, sempre tiveram esta percepção. Por essa razão, o apelo pioneiro aos modelos de sociedade aglutinadores, como o socialismo africano. Pena foi, que o tivessem feito por imitação e não por aprendizagem, seguida de incorporação ideológica na sociedade. Os seus filhos e netos, deveriam ter aprendido os erros dos seus pais, ou pelo menos, vontade de aprender. E não simplesmente ignorá-los por vergonha de um passado servil. Pois, quando se reproduz cegamente “A GLOBALIZAÇÃO” de acordo com as nossas conveniências, cada um de nós está, não o sabendo, a recriar a sua própria “tribo”, o que com a disponibilidade de AK-47s baratas, resultará no seu próprio extermínio também.
 
E um dia, tal como os peles-vermelhas, que assim viveram durante séculos, seremos uma minoria isolada em pequenas reservas turísticas. Tal como animais no ZOO, afinal.
 

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