Sábado, 08 Dezembro 2012 20:52
Luanda - Dizem que na cultura africana quando morre um mais velho, com ele se vai uma biblioteca, de facto a partida do kota Mário para a eternidade, tem este condão, de perda de um ser com um percurso de vida realmente único, ou do homem escolhido.
Fonte: Club-k.net
O Mário Clington, foi no seu tempo de “garoto” aquele que andava pelo interior dos bairros e Musseques de Luanda, tinha a particularidade de conhecer de forma singular e com intimidade aquele locais, bizarros e temíveis, particularidade esta que o distinguia dos seus companheiros de bairro, ele penetrava com facilidade nas festas e noutros eventos culturais da época.
Sendo o dr. Mário um eminente homem de musica, foi pela “porta da musical” que ele se iniciou nos bailes e convívios de Luanda, com a mais distinta nata de fazedores de cultura de Angola, qualidades estas que, continuo a professar na capital parisiense, onde foi estudar história na conceituada Universidade da Sorbone, continuava arranjar tempo, para cantar e espantar os seus males, foi nestas vestes que partilhou os palcos com músicos angolanos na Diáspora, como o Duo ouro negro, Teta Landu, Bonga dentre outros.
Uma das formas, que ele encontrou para continuar a desempenhar o seu óficio de eleição, ou de cantar na década de 60, perante acusação de terrorista, que estavam sujeitos, pelo facto de as mensagens que os músicos faziam passar, de apologia da independência para Angola, foi a de se fazer passar por cubano, tendo criado o grupo musical “ El Mário el sus Muchuchos” facto que deixou num primeiro momento perplexo alguns dos seus amigos e conhecidos da época, mas que por implícita cumplicidade, não o denunciaram.
Na vertente cientifica, assinala-se o facto de depois de ter concluído as licenciaturas na sua universidade de eleição, em sociologia e história, fez um mestrado em história, em que a marca mais saliente do mesmo, deve-se o facto de feito sair à publicação da tese, numa singular obra literária, “Angola Livre?” que foi distintamente prefaciada pelo grande mestre da egiptologia de sempre Cheikh- Anta- Diop, publicada em 06 de Novembro de 1975.
De recordar que o Cheikh – Anta- Diop, raramente prefaciava obras literárias, inclinava-se mais pela crítica de obras cientificas, o Mário que foi de facto um homem prometido, que foi o primeiro angolano quiçá o único, seguramente o primeiro individuo da África Austral, a conseguir esta proeza, de ter uma obra prefaciada pelo mestre.
A pessoa que “agenciou” o encontro entre o mestre Diop, foi o professor Carlos Moore, que na altura era o assistente do lendário professor de história africana, este livro foi editado pela Galliamard, uma casa de cultura francesa de referência e de reconhecida qualidade, facto que impressionou ainda mas os seus contemporâneos.
No capitulo político, Mário Clington, muito cedo despertou atenção dos mais velho da época, a sua capacidade de penetração e de se relacionar com as pessoas, chamou atenção do nacionalista e visionário Viriato da Cruz, que era segundo algumas pessoas do seu tempo, uma pessoa muito selectiva nas suas amizades, e o Mário Clington, caiu na graça desta grata figura da política angolana, amizade que se preservou até aos últimos dias de vida do Viriato.
Em França, depois da cisão no MPLA, entre o Viriato e Neto, o pai da matriz genealógica do MPLA, foi viver para Paris, e viveu nos primeiros tempos e por influência do Mário em casa do francês Gerard Bony.
Posteriormente o Viriato foi viver em casa do Mário, e foi por via do Mário que o pai do partido dos camaradas, foi apresentado ao professor Carlos Moore, que abriu às portas da sua casa, para que o Viriato pudesse fazer lá as suas refeições, porque ele receava num eventual envenenamento, em função do ambiente de crispação que se tinha criado com o Neto.
No capitulo das relações humanas, o Mário Clington, tinha à particularidade de ter sido um homem de fácil trato, pelo que marcou o seu percurso social, se relacionava com toda gente, sempre foi uma pessoa muito querida, que impressionava às meninas que o rodeavam, como se diz, não deixava os seus créditos por mãos alheias.
Mário soube lidar com personalidades distintas como Abdias do Nascimento, Eduardo Mondlane, Senghor, Malangatana, Amílcar Cabral, dentre outras gratas figuras de dimensão internacional.
O Mário se distinguia dos seus cutâneos, na medida em que cedo descobriu que o relacionamento humano não tem barreiras ideológicas, daí a sua aproximação com pessoas, mesmo nos períodos mais sensíveis e particulares do contexto político angolano, partilhava amizade com pessoas que defendiam posicionamentos ideológicos que não eram necessariamente os seus na Diáspora.
Lembro de ter abordado em 2006, o finado Teta Landu, falando do Mário Clington, senti que havia um sentimento de muita admiração e respeito pelo Mário Clington. Numa outra ocasião cruzei -me com os professores Manuel dos Santos Lima, Manuel Jorge, que tive o prazer de transmitir cumprimentos do Mário Clington, os dois retribuíram e deixaram transparecer muita satisfação, pela expressão facial de ambos, deu para notar que o Mário era muito querido de facto pelo angolanos que o conheceram que conviveram com ele na Diáspora. No lançamento do livro que retrata o percurso de vida do Bonga, que ocorreu na LASP, o Bonga, teve o condão de fazer largas referências sobre o Mário, nos tempos de França e não só, repetidas chamava por ele, Oh Márió! Prova inequívoca, das cumplicidades e amizades entre ambos.
Foi o Mário Clington, que fazia o favor de ser meu kamba, que facilitou, a possibilidade singular que tive de conhecer e entrevistar, o professor Carlos Moore, em Agosto de 2010, por altura da homenagem que a família Pinto de Andrade fez, dos vinte anos de morte do homem de cultura e política que foi Mário Pinto de Andrade.
Neste momento da sua partida para eternidade meu Kota, com a consciência do dever cumprido, é com profunda comoção e emoção, que inclino-me perante a sua alteza de espírito dizendo: muito obrigado por tudo, estamos juntos que as suas virtudes de razão se eternizam nesta pátria que teve o mérito de ter tido o filho prometido que foi Mário de Sousa Clington.
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