sábado, 22 de dezembro de 2012

Vertigo não é filme de qualidade por causa de critério pedagógico

 


A distribuidora Midas Filmes denunciou a não- classificação, que se deve à obra não cumprir todos os critérios, diz a IGAC
Não existem dúvidas quanto à "intemporalidade e posteridade" de Vertigo, do "consagrado" Hitchcock, mas, no que diz respeito ao "aspecto pedagógico", a obra não cumpre os critérios para receber o estatuto de filme de qualidade, segundo a Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC) esclareceu ao PÚBLICO, ao início da noite de ontem.

Este esclarecimento foi uma reviravolta quanto à posição da própria IGAC, que, quando foi inicialmente questionada sobre a não-classificação de Vertigo, tinha-se justificado com o não-pedido da distribuidora Midas - esta quinta-feira repôs o filme em cópia digital no circuito comercial português.

"Não foi requerida à comissão de classificação a atribuição da menção de qualidade, a qual se baseia na reunião cumulativa de critérios específicos legalmente consagrados", lia-se então nessa resposta, via email, do inspector-geral Luís Silveira Botelho. "Foi, sim, requerida a classificação etária da obra, a qual foi atribuída de acordo com os critérios legais em vigor", acrescentava.

No entanto, Pedro Borges, responsável da Midas Filmes, que denunciou o caso ao início da manhã de ontem, alegava que esta classificação não tinha de ser pedida porque a legislação, que é omissa nesta caso, não o exigia. "A classificação de qualidade não está dependente de pedido", disse ao PÚBLICO o distribuidor, acrescentando que simplesmente ele não "existe". No mesmo sentido, também Luís Urbano, da produtora O Som e a Fúria, garantiu que esta classificação não precisa de ser pedida: "É uma iniciativa da IGAC". "E por isso, neste caso, houve uma falta de sensibilidade. Vertigo devia ter sido classificado; não faz sentido", acrescentou Urbano, lembrando que já o mesmo tinha acontecido com Tabu, de Miguel Gomes.

Isto significa que um produtor ou distribuidor pode requerer este certificado, mas que a própria comissão da classificação de espectáculos pode decidir voluntariamente sobre cada filme. Neste caso especifico, não foi pedida uma classificação de qualidade, como Pedro Borges explicou, mas o filme foi de facto avaliado, como se pode provar através da resposta do inspector-geral. "No caso concreto, trata-se de uma obra comercial, realizada por um autor consagrado, que a posteridade enaltece e que está consagrado em termos de celebridade, intemporalidade e posteridade, o que é absolutamente inquestionável", escreve Luís Silveira Botelho, quando confrontado com a informação e com a inexistência na legislação de um pedido específico de classificação de qualidade. E acrescenta: "Já quanto à observância cumulativa dos critérios legais em vigor, desde logo quanto o aspecto pedagógico, os vogais que procederam ao visionamento não ajuizaram a observância cumulativa dos critérios exigidos".

Vertigo, que se estreou em Portugal em Janeiro de 1959, é tido como uma das obras-primas da cinematografia mundial e, este ano, foi considerado o melhor filme de todos os tempos numa votação da prestigiada Sight & Sound, a revista mensal do British Film Institute, mas, aparentemente, não cumpre os requisitos.

Classificação com 30 anos

"Este facto seria apenas ridículo se não fosse sintoma muito mais grave da forma como o Estado continua a tratar o cinema entre nós", dizia o comunicado da Midas Filmes. O comunicado esclarece que a classificação, que foi criada na década de 1980, se destina a isentar os distribuidores da taxa de distribuição de 150 euros devidos pela estreia de cada filme, tratando-se, assim, de uma medida destinada a estimular e discriminar positivamente as estreias entendidas como meritórias.

"Eu já vejo este género de disparates há mais de 20 anos. Não se trata de ser contra o pagamento de taxas, mas contra a forma como as coisas acontecem", disse ao PÚBLICO Pedro Borges. "A inspecção devia ser feita por uma comissão ligada ao cinema; estas pessoas avaliam espectáculos de todo o tipo", acrescentou ainda o produtor, explicando que é preciso "olhar para a forma como o Estado regula estas classificações".

O produtor acredita que esta é uma oportunidade para se "tratar" do sector do cinema, esperando que prevaleça o "bom senso". "É importante que exista uma classificação etária, mas quando se trata de uma classificação de qualidade, estamos a falar de outros factores."

A Inspecção-Geral das Actividades Culturais nota, no entanto, que, independentemente da decisão, a produtora pode sempre pedir a revisão da classificação ou atribuição de determinada menção, "o que até ao momento não ocorreu".

Com Kim Novak e James Stewart como protagonistas, Vertigo - A Mulher Que Viveu Duas Vezes (1958) é um dos filmes mais conhecidos de Alfred Hitchcock, ao lado de Os Pássaros (1963) e Psico (1960). Na nomeação deste ano dos 100 filmes mais importantes do mundo pela Sight & Sound, em que participaram 846 críticos, académicos e distribuidores de cinema, destronou Citizen Kane - O Mundo a Seus Pés (1941), o filme de Orson Welles que há 50 anos (ou seja, há cinco votações) ocupava o lugar cimeiro da lista. com Vanessa Rato
 
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1 comentário:

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